O renascimento do mercado de crédito privado no Brasil (tem que manter isso aí)

Já discutimos aqui no Terraço Econômico uma questão que parece ser aquela clássico do ovo e da galinha: o mercado de crédito privado de longo prazo no Brasil não existia por causa do BNDES ou o BNDES existia porque não havia mercado de crédito privado no Brasil? Contrariando o que parecia ser o diagnóstico dos governos anteriores (da necessidade do BNDES devido a incapacidade ou falta de interesse do mercado em oferecer crédito de longo prazo para empresas) a equipe econômica do governo Temer apostou no contrário. E tem funcionado bem.

O primeiro passo para essa mudança de paradigma foi a criação da TLP, uma nova taxa de juros de longo prazo em substituição a TJLP, aprovada no final de 2017. Devido a essa mudança, ao longo de cinco anos, a TLP passará a convergir para a taxa real da NTN-B de cinco anos mais a variação do IPCA. Na prática, a partir desse período o governo deixará de subsidiar o crédito para empresas aumentando o espaço para competição no mercado privado de crédito. Essa é uma mudança fundamental uma vez que a taxa de juros de longo prazo para empréstimos do governo para as empresas deixa de ser uma decisão político-administrativa do Conselho Monetário Nacional (como era a TJLP) e passará gradualmente a ser definida por parâmetros de mercado.

Antes disso, a competição era impossível. Para se ter uma ideia, em junho de 2016 a TJLP estava em 7,5% ao ano, quase metade da taxa Selic, que era de 14,25% e ainda mais distante das taxas das NTN-B cotadas em 16,26% naquela época. Isso significa que o governo estava subsidiando as empresas que recebiam esses empréstimos do BNDES em pelo menos 6% ano ano. Com certeza mais, já que o risco das empresas e o prazo dos empréstimos do BNDES eram bem superiores aos do governo captando via Selic.

Com essa mudança, as transferências de recursos do governo para o BNDES foram reduzidas drasticamente, algo fundamental especialmente em momentos de crise fiscal. Entre 2009 e 2016, os gastos do Tesouro Nacional com subsídios financeiros (equalização de juros) e creditícios do BNDES somaram o equivalente a R$ 222 bilhões em valores de hoje. Em 2014, por exemplo, o tesouro transferiu 60 bilhões de reais para o BNDES, cerca de 2.5% do PIB daquele ano (valores que já tinham sido ainda mais expressivos em anos anteriores como demonstram os gráficos a seguir).

Não existia dúvidas a respeito dos benefícios fiscais de tal medida. Estava claro também que haveria um benefício para os trabalhadores, já que 30% dos recursos do BNDES vem do FAT (fundo de amparo ao trabalhador) cujo principal objetivo é custear o seguro-desemprego, o abono salarial e programas de geração de emprego e renda e que também era remunerado pela TJLP (com isso, a substituição da TJLP pela TLP, também acaba protegendo o trabalhador ao aumentar remuneração dos recursos destinados ao seu amparo).

O que não se tinha certeza é se o mercado de capitais teria fôlego (e vontade) para ocupar esse espaço. Essa foi uma aposta, até o momento vencedora, da equipe econômica. Como podemos ver no próximo gráfico:

Além do volume ter aumentando, o prazo médio dos empréstimos para títulos de empresas também cresceu, o que reitera a confiança e o apetite do mercado de capitais para esse tipo de operação.

É claro que a criação da TLP não foi a única responsável por esse sucesso. Na verdade, o renascimento do mercado de capitais no Brasil é resultado de um esforço coletivo da equipe econômica tanto no sentido de garantir a estabilidade macroeconômica, que resultou na queda da taxa selic para os atuais 6.50% ao ano, quanto em promover a produtividade das empresas através da agenda microeconômica.

Com isso, cria-se um círculo virtuoso no qual estimula-se o mercado privado de capitais a assumir o crédito para as grandes empresas (principalmente as ligadas aos setores de infra-estrutura e energia), promove-se uma democratização do acesso a crédito (que antes era subsidiado sem muita transparência, para dizer o mínimo, para as empresas consideradas “campeãs nacionais”) ao mesmo tempo em que incentiva-se a produtividade, uma vez que o crédito subsidiado pela TJLP dava fôlego para empresas muitas vezes improdutivas cujos negócios talvez não parassem de pé sem essa mãozinha amiga do governo. Além disso, conforme uma parcela maior dos títulos de longo prazo passam a ser atrelados a NTN-B, ou seja, são “marcados a mercado” a política monetária do Banco Central passa a ter mais força, ampliando o impacto dos juros sobre a inflação do país.

Fica então a dica para que o próximo governo para que não se ceda a pressões, que sempre irão existir, e não se resolva dar um cavalo de pau nessas mudanças. Talkei?

Renata Kotscho Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia Referências Fórum Amec 2018 – O Legado do Ministério da Fazenda para o Próximo Governo 10 Vantagens da TLP (Ministério da Fazenda) Mercado de Crédito – Série Panorama Brasil (Oliver Wyman)
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