Outras (o)posições: Além do debate liberalismo x desenvolvimentismo

Uma resposta ao discurso de posse da presidente reeleita Dilma Rousseff Terraço Debate | Ana Helena Cavalcante*

Os últimos dois anos da política brasileira foram de efervescência, durante os quais a agenda política ultrapassou os limiares tradicionais e passou a ser objeto mais comum das discussões cotidianas.  A eleição presidencial de 2014 foi caracterizada por diversas surpresas que tornaram o processo mais incerto e interessante. Infelizmente foi marcada pela morte de Eduardo Campos, ocorrência que foi utilizada como arma política. O seu segundo turno foi palco de uma extrema polarização entre PT e PSDB, fato que contribui para um debate mais agressivo e pouco propositivo.

Nesse contexto de polarização, que se prolonga para depois das eleições, foi que Dilma Rousseff tomou posse do seu segundo mandato.  Interessante observar que a expectativa de brasileiras e brasileiros nas eleições foi de mudança, tendo essa palavra sido utilizada como um coringa, com uma semântica mutante, sendo adequada aos anseios daqueles que a pronunciavam. Falar de mudança é falar de algo inexorável ao processo político, a discussão de fato é sobre que mudanças se quer e como se pretende alcançá-las.

No seu discurso de posse, Dilma Rousseff ressaltou as conquistas brasileiras dos últimos 12 anos, como a valorização progressiva do salário mínimo, o qual atualmente possui um dos maiores poderes de compra na história e o combate à pobreza, que gracas à prioridade programática dada ao Bolsa Família possibilitou a saída de milhões da condição de miséria. Além disso, ela adicionou o fato de o Brasil ter se tornado o quinto país em atração de investimentos estrangeiros no final do ano passado e ter atingido a menor taxa de desemprego da história. A relevância dessas e outras conquistas é grande para a sociedade brasileira, especialmente em um momento de crise internacional e de grandes incertezas.

[caption id="attachment_2745" align="aligncenter" width="676"]Dilma no discurso de posse do seu 2º mandato Dilma no discurso de posse do seu 2º mandato. Foto: Exame[/caption]

Ao analisarmos resultados, devemos estar atentos aos indicadores que utilizamos. Quando se observa somente o crescimento econômico e o PIB,  fica-se restrito a uma visão quantitativa da produção econômica que não nos demonstra como essa riqueza foi distribuída e quem na população ganhou ou perdeu com as variações. O senso comum de que o crescimento econômico é necessário para o bem-estar social deve ser posto em questão. Infelizmente esse questionamento ainda não está presente na pauta política brasileira. Como colocado pelo historiador Eric Hobsbawm em 2009: “É muito simples; ou deixamos a ideologia do crescimento sem limites de lado, ou uma grande catástrofe acontecerá.” [1]

O progresso na educação publica é notório, quando observamos os investimentos em diversos programas como o ProUni, o PRONATEC, o Ciências sem Fronteiras e a expansão das universidades federais, o que possibilitou o acesso de diversos brasileiros à educação técnica e superior. Durante o governo de FHC, a universidade brasileira beirava o abismo e as condições se precarizaram.

No que toca a questão ambiental, é notório o problema quando Dilma se refere ao código florestal como uma modernização da legislação ambiental. O retrocesso gerado por essa nova regulação, diminuindo a proteção de diversos mananciais, é critico.  A prioridade dada ao agronegócio em detrimento de questões essenciais não só de meio ambiente, mas de segurança, é preocupante. Não só o executivo federal, mas o Congresso Nacional e diversos governos estaduais têm sido coniventes com a destruição da vegetação que protege as nossas fontes de água. A segurança de nossos mananciais deveria ser prioridade nas diferentes esferas de governo do Brasil, e não a participação em negócios globais a qualquer preço.

Quando fala da Petrobras, Dilma coloca que seu governo defenderá a empresa de “predadores internos e inimigos externos”. Quando observamos a propaganda negativa em torno da Petrobras nos últimos meses na grande mídia brasileira e a quase relegação de uma decisiva crise hídrica no coração econômico do pais, fica clara a estranha prioridade em enfraquecer a imagem da empresa, inclusive reproduzindo informação sem confirmar veracidade.  Já no período de eleições a Bloomberg publicou artigo[2] falando da frustração de companhias de petróleo quanto ao governo Dilma  e lembrando que Aécio Neves considerava a diminuição da participação da Petrobras nos projetos do pré-sal. O mercado de petróleo é extremamente complexo e devido a esse próprio fato não devemos nos restringir a partes da historia. Deve-se ressaltar que a Petrobras tornou-se a maior produtora de petróleo entre as empresas de capital aberto no mundo no terceiro trimestre de 2014[3].

A grande mídia claramente apoiou o candidato Aécio Neves no segundo turno da eleições. É interessante também lembrar o destaque dado pela imprensa a problemas no PT e o esquecimento dos casos de corrupção que envolvem os membros do PSDB e da maneira como a privatização de empresas públicas foi realizada durante o governo tucano. A tentativa de tornar PT sinônimo de corrupção é algo extremamente cínico, que o candidato Aécio infelizmente comprou e fez a sua tônica de campanha. O seu discurso não era tanto de uma alternativa ao governo do PT, mas um de antipetismo raivoso, o que tende a continuar nos próximos meses. Interessante esse posicionamento critico de Aécio, pois quando observamos o ranking da Veja[4], verificamos que ele foi considerado o pior senador em 2014.

Aécio intitulou-se representante de uma dita mudança, algo como um retorno ao tradicional conservadorismo na política brasileira, o qual também se vê representado no novo Congresso Nacional. Junho de 2013 teve como um dos seus principais motores uma mudança em outra direção, que possibilitasse a ampliação dos direitos adquiridos pela população nos últimos 12 anos. Direitos esses que não foram prioritários na primeira década da volta da democracia brasileira e que ficaram em estado de hibernação durante a ditadura. Em seu discurso, Dilma diz que as “mudanças dependem da estabilidade econômica”, lembrando da interdependência entre os avanços sociais e a economia. É difícil imaginar um real avanço social, que realmente desafie a ordem social brasileira, que não ponha em questão o atual sistema econômico. Os cidadãos não só foram às ruas no Brasil, mas também na Turquia, na Espanha, na Grécia, nos Estados Unidos.  A democracia nos moldes atuais, extremamente dependente do setor financeiro e pouco participativa tem sido colocada em questão em diversos lugares. O novo governo grego vem a confirmar o fortalecimento de um movimento crítico ao atual sistema.

Uma das soluções defendidas por Dilma foi “a reforma politica e novos métodos e caminhos para a vida democrática”. A concretização desses novos caminhos parece infelizmente mais longínqua depois dessas eleições. A formação do Congresso está mais conservadora e o partido a presidir a comissão de reforma política é o DEM. Algo tão progressista quanto colocar Jair Bolsonaro na comissão de direitos humanos. Além disso, a iniciativa do executivo, a Politica Nacional de Participação Social, que visa  oferecer uma possibilidade de diálogo com os movimentos sociais tem sido combatida por diversos setores da oposição conservadora. Está cada vez mais claro que diversas das vozes das ruas não estão sendo representadas no nosso Congresso e sofrem com barreiras para dialogar com o executivo.

Dilma lembra de Junho ao falar que: “Isso que era tanto para uma população que tinha tão pouco, tornou-se pouco para uma população que conheceu enfim governos que a respeitam e se esforçam para protegê-la”. Essa afirmação descreve a realidade brasileira e creio eu, aquilo que fez a maioria das pessoas irem às ruas: a vontade de ter mais direitos e a visão de que, sim, é possível ter uma vida ainda mais digna. Como lembrado pelo filósofo Slavoj Žižek, em entrevista para o Roda Viva  logo após a Junho: “ revoltas, revoluções não acontecem quando as coisas estão na pior. Não, elas geralmente acontecem quando a situação está abrindo um pouco e essa abertura gradual gera expectativas que por vez não são atendidas”[5], o que esclarece o que foi colocado por Dilma.

Os desafios para os próximos anos, como colocado pela presidenta, estão em relação direta com movimentos internacionais, que atualmente apresentam grande instabilidade. A mudança que a maioria da população quer, acredito, depende de uma reforma mais ampla. O momento é interessante, especialmente quando observamos uma crise hídrica no coração produtivo do país.  Cabe ao novo governo Dilma lidar com as diferentes pressões que advém da sociedade e da classe política brasileira. Está na hora de repensar a atual política desenvolvimentista e buscar meios de tornar o Estado brasileiro mais social e a sua economia mais compatível com os limites dos seus recursos.  A presidenta coloca no fim do discurso que: “O possível se faz já. Os milagres ficam para depois”.  Creio em algo além, que está na hora de se fazer o possível, buscando-se o impossível.

*Ana Helena Cavalcante Formada em Relações Internacionais pela UFF, mestranda e research associate em Economia e Política na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg  1624995_10203286414704914_1165158734_o

Notas:

[1]   “Es ist ganz einfach: Entweder hören wir mit der Ideologie des grenzenlosen Wachstums auf, oder es passiert eine schreckliche Katastrophe”. Disponível em: http://www.stern.de/wirtschaft/news/2-eric-hobsbawm-es-wird-blut-fliessen-viel-blut-700669.html

[2]    Disponível em: http://www.bloomberg.com/news/articles/2014-10-10/shell-to-halliburton-seen-winning-with-brazil-s-neves

[3]    Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/petrobras-e-maior-petroleira-entre-empresas-de-capital-aberto.html

[4]    Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ranking-do-progresso-os-melhores-parlamentares-de-2014

[5]    “… revolts, revolutions don’t happen when things are at the worst. No, they happen usually when the situation is really opening up a little bit and this gradual opening gives rise to expectations, which are then not satisfied”. Ver a partir do minuto 21:  http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-slavoj-zizek-08-07-2013

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