Com as eleições chegando, tentarei de uma maneira menos usual te lembrar da importância do vereador. Fica o apelo pelo voto consciente.
Toda a problemática política recai nele: o vereador. Discutimos o cenário econômico, os juros, o câmbio, a inflação, e todas questões macroeconômicas que, no fim, com certeza afetam como estão os municípios. Mas, de certo modo, pode parecer que o que acontece no mundo está longe do simples cidadão. A inflação subir afeta, e muito, a nossa vida, mas um mal prefeito pode causar estragos também desastrosos. É o que acontece aqui que nos impacta mais diretamente. Nós vivemos nos municípios. Então, quem fiscaliza esse possível mal prefeito? O vereador. E quem fiscaliza o vereador? Na melhor das hipóteses: nós. Ao menos nós o elegemos, e seria bom cobrar um pouco mais dele.
O poder legislativo tem basicamente as seguintes funções: representação, proposição de leis e fiscalização do governo. Depois da municipalização, temos uma realidade em que as cidades são muito fortes, com elevada autonomia. Nesse contexto, o poder do vereador aumenta ainda mais e sua atuação ineficiente torna-se, portanto, ainda mais grave. Um potencial não usado com efeitos colaterais perversos.
Espera-se do vereador funções de forma alguma triviais. Toda casa legislativa no Brasil é composta por comissões, segundo põe a própria Constituição. Comissões legislativas atuam em uma grande variedade de funções, trazendo ao poder legislativo maior eficiência ao dividir tarefas em grupos especializados. As comissões variam em termos de operação na dinâmica orçamentária dependendo, por exemplo, da forma de governo. Por lei, em toda casa legislativa há uma Comissão de Finanças, responsável por qualquer trâmite fiscal e orçamentário que passa na cidade. Resumo: ela vai cuidar das contas do executivo. Corrupção, desvios, e todo e qualquer tipo da dita roubalheira – essa comissão tem a função de estar ali para barrar.
E o que a Constituição Federal cobra dos vereadores em relação à sua capacitação? A legislação brasileira não impõe qualquer restrição de conhecimento técnico à elegibilidade para vereador, exceto analfabetismo. Observada a relação de candidatos eleitos em 2012 nos estados de São Paulo e Minas Gerais, a proporção de vereadores com ensino superior completo é de 25%, e cerca de 40% dos eleitos nestes estados não completaram o ensino médio, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E estamos olhando para estados que estão melhores que a média nacional.
Será que a cidade de São Paulo traz um vislumbre melhor para o futuro? Esse ano, há 55 vagas para vereador na cidade e mais que 1200 candidaturas. Segundo pesquisa da Veja São Paulo, mais da metade dos candidatos não tem ensino superior, enquanto 41% não terminaram o ensino médio.
O que quero dizer: para o bom andamento da economia do país, termos 26 bons governadores é mais importante do que um bom presidente. E 5570 bons prefeitos com certeza fariam mais diferença do que esses 26 governadores. E os vereadores? Temos uma malha de vereadores no país (mais que 50 mil), que tem pleno potencial de colaborar (limitados à atuação legislativa, claro) e não o fazem. O tripé dos 3 poderes tem que funcionar a nível local.
Basta um rápido olhar em nosso panorama atual e a gritante quantidade de vereadores com propostas ralas – genericamente chamarei agora de “João do Quarteirão” – que o problema fica claro. Contexto atual: o João do Quarteirão não consegue trabalhar (não é de fato apto), e essas ditas comissões são compostas exclusivamente por vereadores. Eles podem ter assessores, e tem dinheiro disponível para a contratação, mas o dinheiro não é usado para contratar especialistas (em São Paulo, em média os vereadores possuem verba mensal de 165 mil para custos do gabinete e tem salário de 15 mil reais). O quadro de assessores é composto por pessoas que o ajudam com a agenda e atendendo o eleitorado. Não o culpo, claro. O vereador atende à população e pode ser muito cobrado por quem o elegeu (e deveria, inclusive). Em cidades de pequeno e médio porte, essa conjuntura é ainda mais clara. Resultado: todos os vereadores se preocupam em atender pedidos de bairros (que são mesmo urgentes), enquanto as atividades relativas às suas comissões ficam de lado. Se o vereador é da Comissão de Justiça ou de Finanças, ou qualquer outra por exemplo, pouco importa, pois ele não foca o seu trabalho ali, mas cuida do pedido em relação a obras “do Quarteirão”, por que de fato tem muita gente em necessidade pedindo ajuda. E é o que o João do Quarteirão faz. Não o culpo. O sistema está errado mesmo. Mas que ninguém está olhando para Finanças e Justiça, isso é fato. Os trâmites em relação à atividade do vereador acontecem apenas para cumprir a legislação, na grande maioria das vezes. E a população? Ninguém reclama disso. Ninguém vai às audiências públicas ao menos para saber o que está acontecendo na gestão de seu município. Entendam-me: a cada parágrafo, tento deixar mais claro de quem é a culpa disso tudo – o João do Quarteirão tem a sua parcela, mas ele pode muito bem ser apenas mais um coitado (que, é claro, pode se corromper).
Percebam quão errada é a situação, já que o vereador é a ÚNICA porta de acesso da população. Você não vai conseguir falar tão facilmente com o prefeito da sua cidade, nem com deputado estadual, se quiser um companheiro do legislativo “com mais gabarito”. Os vereadores não cumprem suas funções em cada comissão que estão, pois na maioria das vezes, quando são “bons”, atendem à população (o ciclo vicioso, em que ele se elege prometendo coisas para o “Quarteirão”, é cobrado por seus moradores todo o mandato, se ocupa tentando atendê-los, se reelege …).
E… o cidadão faz campanha para reduzir o número de vereadores? Justo o indivíduo que argumento ser o mais importante no governo (o gargalo de tudo)? O único com quem conseguimos conversar, representando a força dos cidadãos simples na política?
Obviamente, o vereador é mais um representante da população, e encher o legislativo municipal com pessoas com ensino superior e técnicos especialistas não representaria o cidadão brasileiro. Isso me faz pensar sobre a redução salarial dos tais vereadores. Talvez… Mas vale lembrar que a política, no Brasil, tem que tentar atrair gente boa. Não é de hoje que o mundo político atrai os piores. Não se escuta, há muitas gerações, a criança que “sonha em ser político”. Criticamos a política, mas é pouca gente com boa intenção que de fato arregaça as mangas e vai atrás de tentar mudar algo por dentro do governo. O problema é que o indivíduo com ensino superior e capacidade técnica que eu citei lá em cima não quer ser político. E tudo no mundo se resume a uma questão de incentivos. Logo, reduzir salários AQUI talvez não seja a melhor solução. Há outros disparates mais graves.
Por fim, toda e qualquer mudança em políticas públicas, em última instância, recai na mão do vereador, a nível municipal. Ele é o gargalo, e se ele não trabalhar bem, tudo que tentamos de bom – e tem muita gente tentando – pode ir por água abaixo. Precisamos de vereadores melhores. E, talvez, de mais.
Fernando Deodato Domingos – Atualmente é doutorando em economia pelo Insper, tem graduação em Economia Empresarial e Controladoria pela FEA-RP/USP. Pesquisa na área de gestão pública.
Referências:
[1] Reportagem da Veja SP sobre o perfil dos candidatos a vereador na capital paulista http://www.info4.com.br/ver/ver.asp?bA=NjEzNTU=&YQ=MzMyMw&Yw=MzMyMw&b3JpZ2Vt=ZW1haWw=&ZGF0YQ=MjYvMDkvMjAxNg
Também foram utilizadas informações de bases de dados do TSE