“Economia” é uma palavra frequente em nossos cotidianos. Desde pequenos, nós ouvimos na televisão sobre o aumento de desemprego, a redução dos juros ou uma nova proposta de reforma econômica. Todo dia, são publicadas inúmeras notícia de como está a economia ou sobre como a situação política vai afetá-la. Ao mesmo tempo, a ciência econômica é frequentemente vista como uma disciplina fria e dedicada a estudar o mercado financeiro e o dinheiro. Apelidada de “ciência sombria”, para muitos a Economia é míope aos problemas contemporâneos e perdida em seus modelos irrealistas.
Mesmo que esses estereótipos guardem alguma verdade, a Economia é muito mais do que apenas isso. O objeto de estudo dessa ciência é, antes de tudo, como pessoas e organizações tomam decisões, nas mais diferentes esferas da vida. Não se restringe, de forma alguma, às relações de mercado e ao dinheiro. Ela é, na verdade, uma ciência que, entre inúmeras outras coisas, também estuda as relações de mercado e o dinheiro. E, cada vez mais, a economia é uma ciência dinâmica, interdisciplinar e atenta aos problemas do cotidiano.
A atual cara da ciência econômica é fruto de inúmeras revoluções dentro do campo nas últimas décadas. O prêmio Nobel de Economia foi instituído em 1968 justamente para reconhecer os grandes pesquisadores responsáveis por essas revoluções. Pensadores visionários, que desenvolveram novos métodos e propuseram questões que antes nem conseguíamos conceber.
O prêmio Nobel de Economia é o irmão mais novo (e bastardo, alguns diriam) dos outros prêmios Nobel. O inventor Alfred Nobel não havia colocado a disciplina na lista de áreas em seu testamento para a criação da medalha. O prêmio de Economia foi criado por iniciativa do banco central sueco quase 70 anos depois dos prêmios de Medicina, da Paz, da Física, da Química e da Literatura terem sua primeira edição.
Desde então, o prêmio pauta a Economia e ajuda a definir como a história do campo é desenhada. No entanto, até laureados do Nobel de Economia se opuseram a criação do famoso prêmio. Friedrich Hayek (1899-1992), por exemplo, disse no banquete de celebração ao prêmio em 1974 que, caso houvesse sido consultado, seria contrário a criação do prêmio pelo banco sueco pois acreditava que ninguém deveria ter tamanha autoridade nas ciências econômicas. Tendo ou não razão em sua crítica, Hayek certamente estava correto em algo: O Nobel de Economia não apenas ajuda a sedimentar o que é visto como o mais alto nível da Economia contemporânea, como também é capaz de mudar os rumos dessa ciência.
Às vezes, a Economia pode ser auto-centrada demais, confinada em sua própria forma de entender o mundo. Mas ela também é uma disciplina que se alimenta de conhecimentos de outros campos e também contribuí para eles. Gary Becker (1930-2014), por exemplo, em seu célebre livro A abordagem econômica para o comportamento humano usou da metodologia econômica para entender questões como por que as pessoas cometem crimes e como as famílias se organizam. Usando da modelagem matemática tipicamente e de bases de dados empíricas, Becker usou a ideia de que as pessoas agem sempre em prol de seu bem-estar para responder questões que antes eram reservadas a outros campos, como a sociologia e criminologia. Assim, o Homo Economicus, esse agente racional que sempre tenta maximizar o seu próprio bem-estar, foi colocado em novos contextos que não o estritamente econômico. Em reconhecimento a suas contribuições, Becker ganhou o prêmio Nobel de 1992.
A Economia Comportamental, em contrapartida, é um filhote da psicologia com a economia clássica que colocou em xeque muito do que se acreditava a respeito desses agentes racionais. Ajudou a desmentir partes do Homo Economicus e a sofisticar outras, para que ele se aproximasse mais do que é de fato o Homo Sapiens. A economia comportamental estuda como vieses cognitivos afetam as nossas tomadas de decisão no dia a dia, desde porque tendemos a ignorar novas evidências que contrariam suas crenças prévias a porque procrastinamos a fazer obrigações. Em 2002, o psicólogo israelense Daniel Kahneman (1936-) ganhou o Nobel em reconhecimento a suas contribuições à economia comportamental, alcançadas junto do também psicólogo Amos Tversky (1937-1996).
Mas, independente do tema, é onipresente na Economia a questão: o que causa o quê? Como saber, por exemplo, se mais vigilância policial realmente diminui a taxa de criminalidade? Ou como estimar se penas mais duras para crimes seriam mais eficazes para isso? Para responder esse tipo de questão, a econometria foi desenvolvida. Ela é uma área que aplica e desenvolve métodos estatísticos para tratar problemas empíricos da Economia. Em 1969, o primeiro prêmio Nobel de Economia foi entregue a dois dos pais da econometria, Frisch e Tinbergen, que desenvolveram métodos de como usar dados observacionais das economias nacionais a responder questões sobre as flutuações econômicas. Eles procuravam entender como usar a estatística para responder o que, afinal, causa recessões e booms econômicos em torno de uma tendência geral de crescimento de longo prazo.
Para responder o problema da causalidade, a Economia também usa de testes randomizados controlados (RCT, em sua sigla em inglês), que surgiram anteriormente na medicina. Através de um sorteio, os pesquisadores determinam um grupo de indivíduos que recebem certo tratamento e outro grupo, chamado de grupo de controle, é apenas observado para fins de comparações. Usando de RCTs, é possível isolar causa e consequência com mais segurança. Para muitos, esse é o padrão-ouro da inferência causal. Esther Duflo (1972-), Abhijit Banerjee (1961-) e Michael Kremer (1964-), três dos mais influentes adeptos dessa abordagem, ganharam o Nobel de 2019, o que sinaliza a caminhada que a Economia está fazendo para ser tornar uma ciência mais empírica. Com RCTs, tais pesquisadores respondem questões que antes nem como econômicas seriam vistas, desde como batidas policiais aleatorizadas diminuem crimes até como mensagens de celular feitas por famosos podem influenciar pessoas a usarem máscaras durante a pandemia do coronavírus.
Muito além do mero estudo do mercado financeiro ou do que se vê no noticiário, a economia é uma ciência que estuda como as pessoas fazem escolhas nas mais diversas esferas da vida. A Economia se torna cada vez mais uma ciência interdisciplinar e empírica. Apesar de às vezes se mover a passos lentos, a ciência econômica está cada vez mais atenta aos problemas latentes da sociedade, das mudanças climáticas e desigualdades passando por pandemias e fake news. Para conhecer um pouco mais sobre os grandes pesquisadores que definiram e definem o rumo da Economia, convidamos você, caro leitor, para que leia os outros textos do Projeto Nobel, deste Terraço Econômico.
Tomás Aguirre
Graduando em Economia na FEA-USP e membro da comissão organizadora da Olimpíada Brasileira de Economia
Notas
Banerjee, Abhijit and Alsan, Marcella and Breza, Emily and Chandrasekhar, Arun G and Chowdhury, Abhijit and Duflo, Esther and Goldsmith-Pinkham, Paul and Olken, Benjamin A.
Messages on COVID-19 Prevention in India Increased Symptoms Reporting and Adherence to Preventive Behaviors Among 25 Million Recipients with Similar Effects on Non-recipient Members of Their Communities. <https://www.nber.org/papers/w27496>
Becker, Gary S. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: University of Chicago Press, 1976. Print.
Nobel Foundation. Press release. The Prize in Economic Sciences 1992 (Gary Becker). NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1992/press-release/>
Nobel Foundation. Press release: The Prize in Economic Sciences 2002 (Daniel Kahneman & Verno L. Smith). Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2002/press-release/>
Nobel Foundation. Press release: The Prize in Economic Sciences 2019 (Abhijit Banerjee, Esther Duflo & Michael Kremer). NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2019/press-release/>
Nobel Foundation. The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 1969 (Ragnar Frisch & Jan Tinbergen). NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Tue. 4 Aug 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1969/summary/>
Kahneman, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.
Von Hayek, Friedrich August. Banquet speech. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1974/hayek/speech/>