Na última quinta-feira o prefeito de São Paulo Fernando Haddad sancionou a lei 16.222/2015 [1] de autoria do vereador Laercio Benko que proíbe a produção e a comercialização do foie-gras (o famoso patê de fígado de pato ou ganso gordo) na cidade de São Paulo. Após a lei entrar em vigor (daqui um mês) restaurantes e comércios que venderem o ingrediente estarão sujeitos à apreensão do produto e multa de R$ 5.000, aplicada em dobro em caso de reincidência.
Sabemos que a política não leva muito em conta a racionalidade econômica em certas decisões, mas sim o retorno político que cada ação causa. Aos que acreditam que a medida trará algum efeito, avisamos que os endinheirados que quiserem apreciar a iguaria irão frequentar as filiais de restaurantes que serão abertas nos municípios vizinhos. O mapa que ilustra este artigo é uma ideia de onde você, empreendedor, pode abrir um restaurante para vender o patezinho.
Outra opção é seguir o exemplo dos restaurantes da Califórnia, quando o governator Arnold Schwarznegger sancionou em 2012 a lei por lá que proibia o foie-gras. Como os restaurantes não podiam mais vender o patê, passaram a dar a iguaria de brinde caso o cliente solicitasse uma taça de vinho (bem caro, diga-se de passagem).
Além disso, a fiscalização não é nada fácil, uma vez que os restaurantes estão dispersos pela cidade e a multa estipulada pode não ser coletada para os cofres públicos, mas para cofres privados!
De qualquer maneira, efeitos econômicos e cenários gastronômicos à parte, o cálculo político para aprovar a medida (tanto do prefeito, quanto do vereador) parece bem racional. Explicamos passo-a-passo:
- É razoável concluir que 0,01% da população de São Paulo devora um foie-gras regularmente, dado o preço e a especificidade de tal produto.
- Também é razoável imaginar que grupos organizados a favor dos direitos dos animais e indivíduos que se sensibilizam com a medida compõem uma parcela maior que os 0,01% dos paulistanos apreciadores de fígado de ganso.
- Os indivíduos afetados diretamente pela lei, ou que concluirão que a medida é nula, dificilmente são eleitores do atual prefeito de São Paulo.
- Como o escopo de políticas com potencial midiático que um prefeito pode aprovar não é tão grande, qualquer medida capaz de gerar apelo popular pode representar uma boa chance de angariar votos de eleitores indecisos.
- Juntando tudo, temos poucas e desorganizadas pessoas afetadas diretamente pela medida (não podendo comer seu patezinho em São Paulo), uma política emblemática (por mais inócua que seja) e um grupo grande de cidadãos que lembrará da lei na hora de apertar os números na urna eletrônica.
Neste contexto, com a permissão do leitor, tracemos um paralelo com uma teoria de economia política que, apesar de não ter nada a ver com foie-gras, cabe de maneira surpreendente na devida discussão. De acordo com Jensen e coautores [3], eleitores racionais sabem muito bem o que querem; no caso, eleitores preocupados com o direito dos animais sabem que querem acabar com o sofrimento desnecessário de pobres gansos. Entretanto, por mais conscientes que tais eleitores possam ser, um ambiente político marcado pela assimetria de informação (típico da fraqueza institucional brasileira) fará com que estes dificilmente saibam quais políticas serão capazes de leva-los a atingir tal objetivo (no caso, o fim da maldade com gansos).
Porém, se alguém tem plena consciência do ambiente de informação assimétrica em que convive, esse alguém são políticos. Deste modo, isso os permite tirar proveito da situação, ao auto congratular-se, e angariar votos, por políticas que eles mesmos sabem não serem eficazes para atingir o fim desejado por seus eleitores.
Conclusão: apesar de não fazer nenhum ganso feliz, a proibição da venda de foie-gras em São Paulo pode gerar um lucro politico ao prefeito Haddad. Posará de defensor dos direitos dos animais e passará o final de semana com a certeza que ganhou alguns votos no final.
Já os gansos continuarão tendo comida enfiada goela abaixo.
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