O outro lado da política monetária

O que muitos no mercado se preocupam hoje em dia é o porquê da elevação da taxa de juros não trazer a inflação para uma trajetória descendente. A taxa de juros já foi elevada em 3,5 pontos percentuais desde o começo do ciclo de aperto monetário em abril do ano passado e mesmo assim, a taxa de inflação se mostra resiliente na casa dos 6% sem dar sinais de trégua.  O relatório trimestral de inflação divulgado hoje mostra que as projeções de inflação do BC pioraram[1] desde a última divulgação em dezembro: para 2014, elas passaram de 5,6% para 6,1% e, para 2015, passaram de 5,4% para 5,5%. Já o relatório FOCUS, que mostra as projeções do mercado, aponta uma inflação nada mais nada menos que 6,28% para 2014. Ou seja, mesmo com o aumento da taxa de juros, as expectativas de inflação só sobem. Estranho, não?

Muitos dizem que a eficiência da taxa de juros está prejudicada uma vez que os canais de transmissão da taxa de juros para a inflação estão obstruídos. De fato estão, e, a meu ver, o motivo dessa obstrução é basicamente a política fiscal. Com os gastos públicos estimulando a atividade a todo vapor, não há taxa de juros que aguente segurar a demanda agregada. Se por um lado, Alexandre Tombini, presidente do banco central brasileiro, puxa a Selic para desaquecer a economia e assim controlar a inflação, do outro, se tem Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Arno Argustin, secretário do Tesouro, jogando mais lenha na fogueira, gastando até o que se não tem, através de maquiagem nas contas públicas e receitas não recorrentes, para garantir emprego e renda à população. Lembrando que esse ano é ano eleitoral e, portanto emprego e renda são variáveis econômicas chave para a reeleição do governo.

Em outras palavras, a parte monetária é contracionista, mas a fiscal é expansionista, sendo que a segunda mais que compensa a primeira. Parece que para o governo não há trade-off entre atividade e inflação no curto prazo. Acreditam que basta elevar a taxa de juros para controlar a inflação e aumentar os gastos públicos para garantir crescimento da atividade que a economia voltaria ao seu estado natural, como um passe de mágica.

No entanto, o mercado não é bobo e conhece economia tão bem quanto o governo. Olhando para esse mix de política econômica, o mercado não enxerga uma desaceleração da atividade à frente, e, portanto, as expectativas de inflação não cedem.

As mágicas realizadas pelo governo já não iludem mais ninguém. Prova disso foi o rebaixamento  do rating soberano do Brasil pela S&P nessa semana. Resta apenas o mágico que acredita na própria mágica.

Back to basics

Muitos dos nossos leitores não estão familiarizados com os conceitos econômicos aplicados no texto. Tentarei dar uma breve introdução sobre a relação taxa de juros e inflação:

Peguemos o exemplo da dona Maria e seu desejo de abrir sua própria lojinha. No entanto, para isso ela terá que se financiar a uma taxa de juros. Caso essa taxa de juros esteja alta, dona Maria achará caro, e não dará seguimento de abertura de sua lojinha. Em outras palavras, ela não gastará (demanda por empréstimos diminui), a atividade desaquecerá, e os preços cairão (diminui a inflação).

O inverso também é verdadeiro. Se Dona Maria achar que as taxas de juros estão baixas, ela acabará pegando mais dinheiro emprestado e dessa forma estimulará a economia de forma a elevar os preços (aumentar a inflação).

O exemplo acima ilustra apenas um dos canais de transmissão da taxa de juros para a inflação. Quem se interessar mais sobre os outros canais de transmissão da política monetária, segue o link do Banco Central explicando cada um deles.

Victor Wong

[1] Cenário de referência