Desde a descoberta do Pré-sal viu-se um dos maiores casos de ascensão e queda na economia brasileira. Diversos setores da economia prometiam ser o novo motor do desenvolvimento nacional. No meio desses sonhos, ressurgiu a ideia da indústria naval, afinal de contas petróleo em alto mar, como no caso brasileiro, precisa de navios e plataformas, uma ideia com certo sentido.
Logo se criaram esforços e acabou sendo recriada a indústria naval no Brasil com farto subsídio e promessas de que com o Pré-sal a Petrobras seria uma empresa tão grande que não haveria problemas na demanda por navios e equipamentos navais durante décadas. Com a Lava-Jato, o aperto fiscal, a redução de subsídios e o redimensionamento dos investimentos da Petrobras de forma a acomodar a sua enorme dívida de 100 bilhões de dólares destruíram mais esse esdrúxulo experimento de política industrial.
Apenas para ilustrar o frenesi recente, vejamos o caso da Sete Brasil, que está na contagem regressiva para pedir recuperação judicial. A empresa foi criada para construir navios-sondas para a Petrobras. No papel um negócio maravilhoso: 28 sondas para o Pré-sal, lucro na certa. Existia o crédito farto via BNDES, capital não seria problema. O governo e a Petrobras juntaram em um balaio societário todos os amigos do rei: BTG Pactual, Bradesco, Santander, Caixa Econômica Federal, e dos fundos FII-FGTS, Previ, Petros e Funcef. Com a explosão da Lava-Jato, a vertiginosa queda do preço do petróleo e a diminuição dos investimentos da Petrobras, único cliente da Sete, o estaleiro foi a pique. O Titanic criado para o Pré-sal bateu no imenso iceberg da realidade. A Sete não é a única à deriva. Todo o setor está lançando a âncora e encerrando atividades. Só em 2015 colocaram mais de 15 mil trabalhadores na rua, segundo dados do sindicato da construção naval, já que apostaram tudo no Pré-sal e sua cadeia produtiva, que agora será bem menor do que os planos originais.
A escolha de reativar a indústria naval da forma que foi feito pelo governo PT, foi um desastre anunciado. Já se foram tentados os mesmos métodos aqui em Terras Brasilis: crédito farto, subsídios infinitos, estatais encomendando equipamentos mais caros que a média internacional de fornecedores com pouco know-how, e a ingenuidade do Estado de achar que poderia alocar capital escasso com eficiência.
Olhando em retrospecto a indústria naval nacional se tem uma boa ideia de como chegamos até as mais de 15 mil demissões registradas em 2015. Nos anos 50 o governo JK tentou recriar a indústria naval, que existiu brevemente no império e no começo da república, criando agências para fomentar o processo. Então criou-se A FDMM – Fundação de Desenvolvimento da Marinha Mercante e o FPN – Fundo Portuário Nacional. Tudo isso foi financiando, em parte, por uma taxa, a TRMM – Taxa de Renovação da Marinha Mercante, que era de 5% sobre o valor de qualquer mercadoria transportada. A arrecadação dessa taxa era para pagar o “prêmio” de se produzir um navio aqui no Brasil, uma vez que ele era consideravelmente mais caro que um navio similar, produzido em algum pais com grande know-how. O plano foi um desastre. Com o esgotamento do modelo desenvolvimentista de JK acabaram o dinheiro farto e a festa. E quem pagou? O consumidor e o contribuinte, que sempre pagam a conta de escolhas ruins, pois acabavam tendo a TRMM embutida no preço das mercadorias. Mais tarde, nos anos 70 tentamos mais uma vez, agora com muito mais dinheiro. A TRMM virou a AFRMM – Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante, de 5% passou para 20%. Também não deu certo. Outro desastre e ficamos novamente com a conta.
Permeada por desastres, a indústria naval ficou reduzida a estaleiros de baixa capacidade, que se especializaram em fazer reparos e a produzir pequenas embarcações.
Até que em 2007 decidiu-se acordar o Godzilla dos profundezas, novamente. Foi lançado o PROMEFs – Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, especializada em transporte de óleo e gás. Com o crescimento da exploração do petróleo no mar, navios se tornam necessários para irem até as plataformas e transportarem o petróleo até a costa. Porém, os navios tinham de ser feitos no Brasil e com um conteúdo mínimo de peças nacionais. Sem problemas, o BNDES está ai pra financiar. Criou-se então um enorme movimento de construção de estaleiros e empresas de suporte. Todos queriam participar – a Camargo Correa e Queiroz Galvão, duas super-empreiteiras, a primeira envolvida na Lava-Jato, também se animaram e criaram o seu estaleiro: o Atlântico Sul (EAS). O EAS é uma empresa de sucesso, estilo Eike Batista. Antes mesmo de sua estrutura física ficar pronta conseguiu um “contratinho” para 49 navios petroleiros. Simultaneamente à construção do primeiro navio, o João Cândido, a empresa estava construindo a sua estrutura física. A situação beira o cômico: seria o equivalente à Embraer colocar o telhado do hangar enquanto monta um jato embaixo, sem saber ao certo se o jato voaria.
Tudo daria certo, pelo menos na cabeça do governo. Há dinheiro subsidiado e as encomendas firmes da Transpetro. Até que bateu a realidade e os problemas surgiram aos montes. Ninguém produz um navio sem saber produzir um navio, principalmente os trabalhadores. Centenas precisaram ser treinados para fazer os complexos serviços de soldagem e montagem do navio e algumas dessas pessoas até vieram de canaviais de Pernambuco. O estaleiro fica em Ipojuca-PE, não muito longe de Recife. Ninguém sabia fazer nada, e precisaram aprender enquanto montavam o navio e a fábrica para fazer o navio. Resultado final: o João Cândido foi ao mar três vezes e teve problemas para flutuar (a primeira função de um navio é flutuar). Após sua entrega em 2010, o “Joãozinho” precisou ser levado para reparos que duraram 24 meses.
O navio não flutuou na primeira vez ao mar. Sem problemas, foi o primeiro navio, no segundo a coisa vai ser melhor, no terceiro ainda mais. E lá pelo décimo navio já vamos ter aprendido a fazer com eficiência. Mas não vai haver o décimo, porque o preço do petróleo despencou, a Lava-Jato explodiu e a Petrobras saiu cancelando diversas encomenda. A realidade bateu novamente. E para esses estaleiros, a Transpetro e outras empresas ligadas diretamente à Petrobras eram os únicos clientes. Lá se vão demitidas dezenas de milhares de pessoas, e se amontoam dividas bilionárias no BNDES. Um caos. O Estaleiro Atlântico Sul é só uma amostra do desastre, já quase todos os estaleiros no Rio de Janeiro estão demitindo aos milhares seus funcionários e preparando o encerramento de suas atividades.
O caso da indústria naval é bastante ilustrativo. Todos esses equipamentos, pessoas e estrutura não vão ficar ociosos esperando o próximo ciclo de construção naval. Boa parte disso vai ser desmontado e o capital investido em todas as formas vai depreciar. Os boias frias que viraram soldadores (investimento em capital humano) não vão conseguir empregos como soldadores de navios no curto prazo. Talvez alguns se recoloquem na indústria, mas a maioria voltará ao subemprego, provavelmente na lavoura novamente. Logo, todo o investimento de treinar esse pessoal foi por água abaixo. Todo esse estoque de capital vai ser depreciado com o passar dos anos e nunca mais vai ser utilizado, um enorme desperdício. O mesmo está acontecendo com outros setores da economia. Como os gigantes investimentos das montadoras de veículos, também com aval governamental.
Os guindastes enormes dos estaleiros vão estragar com o tempo, virarão sucata ou, na melhor das hipóteses, serão vendidos por uma fração do preço pago.
E o custo dos empréstimos subsidiados? Tudo isso entrou no enorme crescimento da dívida pública nos últimos anos, criando pressão fiscal em cima do Estado, que infelizmente vai ser paga por todos nós, já que os investimentos feitos não vão se pagar com a atividade fim que eles deveriam realizar.
No final ficamos com a seguinte dúvida: para que comprar o petroleiro nacional se podemos comprar um dinamarquês supermoderno e mais barato? Pagaríamos algumas centenas de milhões por esses navios importados e toda aquela grana gasta com os estaleiros poderia ter sido usada para algo onde realmente temos know-how, em outras palavras, teríamos alocado o capital com mais eficiência.