O Princípio de Peter, ou O Princípio da Incompetência, foi apresentado pelo psicólogo e teórico estruturalista Laurence J. Peter, em sua obra “The Peter Principle“, publicada em 1969 nos Estados Unidos, tendo chegado ao grande público anos depois e permanecendo na lista de bestsellers do New York Times por mais de um ano, além de ainda estar sendo impressa até hoje, mais de 50 anos após seu lançamento. Abaixo temos a máxima do Princípio de Peter:
“Num sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência.”
Em seu livro, Peter apresenta diversos termos e descrições para reconhecermos um incompetente que se encaixa no princípio:
- O complexo de hipersimofobia (o receio latente sentido pelos superiores quando algum subordinado mostra forte potencial gerencial e de competência);
- Síndrome de oscilação (incapacidade ou medo de tomar decisões, evitando situações em que mudanças e decisões são importantes em sua gestão);
- Inércia do riso (hábito de contar piadas em vez de trabalhar, ou até mesmo fazer piadas com os demais, como forma de reafirmar sua “competência”) ou
- Gigantismo tabulador (obsessão em demonstrar-se mais competente que os colegas, digno de mais reconhecimento e, de novo, excessiva autoafirmação).
Tenho certeza que o leitor, enquanto lia as descrições, lembrava de algum gestor com o qual já teve (ou ainda tem) contato. Esse que vos escreve (que já foi gestor e já foi analista) consegue lembrar de alguns que se encaixam perfeitamente.
Pelo complexo de hipersimofobia e síndrome de oscilação, há gestores que se colocavam em situações cômicas, como na situação quando uma equipe chegava com um projeto definido, e o mesmo pede uma ou outra alteração (quase sempre somente uma opinião), para demonstrar algum tipo de participação, ou que sua decisão fora de alguma forma “fundamental” para a execução. A equipe geralmente tem que se submeter a essa opinião, não à uma análise aprofundada ou experiente de um gestor com conhecimento ou vontade real de melhorar o projeto/produto, e então fazer as alterações em algo que tecnicamente estava bom, talvez tornando-o não tão bom assim, simplesmente pela falta de conhecimento e necessidade de autoafirmar-se como gestor.
Essa completa certeza de saber como as coisas funcionam (mesmo que não tenha conhecimento para possuir toda essa certeza), limitam melhorias e otimizações que outros subordinados poderiam lhe trazer.
Sobre a inércia do riso e o gigantismo tabulador, geralmente trata-se de um gestor que insiste em fazer piadas e críticas das decisões de outros gestores e de seus colegas de trabalho, com os quais está em contato o tempo todo. Ou quando não passa horas a fio afirmando o quanto faria muito melhor o trabalho dos outros gerentes, sempre tendo uma crítica contundente para cada decisão que ficava sabendo. Todo esse comportamento pedantemente autoafirmativo nada mais é do que a própria percepção de sua incompetência, procurando formas de negar isso para si mesmo e aos demais à sua volta.
Podemos enquadrar essas situações e o gestor incompetente no Efeito Dunning-Kruger, quando um indivíduo tem total confiança que possui conhecimento em um determinado tema (ou mesmo na capacidade de gestão e liderança), mas na realidade é um completo inepto no assunto.
Percebendo isso, notamos o quanto esses gestores incompetentes são nocivos, não só para seus subordinados ou suas equipes, mas para as empresas como um todo. Gestores que gerenciam áreas e não possuem conhecimentos para a gestão, pois estagnaram no tempo e no cargo e se tornaram completos estúpidos para a função. Podemos enquadrá-los em algumas definições de estupidez trazidos por Carlo Cipolla, no caso, especificamente a 4ª Lei da Estupidez:
“As pessoas não estúpidas subvalorizam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas; esquecem constantemente que em qualquer momento e lugar, e em qualquer circunstância, tratar ou associar-se com indivíduos estúpidos constitui inevitavelmente em um erro custoso.” – 4ª Lei da Estupidez de Carlo Cipolla.
Tais gestores e líderes pararam de aprender, seja por não buscarem mais conhecimento em especializações e liderança em si, ou até mesmo dentro dos próprios processos da empresa, pois pensam que já aprenderam tudo, pois atingiram tal cargo numa organização. Uma deficiência de gestão que pode ser tratada pelo profissional deficiente e, principalmente, pelo área de gestão de pessoas e talentos, responsável pelo acompanhamento e desenvolvimento deste profissional.
No papper “Promotions and the Peter Principle” de Danielle Li e Kelly Shue, as economistas e pesquisadoras afirmaram que aqueles que se tornaram gerentes simplesmente porque tiveram um desempenho melhor em cargos intermediários eram cerca de 6% piores que os chefes anteriores, ou seja, reduziram o desempenho de todos os seus subordinados em mais ou menos 6%.
Pensa-se que um individuo de cargo intermediário, por ter tido algum desempenho de destaque, mereça a promoção, quando na verdade o mesmo talvez não apresente os atributos necessários para liderança ou mesmo características básicas de inteligência interpessoal.
Gestores assim tornam as empresas menos eficientes, e os custos financeiros desse tipo incompetente de gestão são difíceis de serem calculados. As corporações modernas têm tentado perceber melhor essas falhas e o quanto perdem por colocarem em cargos de liderança indivíduos incapazes para o cargo, que causam mais burocracia e problemas, invés de diminui-los, e minam o desenvolvimento de ideias e equipes competentes.
Em um outro interessantíssimo estudo sobre o Princípio de Peter, James Ike Schaap, Ph.D. e professor adjunto da Universidade de Nevada nos Estados Unidos, afirma que esses superiores em seus níveis de incompetência procurarão sempre manter os subordinados dentro de valores burocráticos, limitantes e acerca de sua ignorância, ou seja, serão mais formalistas e exigidores do cumprimento de métodos não eficientes estabelecidos por eles, e tentarão enquadrar cada subordinado a esse padrão, alterando a equipe, através de contratações e demissões, para que esta se encaixe cada vez mais em suas próprias incompetências.
Esses gestores, além de tornarem a empresa menos eficiente e menos lucrativa, atrapalham também o desenvolvimento de seus subordinados e a própria carreira, pois caso saiam do cargo, se demonstrarão completamente defasados e atrasados para um mercado constante e evolutivo. Vemos, portanto, o gestor incompetente se enquadrar ainda mais nos padrões de estupidez definidos por Carlo Cipolla, como conseguimos ver na definição da Lei de Ouro da estupidez humana:
“Uma pessoa é estúpida se ela causa um dano a outra ou a um grupo sem obter nenhum benefício para si, ou mesmo sofrendo prejuízo.” – 3º Lei da Estupidez de Carlo Cipolla.
Pelo princípio de Peter se compreende que alguém possa ingressar numa empresa como estagiário; deste início pode vir a passar, por merecimento, a algum cargo de nível técnico efetivado; dali galgaria novos postos até, por exemplo, uma gerência, onde se revelaria um completo incompetente. Com isto, sua ascensão findaria e esta pessoa ficaria estagnada numa função para a qual não possui qualquer competência para exercer.
Portanto, não importam os conhecimentos técnicos e percepções que o subordinado possua, esses gestores incompetentes geralmente não têm percepção do que realmente se passa em seus próprios setores ou mesmo sabem quais são os atributos ou capacidades de seus funcionários, muito menos como utilizar isso para o desenvolvimento da equipe e solucionar problemas. Esses gestores perdem mais tempo tentando se autoafirmar e justificar o cargo invés de devidamente gerenciá-lo, de se encarregar do desenvolvimento das pessoas de seu time, a função prima de um líder.
E o que fazer quando se deparar com um gestor desses pela frente? Infelizmente não há muito. Um gestor incompetente e que se mantém no cargo por muito tempo é só um indicador da falha estrutural e hierárquica na organização. Uma organização que ainda não percebeu o prejuízo (de capital humano e financeiro) de se manter um gestor incompetente tende a não perceber talentos ou solucionar um problema como esse no curto prazo. Às vezes, aos competentes, resta somente procurar um lugar onde a incompetência não seja uma característica valorizada.