Entrevista com João Pinho de Mello

Nossa editora Renata K. Velloso entrevistou com exclusividade o economista João Pinho de Mello, ontem convidado oficialmente para compor a equipe econômica de Henrique Meirelles. Ele irá assumir uma secretaria no Ministério da Fazenda para elaborar ações na área da competitividade e produtividade, consideradas estratégicas para recuperar a economia e trazer consistência no crescimento de longo prazo.

Terraço Econômico: Se a economia brasileira fosse um paciente e você fosse o médico, na sua opinião, qual seria o principal diagnóstico, ou seja, qual a nossa principal doença? Quais os principais erros que levaram a estado quase terminal? Quais os tratamentos que o governo não pode deixar de fazer? E quanto tempo o cidadão comum terá que esperar para sentir alguma melhora?

Pinho de Mello: Eu não sou muito bom de analogias médicas, mas vejo o Brasil como um doente que tem uma diabetes crônica e agora está passando por uma crise aguda de hipertensão. As flutuações cíclicas são normais, mas no momento estamos passando por uma mais longa e aprofundada. Mesmo assim é hora de manter o sangue frio. Não acho que seja o caso de tentar sair ressuscitando o doente com qualquer remédio e comprometer o longo prazo.

Assim que tivermos mais clareza do lado fiscal e com a melhora da política monetária (que já começou a ajudar) podemos entrar num ciclo mais positivo. A clareza fiscal ajuda na trajetória da dívida o que vai possibilitar uma queda mais acentuada dos juros e com isso estimular o crescimento. A aprovação da PEC do teto, que opera muito mais sobre expectativas de controlar a trajetória do endividamento público, já foi um avanço nesse esforço de dar mais clareza fiscal.

Também é fundamental no curto prazo aprovar a reforma da previdência. Esses são os remédios para controlar a crise de hipertensão do paciente.

Isso vai ajudar todo mundo, vai aliviar as empresas e as famílias e a minha expectativa é que quando isso acontecer o país vai crescer fortemente. Tem muita capacidade ociosa que vai ser ocupada.

Eu acho que a gente chegou até aqui porque a nossa capacidade construída não vale muita coisa. Fazendo uma analogia, vamos supor que existiam bons empregos na indústria automobilística para fazer chassi de caminhão. A lógica adotada foi: vamos estimular a indústria de chassi para empregar mais pessoas que ganham bem nessa indústria. O problema é que esses bons empregos já estavam ocupados e não havia mais demanda para chassi de caminhão. Então se você aumentar a capacidade não vai aumentar os empregos e sim jogar dinheiro fora que poderia ser aplicado em outros lugares. Essa é uma analogia simplória, mas que ilustra mais ou menos o que foi a estratégia do governo anterior. A gente pegou muito dinheiro, muita poupança do trabalhador e dinheiro do tesouro para estimular determinados setores que simplesmente não tem demanda. Então hoje temos uma capacidade instalada que não vale nada, ou vale muito menos do que se imaginava.

E esse processo é um processo doloroso porque as empresas tem que pagar os empréstimos que foram contraídos para construir essa capacidade instalada e muito capital vai ser destruído porque não vale nada, ou seja, a gente empobreceu mesmo.

É como um esquema de pirâmide que você descobre que o seu investimento não vale nada. Evidentemente que não é uma pirâmide, mas é como se você tivesse investido em um negócio que não deu certo. E esse processo de se livrar dos ativos e quitar as dívidas é sofrido e é isso que estamos passando agora.

Evidente que a instabilidade política também não ajuda e o problema fiscal também não. Mas a gente precisa controlar essa “hipertensão econômica” se quiser caminhar para qualquer lado.

A não ser que você acredite no moto contínuo, continue se endividando, dobrar aposta, acreditando que assim você vai gerar tanta riqueza que tudo vai se pagar por si mesmo. Essa é a defesa da esquerda brasileira. Tem o moto contínuo da direita americana também, que acredita quanto mais a gente cortar impostos, mais as empresas vão gerar riquezas e isso vai compensar tudo. São duas opiniões que se encontram em algum esquisito, mas que são manifestações de um mesmo fenômeno.

Assim que passar alguma revisão que não seja extremamente diluída da reforma da previdência a gente começa a melhorar. Eu acho que os remédios que o governo está aplicando são bons remédios. Difícil é ter sangue frio agora porque parece tudo muito desastroso, ainda mais com o cenário político tão turbulento.

Via BNDES o governo já estendeu uma linha de capital de giro importante para as empresas. Isso é importante porque os bancos privados olham para o endividamento das empresas e não querem ser o primeiro a dar o alívio. Então os bancos públicos acabam assumindo isso.

Eu acho que a gente deveria ter um quarto dos bancos públicos que temos hoje, mas já que temos, esse é o momento para usá-los. É como uma arma. Eu nunca tive e acho que nunca teria. Morei um tempo no Rio de Janeiro e não tive. Mas se eu tivesse e um bandido entrasse na minha casa, talvez eu usasse.

Eu acho importante abrir uma linha de capital de giro horizontal, sem escolher setor, para alongar as dívidas das empresas e dar algum alívio para os negócios que param de pé. O que você não quer, e precisa ter sangue frio para fazer isso, é manter vivas empresas cujos negócios não param de pé.

Essa é uma estratégia semelhante a que o BNDES fez em 2009 depois da crise de crédito. Essa estratégia em si não estava errada. O problema foi estendê-la. É igual quando você dar morfina para um paciente que está sentindo muita dor depois de um acidente, mas gostar do barato e continuar dando morfina para o cara nos próximos 5 anos.

Os juros já estão sendo reduzidos de forma cautelosa e tem que ser cauteloso mesmo. Você não quer errar a mão nisso para depois perder a credibilidade e ser mais difícil de consertar.

Passando uma reforma da previdência, com poucos ajustes pontuais eu acredito que a partir do segundo semestre de 2017 o Brasil já vai voltar a crescer e a partir daí deve crescer fortemente, só por ocupação da capacidade ociosa. Nem é que a gente vai crescer porque conseguiu produzir muito mais é só pelo uso da capacidade que está parada.

O risco é a gente, devido ao desespero de curto prazo, cometer erros que podem comprometer a solução de longo prazo, por exemplo, deixando vivas empresas cujos negócios não param de pé. É melhor deixar quebrar, limpar tudo que a produtividade vai melhorar no longo prazo e é isso que a gente precisa fazer.

Terraço Econômico: Na semana passada o governo federal anunciou um minipacote com o objetivo de estimular a economia. Faz parte dele um aumento no rendimento do FGTS, medidas para reduzir custos e juros do uso de cartão de crédito para lojistas e consumidores, refinanciamento de dívidas de pequenas empresas no BNDES e a facilitação do pagamento de dívidas de empresas com o governo. As análises que eu li de uma maneira geral consideraram essas medidas como no caminho certo, mas ainda insuficientes. Também no final da semana passada o Estadão divulgou que o governo pretende criar no início do ano que vem uma secretaria responsável pela agenda de medidas microeconômicas para estimular a economia e o seu nome está sendo cotado para função. Eu queria saber então qual a sua opinião sobre esse mini-pacote e o que mais poderia ser feito para estimular o crescimento econômico.

Pinho de Mello: Eu acho que o minipacote é positivo com várias intervenções sutis pró-competitivas, não intervenções grosseiras tentando forçar os preços para baixo. Por exemplo, acho pró-competitiva a medida que possibilita que o comerciante de descontos no preço conforme o meio de pagamento.

No Brasil, também por culpa do governo, temos muitas indústrias com problemas competitivos e precisamos mudar isso seja tirando as amarras de entrada para aumentar a competição, seja através de intervenção política antitruste e regulação mesmo.

Nesse sentido o governo está tomando medidas pontuais que podem aumentar a concorrência que são boas.

Sobre o FGTS eu acho poupança forçada desnecessária, acho que é um tributação distorcida e ineficiente do trabalhador formal. Aí tem duas coisas. Se você quer criar essa poupança e como essa poupança será alocada. Flexibilizar na margem é super positivo. Como agenda de longo prazo talvez a gente queira repensar o desenho do programa, sempre tendo em mente que temos um sujeito que foi remendado durante 50 anos. Se fosse desenhar do zero hoje, a gente faria algo totalmente diferente na minha opinião.

O caminho para o longo prazo é que os bancos disputem a poupança e aloquem esse capital nos seus usos mais produtivos, fazer com que o FGTS pareça mais como um fundo normal a mercado mesmo. Mas nesse interim o FGTS continua sendo a bengala do sistema de captação que não tem financiamento privado hoje, talvez porque tem o FGTS financiando de maneira subsidiada. Problema de ovo e galinha e a gente tem que ir com calma nisso.

O governo anunciou a criação dessas LGIs que em inglês chama covered bonds, que é um tipo de instrumento financeiro para dar segurança para investimentos de longo prazo, como no setor imobiliário. Em suma, você tira do balanço dos bancos os ativos do banco e eles ficam em uma conta apartada para dar mais segurança aquela garantia. Essa é uma medida importante para estimular o mercado privado de longo prazo.

É um processo lento, mas a demonstração de que a gente está desfazendo os remendos vai dar segurança para os investidores e com isso eles vão pedir taxas de retorno mais civilizadas, o que vai viabilizar um monte de coisas com o dinheiro do investidor externo.

Essa é uma boa agenda se o ministério da fazenda decidir, de fato, criar essa secretaria do crescimento: desfazer os remendos. Sempre tendo em mente que você não pode matar o paciente no curto prazo.

Eu publiquei com o Sérgio Lazzarini, meu colega no Insper, um artigo que mostra que o Brasil já teve um mercado de ações muito mais ativo do que é hoje, como proporção do PIB e já teve também um mercado de debêntures incrivelmente maior.

Algumas pessoas argumentam, e a gente precisa levar a sério, de que é importante forçar uma poupança e o governo aloca porque tem capacidade de alocar capital para indústrias que tem um prazo de maturação mais longo. Essa é a lógica da intervenção pública para financiamento de longo prazo. Outros países tem um mercado de longo prazo que não temos no Brasil e não tem nenhuma razão para a gente não caminhar para esse lado. E eu estou convencido que isso não ocorre hoje por causa do BNDES.

Claro que seria uma loucura desligar o BNDES da noite para o dia, precisa primeiro fomentar os instrumentos e o BNDES pode inclusive participar nesse fomento criando uma estrutura, muito mais do que emprestando diretamente. O BNDES pode, por exemplo, atuar como fazedor de mercado de debêntures de longo prazo. Ele pode garantir parte da demanda, carregar os títulos na carteira para dar liquidez no mercado secundário. O BNDES pode até ganhar dinheiro fazendo isso, e é ótimo que ganhe mesmo. Eu sou confiante, acho que se a gente só parar de bater a cabeça já vai melhorar muito.

Terraço Econômico: A questão da infraestrutura é a meu ver um dos principais problemas que impactam a competitividade do Brasil no mercado internacional. Eu sei que temos um elefante branco na sala chamado corrupção que torna essa questão bastante grave. Mas deixando esse elefante um pouco de lado, o que o governo federal poderia fazer para diminuir as amarras que hoje estão freando esse setor?

Pinho de Mello: Existe um caso muito forte para investimento em infraestrutura no Brasil. É muito diferente da Inglaterra, eu costumo brincar com meus amigos ingleses, onde eles só estão construindo outra linda de trem em Londres porque tem dinheiro muito barato financiando e eles abusam de dinheiro barato por lá também. Já no Brasil não, a necessidade de investimento em infraestrutura é claríssima.

Se você pegar, por exemplo, o norte do Mato Grosso, as áreas devastadas ali poderiam ser usadas para plantar soja, algo muito mais rentável que a pecuária extensiva que é praticada hoje na região e só não é feito porque hoje é muito caro escoar essa produção até o porto de Santos.

Como o caso para investimento em infraestrutura no Brasil é muito forte, os retornos também são. Então pra dar errado você tem que fazer muita coisa errada. Você precisa criar um ambiente tão inseguro que os investidores acabam exigindo retornos muito altos para entrar. Então o governo olha e por achar o retorno muito alto, tenta limitá-lo e assim que ninguém aparece mesmo. Então os poucos projetos que saíram em 2013 eram algo como: todo mundo sabe que isso aqui vai ser renegociado e além de tudo eu estou pegando 90% do financiamento do projeto com o BNDES então fica fácil para o investidor. Se ele ganhar, ganha muito e se perder, perde apenas 10% do que foi investido.

Esse sujeito que está investindo está preocupado com a trajetória da dívida de longo prazo, porque ele sabe que se continuar se endividando em algum momento o governo vai ter que tirar de algum lugar. Então é preciso dar segurança no fiscal para o investidor em infraestrutura saber o quanto vai pagar de imposto. Também é fundamental parar de tentar adivinhar os retornos e deixar eles se ajustarem e começar o BNDES a fomentar o mercado privado. É claro que os retornos vão ser altos agora porque a gente está inseguro mesmo. Mesmo que o BNDES continuar do jeito que está se fizer todo o resto, deslancha.

Mesmo com os problemas de licenciamento ambiental deslancha porque os retornos são muito altos. Tem muito dinheiro para ganhar mesmo com essa confusão toda.

Levar energia do Rio Grande do Sul para o Ceará é outra proposta extremamente vencedora. O retornos desse projeto é monstruoso no Brasil. Só não sai um projeto desses porque você errou muito para não sair. Se a gente ainda desse segurança no processo de licenciamento ambiental, o que não significa torná-lo menos duro não. Pode inclusive ser até mais duro, desde que seja transparente e rápido. Os investidores acabam pedindo mais retorno porque sabem que que terão que lidar com um processo extremamente burocrático sobre o qual não tem nenhum controle e que pode daqui há 2 anos inviabilizar o projeto.

Insegurança jurídica é algo que nos atrapalha muito e que também deve ser foco dessa secretaria do crescimento. Por exemplo, para desapropriação de terras a insegurança jurídica é enorme, tem a história da diferença entre o valor venal e o valor de mercado. A lei diz que você desapropria pela valor venal, mas ai o sujeito te processa, com razão para receber pelo valor de mercado e o juiz decide outra coisa, enfim, essa insegurança jurídica carrega uma taxa de retorno nos projetos e torna tudo caro.

Assim, mudanças na lei que diminuem a insegurança jurídica, por exemplo, estipular que sempre que tenha um valor de mercado você irá desapropriar por esse valor e pronto. São essas pequenas coisas que uma secretaria de crescimento precisa olhar. São coisas que não aparecem rapidamente, mas que tem um efeito enorme.

Eu não preciso nem dizer sobre a legislação trabalhista. Além de todos os problemas que ela traz tem também o risco jurídico. Todo mundo tem uma história de litígio trabalhista pra contar. Tem uma enorme quantidade de energia, de capital humano bem preparado dedicado a ficar resolvendo conflito trabalhista, o que é um desperdício.

E se quer entrar no tema de crescimento de longo prazo é evidente que a gente precisa também de uma reforma tributária. Se a gente conseguir tirar uns 20% das distorções que temos hoje já está bom.

Distorções como a forma de cobrança do ICMS que faz com que uma empresa tenha um centro de distribuição na fronteira entre Minas Gerais e São Paulo e tudo que esse centro faz é receber componentes de SP e voltar para SP só para reduzir o ICMS. Tem várias coisas que as empresas decidem fazer dentro da empresa e não fora por questões tributárias e não de negócios. Isso é ruim para a produtividade. Poda até ter casos que seja positivo, ou seja, um imposto que induz as empresas a fazerem o que é certo, ótimo, mas pode ser que não  e isso afeta a produtividade. Em cima disso, o pessoal dedica um tempo enorme e outra parte importante do capital humano do país para tentar entender e ficar arbitrando as legislações tributárias estaduais. Isso reduz o crescimento que o país poderia ter. Tem que reformar. Se vai conseguir fazer? Não sei.

Eu acho que essa agenda de crescimento não é de um governo. É uma agenda de pelo menos uns 2-3 governos e é uma agenda muito mais da sociedade do que de um grupo de iluminados. O copo meio vazio é: o Brasil cresceu de forma medíocre nos últimos anos com todos esses problemas. Se a gente resolver parte deles o país pode crescer de maneira estrondosa.

Se você for no Chile, já é tudo bem feito, então não tem muito para ganhar. Tudo funciona, já está tudo no preço e tudo caro.

Já o Brasil é um país que precisa se abrir para si mesmo. Os gargalos de infraestrutura diminuem o tamanho dos mercados. Algumas empresas poderiam operar em escala nacional, mas operam só em escala regional porque é muito caro mover uma coisa de um lugar para o outro no país. É claro que o Brasil também precisa se abrir para o exterior, mas também precisa se abrir para si mesmo e fazer com que as empresas operem em escala nacional. Para isso você precisa ter uma malha viária minimamente decente.

Eu sou otimista porque a gente já começou a educar boa parte da sociedade de que a gente tem crescido pouco perto do que poderia crescer. Essa crise também está sendo pedagógica porque estamos criando um consenso de que algumas reformas precisam ser feitas. Porque se não vier da sociedade, não adianta. Não é com passe de mágica e meia dúzia de caras por mais bem intencionados e brilhantes que sejam não vão resolver nada. Quem achava que resolvia com meia dúzia de pessoas era o outro governo. Eu não acredito nisso, eu acredito em solução de mercado inclusive para as reformas.

A secretaria de crescimento tem tudo para ser bem sucedida no sentido de colocar umas coisas na mesa e fazer umas coisas pontuais e começar o trabalho de deixar algo pronto que possa caminhar quando a agenda política permitir. Claro que algumas coisas vão andar e outras não. Na democracia é assim mesmo. Mas se fizer metade do que eu disse a gente vai crescer 3% durante 15 anos o que faz uma enorme diferença se comparado a crescer 2%.

Terraço Econômico: A questão da segurança é uma das principais preocupações das pessoas que moram no Brasil. Quase todo dia eu leio no meu Facebook notícias de algum amigo que foi assaltado e talvez essa seja uma das principais diferenças na qualidade de vida de morar aqui nos EUA, especialmente para alguém como eu que tem filhos adolescentes. Eu gostaria de saber então, na sua opinião o que o governo, principalmente o federal, poderia fazer e não está fazendo para diminuir a violência no país?

Pinho de Mello: Por um mandato constitucional, a segurança pública é feita majoritariamente a nível estadual e vamos considerar que esse paradigma continuará assim porque eu acho muito difícil, mesmo que houvesse um consenso, que alguém consiga modificar.

Deixa eu fazer um comentário antes sobre a questão da segurança e a PEC do teto dos gastos. Uma coisa incrível no Brasil é que quando você faz qualquer pesquisa de opinião e pergunta para as pessoas quais os problemas mais importantes, segurança sempre está entre os 3 primeiros. No entanto, na luta para proteger o seu quinhão o pessoal da saúde e da educação parece muito mais organizado. As pessoas não se preocupam muito em como a gente vai garantir investimento em segurança pública. Não parece incrível que esteja tão alto nas prioridades do cidadão e fala-se tão pouco em gastos com segurança no Brasil? Comparado com outros países os nossos gastos no setor não são altos, pelo contrário, são relativamente baixos, diferente dos gastos com educação (com saúde há um debate em relação ao volume de gastos quando se compara a estrutura demográfica com outros países).

Claro que do ponto de vista fiscal não é o momento de avançar agenda nesse sentido, mas eu acho que o Governo Federal pode ter um papel sim.

A gente não sabe exatamente o que teve e o que não teve efeito a respeito das diversas estratégias de segurança que foram adotadas nos EUA a partir dos anos 80 e que coincidiram com uma queda brutal na criminalidade de forma geral no país em todos os tipo de crime. Mas uma coisa comum em vários lugares foi o combate `a corrupção policial. Você quer que o policial ganhe um pouco mais do que ele ganharia no setor privado para que ele valorize aquele emprego, dado o poder que o policial carrega.

Corrupção policial é uma coisa muito ruim porque causa um cinismo legal e as pessoas param de acreditar na polícia, param de denunciar e notificar os crimes, o que atrapalha a estratégia de segurança pública, o que prejudica a sua implantação. Parte dessa estratégia para diminuir a corrupção policial é conseguir pagar bem, reter caras minimamente decentes e induzir que eles se comportem.

Falar em aumento de salário no serviço público a essa altura do campeonato é uma coisa proibida. Então é melhor deixar mais para frente. Mas de uma maneira geral o Brasil já fez isso com a educação com o Fundeb, um programa para equiparação salarial do professor. Você poderia fazer a mesma coisa com os policiais. O professor é muito importante, mas o policial também é. Você quer recrutar direito para essas carreiras.

Quem quer ser policial hoje? O policial deve ganhar mais do que os seus supostos atributos por essas razões que eu disse. Esse é um programa que poderia ser feito pelo Governo Federal para ajudar os Estados a estabelecerem pisos de remuneração de policial para os Estados que tem menos recursos.

Além disso, é importante ter uma estratégia de inteligência policial. O Brasil tem bons casos de inteligência policial. São Paulo é um deles. Você pode condicionar essa estratégia de transferência de recursos à adoção de estratégias e procedimentos que são sabidamente bem sucedidos como o georreferenciamento de boletins de ocorrência, policiamento por hot spots que é você concentrar a ação da polícia onde o crime está mais presente (já que foi provado que quando o crime se espalha ele se espalha menos do que ocorria naquele local original).

Isso são coisas que o Governo Federal pode fazer, ou seja, dar suporte técnico para implantação desses modelos e condicionar a transferência de recursos `a adoção dos mesmos. É uma estratégia que pode ser liderada a nível federal. Você poderia até estimular a competição entre os governadores por recursos para isso funcionar.

Claro que esses recursos deveriam ter uso limitado e não simplesmente entregá-los nas mãos dos governadores para eles usarem com merenda, ou com coisa muito pior.

Eu acho que sim, dá pra fazer, mas infelizmente não é o momento propício. Primeiro a gente tem que resolver a dívida do governo federal e equalizar mais ou menos a situação fiscal dos Estados para que então o governo possa entrar com essas medidas.

Acho inclusive que essas seriam medidas de crescimento, porque se a gente não garante segurança pública a produtividade cai. A gente também tem muito capital qualificado que sai do país e uma das razões é que essas pessoas tem medo de sofrer violência. Tem também o gasto com segurança privada que é um dinheiro jogado fora. Esses empregos da segurança pública poderiam ir para o setor de serviços ou para outras atividades que geram mais valor, isto é, dar um uso mais produtivo para essa mão de obra.

 

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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