Terraço Econômico | Lara Siqueira
Desde a Segunda Grande Guerra, nunca vimos tantas pessoas fugindo para procurar abrigo em outros países como vemos hoje. Enquanto esperam nos campos de refugiados, milhares de pessoas morrem por doenças, abusos, fome… Enquanto alguns buscam por asilo, outros morrem por afogamentos, desidratação, até mesmo por falta de ar – como aconteceu com o grupo de refugiados tentando entrar na Áustria dentro de um caminhão completamente lacrado para não serem descobertos e acabaram morrendo asfixiados.De acordo com dados da Anistia Internacional, atualmente há mais de 19 milhões de refugiados, sendo a Síria a campeã, com mais de 11 milhões. Alguns países europeus se recusam a abrigar mais refugiados, enquanto outros, apesar de ainda manterem as portas abertas, lutam para acomodá-los mesmo não possuindo nenhuma estrutura. O assunto sempre foi uma realidade no ambiente de relações internacionais, porém o movimento recente da constituição do Estado Islâmico e a guerra na Síria, e pior ainda da comoção mundial com o registro da morte do menino sírio na Turquia, acendeu o senso de urgência diante desta situação.
A maioria dos países que está oferecendo asilo aos refugiados não possui estrutura para receber tamanha quantidade de imigrantes imediatamente. Mais de 85% dos refugiados vão para países em desenvolvimento como Paquistão, Turquia e Líbano. Os outros 15 % de refugiados são repartidos entre Europa e América, sendo a Alemanha e Suécia os que mais concedem asilo – mais de 65 mil e 39 mil, respectivamente (um número pouco significante perto dos mais de 1 milhão abrigados pelo Líbano).
De cada três pedidos de asilo para Europa, um é para a Alemanha. Se comparado com o tamanho da população local, o lugar que mais tem pedidos de asilo é a Suécia, com 8,4 pedidos de asilo para cada 1000 habitantes. O país onde mais evoluiu o número de pedidos de asilo de 2013/2014 foi a Itália, com um aumento de 143% no período . De todos os pedidos de asilo, 20% vem da Síria. Só no primeiro trimestre de 2015, o número de pedidos de asilo aumentou 85%, se comparado ao primeiro trimestre de 2014.
Mas por que é tão difícil alocar os refugiados nos países europeus? Por que é tão difícil fazer toda essa redistribuição e deixá-los ir para onde há espaço? Há um procedimento chamado Regulação de Dublin que diz que todo refugiado que pisar em solo europeu precisa primeiro pedir asilo para o país pelo qual entrou, e não para o seu destino final. Mas essa regulação não foi criada para uma situação como a atual e não ajuda os países mais próximos da região de conflito – logo acima do mediterrâneo, como Itália, França, Grécia e Espanha –, pois além de superlotá-los, torna muito mais lenta e burocrática a movimentação dessas pessoas para outros países mais ao norte. A partir daí a questão se torna muito mais complicada. Os países ao sul começaram a questionar essa regulação e passaram a recusar cada vez mais refugiados – não só por motivos de saturação, mas também por motivos políticos. Para tentar resolver essa situação, a Comissão Europeia está prestes a anunciar um mecanismo permanente de distribuição dos refugiados entre os 28 países do bloco.
Algumas alternativas também tem sido discutidas em conjunto por alguns países europeus, que estão se unindo para encontrar soluções menos burocráticas para oferecer asilo. Alguns deles estão compartilhando bases de dados com impressão digital e documentação dos refugiados para que possam ter controle sobre sua movimentação no continente. Mais centros de acolhimento de refugiados estão sendo criados para agilizar o processo, pois os atuais já abrigam muito mais do que comportam. “Cotas nacionais” de asilo estão sendo discutidas para dividir a responsabilidade. Porém tais medidas não tem sido o suficiente para comportar a onda de imigrantes proveniente do norte da África. O sistema ainda está longe de ser “desburocratizado”.
O governo Britânico foi mais prático e já declarou de antemão que o problema é que a flexibilização de entrada só incentiva esse tipo de ‘enchente humana’, então “é só parar de aceitar esses refugiados que eles param de tentar entrar no país”. Simples, não?
Mas como solucionar um problema cuja raiz não é tão evidente? Talvez a solução não se encontre dentro dos países acolhedores, mas sim nos países de origem. Uma opção é estimular nos campos de refugiados o ambiente de uma cidade, onde os refugiados podem exercer certa atividade econômica e tentar adaptar suas profissões e trabalhar de alguma forma. Apesar de esses campos-cidades já existirem, demora muitos anos até sua estabilização e, ainda considerando um mundo em que pessoas estão tentando atravessar um mar inteiro a nado para escapar, esta opção não parece ser uma solução viável.
Outra saída seria criar mais centros de acolhimento com segurança dentro dos países de origem, financiados por esses mesmos países que não querem hospedar mais refugiados, como uma forma de conter o movimento de migração massivo e de permitir que eles tenham sua situação regularizada antes de entrar na Europa, sem que precisem ficar à deriva, esperando ser acolhidos. Isto já está sendo feito, mas em uma proporção muito menor da ideal.
Uma terceira opção seria tentar acabar com os conflitos… Mas aí é sonhar alto demais.
A solução mais plausível, portanto, é tentar convencer os países mais ricos do Golfo a receberem mais pessoas. Mas muito destes países são justamente os que financiam os exércitos que compõe os conflitos dos países norte-africanos. E lá se vai mais uma alternativa de solução. Com um mundo inteiro cheio de terra firme parece que esses botes de refugiados não possuem destino.
E por que brasileiros deveriam também se importar com isso?
Nos últimos dois anos só se fala no Brasil sobre corrupção generalizada, crise econômica, ministros apresentando orçamento com déficit primário, meta fiscal abandonada, vice presidente “jogando a toalha” e desistindo de seu papel de mediador político, ministro da fazenda e presidente da república com discursos descasados, presidente da câmara declarando guerra ao planalto, políticos de alta cúpula sendo investigados … Apesar da incompetência do governo em resolver os problemas da casa, vamos tirar umas “férias” dos nossos problemas e defeitos e falar agora sobre a postura que o governo tem adotado em relação aos refugiados.
Apesar da distância, o governo brasileiro vem mantendo uma política muito diferente comparativamente a muitos países europeus. Segundo dados do Conare, 2.077 sírios receberam asilo do governo brasileiro desde 2011 até hoje. Abrigamos um número de refugiados superior ao de vários países europeus, como Itália, Espanha, Grécia e Portugal.
Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil concede quatro vezes mais vistos para cidadãos por mês hoje do que antes do início da crise. Apesar de o número ser baixo perto de outros países europeus, ele ainda é alto se considerar a distância geográfica, sendo que no Brasil os refugiados podem [não necessariamente conseguem] trabalhar e ter acesso à saúde e educação antes de receber seus documentos, diferentemente de outros países, onde precisam esperar seu visto, para assim poder trabalhar e auferir alguma renda.
É claro que se tratando de Brasil nem tudo é perfeito. A situação dos refugiados não chega nem perto da situação ideal de qualquer cidadão com qualidade de vida. Apesar de poderem trabalhar antes mesmo de ter sua documentação, na maioria das vezes eles acabam ocupando cargos de subemprego. Podem acabar na sarjeta, como mula de traficantes, ou como escravos em uma fazenda.
Dar um asilo com qualidade e conseguir integrar os refugiados à realidade local é um desafio para o Brasil assim como para qualquer outro país. Recomeçar nunca é fácil. Se por um lado, um governo não consegue conceder asilo a todos sem deixar que seu próprio país vire um caos, por outro lado, excluí-los só alimenta a violência e discriminação.
Assim como o Brasil, outros países da América Latina começaram a receber refugiados desde 2013 e os números tem crescido consideravelmente desde que a situação na Europa piorou com o bloqueio a entrada dessas famílias. É quando vemos que o real impedimento à entrada de refugiados deixou de ser por motivos de capacidade de física de acolhimento e passaram a ser por motivos burocráticos e desacordos políticos que percebemos que o caos não está só onde há guerra.