“É a microeconomia que vocês realmente precisam dominar”. Esta frase, ou alguma muito similar a esta, foi dita em uma das optativas avançadas que acompanhei ao final da graduação. Ao contrário do que o leitor poderia inicialmente supor, este conselho – repetido diversas vezes ao longo do semestre – vinha do meu professor de macro avançada. Aos menos familiarizados com a Teoria Econômica, uma breve introdução antes de prosseguirmos: genericamente, a microeconomia é o campo da ciência econômica que se ocupa da análise das decisões individuais e da dinâmica de setores específicos, ao passo em que a vertente macro analisa as variáveis agregadas, relativas à economia como um todo.
Os assuntos estudados pelos economistas podem ser classificados em uma destas duas grandes áreas (este artigo dos nossos parceiros do Por Quê ilustra um pouco mais o tema). Assim, talvez cause certa estranheza inicial o conselho do meu professor. Entretanto, os que se debruçaram um pouco sobre os modelos mais recentes da macroeconomia [1], ou que gastaram certo tempo para entender algumas das causas por trás do desenvolvimento dos países [2], provavelmente irão concordar com a recomendação dada e, possivelmente, até com o meu próximo parágrafo.
A microeconomia está na base do pensamento econômico. É a partir do arcabouço micro que as motivações e implicações do comportamento dos agentes são esquematizadas, tornando-se passíveis de análises estruturadas. Neste sentido, o olhar micro é uma ferramenta valiosa, não apenas aos que desejam seguir no mundo acadêmico ou atuar no campo da avaliação de políticas, como também aos profissionais de finanças, análise setorial e macroeconômica.
Em particular, sobre as implicações do mundo micro sobre o macro, este artigo visa destacar mais do que a importância do encadeamento lógico aprendido nos cursos de microeconomia, o qual se constitui como alicerce não apenas de diversos modelos macro, mas da própria forma de pensar do economista. O texto é também um lembrete da relevância da agenda de reformas microeconômicas para o crescimento sustentado do país.
No ambiente acadêmico, o elevado grau de abstração da teoria microeconômica muitas vezes dificulta o seu entendimento e afasta a curiosidade dos iniciantes na ciência. Por outro lado, no mundo prático, a natureza difusa e extensa de uma agenda de reformas micro faz com que esta não tenha a devida divulgação ou apelo junto à população e aos parlamentares. Assim, a micro vai caminhando de lado. E a distorção dos incentivos em diversas esferas da economia brasileira vai se perpetuando, com efeitos nocivos sobre a produtividade, o crescimento e a igualdade de oportunidades no país.
São muitas as distorções que incidem sobre o ambiente de negócios brasileiro. Pode-se citar apenas algumas, já com o risco de se estender demasiadamente. Destaca-se aqui por exemplo:
- A infraestrutura precária, em diversos setores, que torna custosas atividades que teriam tudo para ser eficientes. Um exemplo clássico é o caso do escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste pelo congestionado Porto de Santos, ao invés do caminho mais rápido por terra e por mar (a chamada saída norte, com potencial acesso ao Pacífico) para a China;
- A excessiva burocracia na abertura (e também no fechamento) de empresas, que coloca o Brasil anualmente entre as últimas posições do levantamento Doing Business do Banco Mundial. Mais do que o elevado tempo gasto para realizar negócios, esta burocracia também se reflete em altos custos e riscos jurídicos, que dificultam ainda mais o empreendedorismo e a atração de investimentos;
- Os obstáculos à importação, que vão desde tarifas elevadas até os numerosos procedimentos que devem ser cumpridos em diferentes órgãos regulatórios. Esta situação não apenas restringe as opções aos consumidores, como também encarece insumos e dificulta a adoção de novas tecnologias, com efeitos diretos sobre o setor produtivo.
Outros gargalos relevantes estão relacionados às distorções produzidas pelo nosso sistema tributário e de concessão de crédito, entre muitos outros fatores. Nesta apresentação de João Pinho de Mello (Assessor Especial da Fazenda para as Reformas Microeconômicas), feita em um debate sobre o tema no Insper, o leitor pode encontrar o diagnóstico da equipe econômica e as diversas propostas de reformas micro que devem ser (ou estão sendo) pleiteadas.
O tema é bastante extenso e complexo, mas está na base para a construção de um crescimento econômico de longo prazo. Em que pese a urgência das medidas no âmbito fiscal, como a inevitável Reforma da Previdência, não se pode deixar de lado a divulgação e a defesa da agenda micro. Ainda mais em um momento em que temos uma equipe econômica empenhada no estudo destes problemas, com a recém-criada Assessoria Especial de Reformas Microeconômicas.
Os desafios micro são muitos. E eles têm influência direta sobre a trajetória de longo prazo da economia, através do componente que os analistas chamam de produtividade total dos fatores (vulgo, eficiência). Mais do que isso, o alinhamento de incentivos microeconômicos (como, por exemplo, no mercado de crédito) está na base da formulação de políticas públicas para a redução de desigualdades. Neste sentido, e muito longe de cobrir o assunto, este artigo se coloca como uma defesa da microeconomia, tanto em seus aspectos teóricos, como em uma das suas aplicações com maior potencial nos dias atuais: a agenda micro.
Trata-se também de uma certa mea culpa de uma economista que somente descobriu a relevância da micro através da macro.
Daniele Chiavenato – Editora do Terraço Econômico
Notas[1] Para uma introdução a estes modelos, ver: https://www.amazon.com/Macroeconomic-Theory-Jean-Pascal-Benassy/dp/0195387716/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1503181300&sr=1-1&keywords=benassy
[2] Para uma incursão ao tema, ver: https://www.amazon.com/Desenvolvimento-Econ%C3%B4mico-Perspectiva-Brasileira-Portuguese/dp/8535251553