“A euforia com a eleição argentina mal terminou, mas já é evidente que o presidente eleito (…) pode cair em tentação entre as expectativas de que irá reviver a tradição peronista de benesses estatais e as restrições impostas pela economia combalida” [1]
The New York Times, 10 de maio de 1989
Exatamente! A referência ao jornal norte-americano não está errada. Em 1989, a Argentina elegia Carlos Menem, um presidente que surgia para salvar nossos hermanitos das mazelas econômicas criadas pelo governo anterior (de Raul Alfonsín, sucessor do regime militar).
Porque falar de 1989? Porque parece que a história está se repetindo. Aceleremos o tempo para 2015 e temos a eleição de Maurício Macri, um político que surge novamente como salvador da pátria albiceleste. Macri, embora tenha sido levado ao patamar de salvador por muitos veículos de comunicação, para a tristeza de alguns é bem provável que caia em tentação e caminhe para o populismo ao melhor estilo descrito por Rudiger Dornbusch em “Macroeconomic Populism in Latin America”[2].
No curto prazo, Macri vem adotando certas políticas para desfazer o nó econômico atado pelo casal Kirchner. Está recuperando a confiança dos mercados internacionais posando de liberal e fazendo alarde com ações midiáticas que não destravam os fundamentos da economia argentina no longo prazo. Mas dão a impressão de que o homem veio para dar um choque liberal e manter tais políticas e isso afeta positivamente as expectativas. Para quem estava em coma, a transferência para a UTI já soa como cura. Mas a aparente recuperação argentina é mero fogo de palha.
A campanha de Macri, ao posicioná-lo como redentor, tem muito a ver com a situação econômica argentina. Nada mais confortável que bater em cachorro morto durante a campanha e dizer que vai recuperar a economia, quando todos sentem os efeitos das políticas equivocadas dos anos do Casal Pingüino na Casa Rosada. Muito parecido com o que ocorreu nos tempos de Menem.
A situação econômica era a seguinte:
1) Produto [caption id="attachment_5886" align="alignnone" width="1434"]Conforme vemos, as eleições de Menem e Macri coincidem com períodos de declínio ou estagnação da renda média dos argentinos. A proposta de soluções mágicas soam como tango aos ouvidos da população e de analistas desesperados por notícias boas do lado de lá do Rio da Prata. Tente adivinhar se o trecho abaixo foi dito pelo salvador Macri ou pelo redentor Menem para recuperar a combalida economia hermana:
“Nada de lo que deba ser estatal permanecerá en manos del Estado”* 2) Inflação [caption id="attachment_5885" align="alignnone" width="1436"]Com a inflação, o caso é parecido. Menem pegou a Argentina em um caos hiperinflacionário, mas com o índice de preços subindo e subindo. Macri pega a Argentina também com inflação em alta e acelerando, apesar de longe do episódio da década de 80 (vale lembrar que utilizamos as pouco confiáveis estatísticas oficiais de inflação na Argentina).
Novamente, um ótimo cenário para o candidato de oposição surgir como reformador e acabar com a inflação numa tacada de mestre só. No curto prazo, funciona, já que isso pode ser feito facilmente feito lançando mão de uma política insustentável…e populista (alguém ai lembrou dos fiscais do Sarney e sua popularidade no início do Plano Cruzado?). Resistirá Macri às tentações e atará suas próprias mãos? Ou continuará com a chave do cofre do Banco Central de la República Argentina? Difícil acreditar que Macri aprovará medidas institucionais que amenizem potenciais escaladas dos preços no futuro, como a independência de fato da autoridade monetária.
3) Taxa de Câmbio
[caption id="attachment_5884" align="alignnone" width="1440"]Para a taxa de câmbio, nada de muito diferente do padrão. Tanto Menem quanto Macri fizeram campanha e foram eleitos em meio a uma grande desvalorização do peso argentino e controles cambiais por parte do estado. Menem partiu para a dolarização da economia e colocou o país na rota da enorme crise de 2001/2002. Será que a política cambial de Macri colocará o país em uma rota saudável no longo prazo? Tenho cá minhas dúvidas. Por ora, tente agora adivinhar quem disse a seguinte frase sobre a política cambial ao ser eleito:
“En estos días nos vamos a reunir con el equipo económico para definir cuanto antes un tipo de cambio único para el dólar. No habrá gradualismo. No vamos a tardar cinco meses en llegar a un mercado único de dólar.”**
O cenário para a eleição de um redentor estava dado na Argentina. Para que o país volte aos seus momentos gloriosos é necessário implementar reformas institucionais que garantam o bom funcionamento da economia no longo prazo. Porém, Macri está devendo políticas que revertam definitivamente as instituições perversas instaladas desde os tempos de Perón, como impedir grandes poderes do presidente ou a entrega da chave do cofre (do Banco Central), atando assim uma das mãos do governo no manejo do gasto público.
Sem uma agenda de longo prazo e com a tradição da política argentina batendo à porta, a lua-de-mel de Macri com seus eleitores e com os partidários do liberalismo econômico não deve durar muito e, infelizmente, o atual entusiasmo deve dar lugar à decepção, inclusive para este escriba. Pelo menos a trilha sonora trágica tem ótima qualidade….Adiós Nonino!
Notas:
[1] http://www.nytimes.com/1989/05/16/world/man-argentina-s-president-elect-shadow-peron-carlos-saul-menem.html [2] http://www.nber.org/papers/w2986 Respostas: * Frase de Carlos Menen ** Frase de Maurício Macri.