O viés dos malvados agentes do mercado financeiro

Em uma conversa econômica essa semana com um amigo não economista de longa data, surgiu o assunto do “viés do mercado”. Ele tinha a impressão que as expectativas colhidas pelo Banco Central junto à instituições do mercado financeiro seriam viesadas. Ou seja, tenderiam a refletir um comportamento pré-estabelecido, baseado em suas preferências por juros altos, por exemplo. Será? Como trabalho com esse banco de dados há algum tempo, acabei respondendo para esse meu amigo o que penso a respeito. Dado que pode ser uma dúvida de outras pessoas, proponho nesse post um exercício simples para tentarmos entender melhor esse problema.

Um jeito realmente muito simples de ver isso é pegar a diferença entre a expectativa e a realização de alguma variável e verificar se essa série tem mais observações positivas ou negativas. No primeiro caso, a expectativa é sistematicamente maior do que a realização, o que, no caso dos juros, daria evidência empírica para o argumento do meu amigo. Você pode fazer isso para os juros, mas como vivemos [ou vivíamos] em um regime de metas, acho que faz mais sentido verificar valor esperado e efetivo da inflação.

Sem entrar em maiores detalhes, a ideia é realmente muito simples: se o “mercado” quer mais juros, ele deve superestimar a inflação. Afinal, expectativas de inflação maiores exigem mais juros por parte do Banco Central para que a inflação efetiva convirja. É isso que ocorre?

Eu peguei três séries: a expectativa no primeiro e no último dia útil de cada mês e a inflação mensal medida pelo IPCA. O gráfico com as séries é posto abaixo.

grafico

Pelo gráfico é possível verificar que a expectativa no último dia útil é mais aderente à inflação efetiva do que a do primeiro dia útil. A correlação é mais forte entre a expectativa no último dia útil e a inflação efetiva, como pode ser visto abaixo.

Correlações
inflacaoexpfimexpinicio
inflacao10,960,75
expfim0,9610,85
expinicio0,750,851

A partir dessas séries, montei duas outras, ao fazer a diferença entre expectativa e inflação efetiva. Assim, tenho o desvio para o primeiro e o último dia útil de cada mês. Feito isto, podemos regredir o desvio contra uma constante, de forma a ver o sinal do coeficiente que indica a média do erro que os agentes cometem. O código dessa regressão simples é colocada abaixo.

[code language=”r”] ################# REGRESSÃO ################## inicio <- lm(desvio.inicio~1) summary(inicio) fim <- lm(desvio.fim~1) summary(fim) [/code]

Uma tabela com as regressões é posta abaixo.

Resultados das Regressões
Dependent variable:
desvio.iniciodesvio.fim
(1)(2)
Constant-0.067***-0.021**
(0.022)(0.009)
Observations162162
R20.0000.000
Adjusted R20.0000.000
Residual Std. Error (df = 161)0.2760.119
Note:*p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

Pois é. O sinal de ambos os coeficientes é negativo, o que indica que em média os agentes subestimam a inflação. Repare, também, que o coeficiente do desvio.fim  é menor do que o do desvio.inicio, o que indica que no último dia útil o erro dos agentes é menor do que no primeiro. Mas ainda assim, é uma expectativa subestimada da inflação efetiva. E, de novo, estou pegando a expectativa no primeiro e no último dia útil para o mês t e confrontando com a inflação do mês t.

Como disse para o meu amigo, as expectativas dos agentes malvados do mercado financeiro são, de fato, viesadas: mas para baixo! Eles esperam em média uma inflação menor do que ela é no fim das contas. Explicação para isso? A minha preferida é que o Brasil é um país sujeito a muitos choques [inclusive, de política econômica], o que acaba por gerar uma inflação sistematicamente maior do que o esperado.

Pois é, leitor, antes de usar alguma teoria de conspiração é sempre bom consultar os dados, não? 🙂

Vitor Wilher – Colaborador do Terraço Econômico

Vítor Wilher

Vítor Wilher é Bacharel e Mestre em Economia, pela Universidade Federal Fluminense, tendo se especializado na construção de modelos macroeconométricos, política monetária e análise da conjuntura macroeconômica doméstica e internacional. Sua dissertação de mestrado foi na área de política monetária, titulada "Clareza da Comunicação do Banco Central e Expectativas de Inflação: evidências para o Brasil", defendida perante banca composta pelos professores Gustavo H. B. Franco (PUC-RJ), Gabriel Montes Caldas (UFF), Carlos Enrique Guanziroli (UFF) e Luciano Vereda Oliveira (UFF). É o criador da Análise Macro, empresa especializada em treinamento e consultoria em linguagens de programação voltadas para data analysis, construção de cenários e previsões, fundador do hoje extinto Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE-UFF), Visiting Professor da Universidade Veiga de Almeida, onde dá aulas nos cursos de MBA da instituição e membro do Comitê Gestor do Instituto Millenium. Escreveu para o Terraço Econômico em 2017.
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