O Uber tem salvação?

As últimas semanas não foram exatamente tranquilas para o Uber. A empresa foi acusada de fechar os olhos para diversos casos de assédio sexual[1], a tecnologia usada nos seus carros autônomos está sob suspeita de ter sido roubada do Google[2], foi revelado que a empresa usava um programa bastante questionável para escapar da legislação em cidades onde o aplicativo não era legal[3] e, para completar, foi divulgado um vídeo no qual o CEO da empresa, Travis Kalanick, estava sendo grosseiro com um dos seus motoristas[4]. Uma sequência de acontecimentos capaz de abalar até uma empresa acostumada a ser questionada tanto pela imprensa quanto pela justiça.

Sabemos que não é de hoje que o Uber enfrenta polêmicas, mas a empresa costumava contar com o apoio dos usuários satisfeitos com a boa qualidade do serviço atrelada a preços baixos. Hoje, mesmo entre os usuários, parece que a lua de mel chegou ao fim e o relacionamento está em crise. Com o crescimento da empresa a qualidade dos serviços têm caído e as reclamações aumentando. Do lado dos motoristas ocorre a mesma coisa: muitos se sentem enganados por promessas exageradas de ganhos e não são raros os que acabam dormindo dentro dos seus carros para cumprir longas jornadas de trabalho – o que pode inclusive afetar a segurança no transporte de pessoas. Para reverter essa questão e melhorar a qualidade de vida dos seus prestadores de serviço, o Uber denominou 2017 como “o ano do motorista”, mas por enquanto isso não passou de uma promessa vazia como foi o slogan brasileiro “pátria educadora”. Os investidores também não parecem tão confiantes. O Uber continua gastando dinheiro subsidiando cerca de 40% das tarifas e ainda não mostrou como pretende tornar-se uma empresa rentável. Em 2016 a empresa apresentou um prejuízo de mais de 3 bilhões de dólares.[5]

Mesmo se a empresa dispensar todos os motoristas com a sua futura frota de carros autônomos, a estimativa é que consiga aumentar a margem em apenas 5%[6]. Sem falar que, com essa mudança, o Uber precisará deixar de ser uma empresa puramente de tecnologia para ser uma empresa de produção e manutenção de frotas, o que pode ser um desafio enorme, além de caro. Somado a isso é provável que as cidades queiram controlar o preço do transporte por carros autônomos, o que pode prejudicar ainda mais a margem da empresa. Isso, claro, considerando que o Uber tenha um futuro com os carros autônomos. Há um processo movido pelo Google alegando que a empresa Otto, do seu antigo vice presidente de engenharia Anthony Levandowski (olha o sobrenome do sujeito…) tenha roubado segredos industriais usados nos seus caminhões autônomos e isso pode comprometer esses planos no longo prazo.[7]

As empresas inovadoras do Vale do Silício costumam dizer em suas missões que pretendem “criar um mundo melhor”, quando na verdade, como qualquer empresa, visam o lucro (e não há nada de errado com isso). As chamadas tecnologias “disruptivas”, que mudam o desenho de mercados tradicionais, nem sempre beneficiam a todos. Elas prejudicam especialmente aqueles que atuavam no mercado no qual a nova tecnologia entrou. Mas o posicionamento agressivo e predador do Uber vem incomodando mesmo os mais entusiastas em inovação.

Cada vez mais as pessoas têm dado valor para a ética e a imagem das empresas que escolhem ser consumidoras ou mesmo funcionários. As redes sociais têm facilitado movimentos de boicote a empresas cujos valores não representam aquilo que a sociedade deseja. Não basta mais ter um produto bom e preço baixo. Por isso, é inegável que o Uber terá que mudar sua própria cultura. Mesmo atuando no mercado de transportes, que parece ser corrupto no mundo todo, se quiser sobreviver a empresa terá que inovar também nesse aspecto trazendo não só tecnologia e carros e dirigem sozinhos mas também ética ao setor.

Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.

[1] https://techcrunch.com/gallery/everything-we-know-so-far-about-ubers-sexual-harassment-scandal/

[2] https://www.wired.com/2017/02/googles-lawsuit-uber-revolves-around-frickin-lasers/

[3] http://www.inc.com/business-insider/uber-secret-app-greyball-avoid-authorities-travis-kalanick.html

[4] http://www.zerohedge.com/news/2017-02-28/caught-tape-uber-ceo-argues-driver-over-declining-fares-take-responsibility-your-own

[5] https://www.bloomberg.com/news/articles/2016-12-20/uber-s-loss-exceeds-800-million-in-third-quarter-on-1-7-billion-in-net-revenue

[6] https://www.theinformation.com/how-uber-can-drive-profits

[7] https://www.wired.com/2017/02/googles-waymo-just-dropped-explosive-lawsuit-uber-stealing-self-driving-tech/

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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