Pobreza além da renda e da recessão

A economia brasileira passa pela pior recessão que se tem registro, podendo ser ilustrada pela expressiva queda do PIB per capita nos últimos anos, – queda que ocorre desde o ano de 2011. Estatísticas catastróficas, a exemplo da forte queda do PIB e dos mais de 12 milhões de desempregados, implicam na elevação do nível de pobreza.

Fonte: Banco Mundial e IBGE. Elaboração própria.

Muito abordado pelos mais diversos autores e das mais variadas formas, o tema pobreza já foi de Smith a Marx, indo da análise feita entre países para outra centrada nos indivíduos. Mesmo com toda essa heterogeneidade, criou-se um padrão para a sua análise: a associação unívoca com o fator renda.

No entanto, devido à elevada complexidade do tema, o estudo acerca da pobreza passou a ser realizado com o acréscimo de outros fatores que vão além da renda. O economista indiano Amartya Sen foi um dos pioneiros, por considerar a pobreza em múltiplas dimensões. Um indivíduo poderia sofrer privação de uma série de bens/direitos essenciais para a sua existência, como na educação e na saúde. Mesmo ganhando um salário razoável, uma pessoa poderia ter uma séria privação relativa à saúde, no caso de apresentar algum tipo de doença rara e incurável.

Em sua obra “Desenvolvimento como Liberdade”, Sen destaca que certos grupos de indivíduos pertencentes a países com elevada renda, como os homens negros norte- americanos, apesar de terem uma renda alta, teriam uma menor expectativa de vida em relação a homens de nações do “Terceiro Mundo”, como Costa Rica e Jamaica, países de menor renda. Mas essa perspectiva que considera as múltiplas dimensões da pobreza de modo algum deslegitima a importância da renda, esta que pode servir de instrumento para a obtenção de serviços essenciais.

Com os preceitos da pobreza sobre uma ótica que considera diversas dimensões, a desigualdade entre as regiões brasileiras pode ser medida de uma forma multidimensional. Considerando determinadas dimensões como educação, emprego, saneamento básico (que engloba o acesso a eletricidade, água encanada e esgoto) e renda, podem ser identificados os índices de pobreza para as regiões brasileiras.

Utilizando a amostra de domicílios da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) dos anos de 2008-2009 e as dimensões educação, emprego e saneamento básico, foram estabelecidos os seguintes intervalos de pobreza. O domicílio será considerado como pobre, se pelo menos uma de suas dimensões estiver abaixo do intervalo estabelecido.

  • Educação: quantidade de anos de estudo inferior a quatro;
  • Emprego: profissões que no geral possuem baixíssima remuneração, além da ausência de qualquer proteção trabalhista;
  • Saneamento básico: inexistência de determinado item, água encanada, eletricidade ou esgoto;
  • Renda: inferior ao salário mínimo da época (2009), descontado pela inflação.

Os cálculos foram feitos considerando o índice de pobreza multidimensional, desenvolvido por Alkire e Foster, com o uso do software DASP (Distributive Analysis Stata Package).

A partir das estimativas, que incluem variáveis como educação, saneamento, além da renda, é possível observar a desigualdade entre as regiões, com algumas delas possuindo índices de pobreza menores que o valor nacional, e outras com índices bem mais elevados. Destaque vai para as regiões Norte e Nordeste, que apresentaram as maiores taxas de pobreza.

Os dados são referentes à POF realizada nos anos de 2008-2009, numa época em que o Brasil finalmente parecia “ter dado certo”. Mas utilizando dados recentes que ilustram o efeito da recessão brasileira, como o nível de desocupação, é possível observar uma distribuição desigual dos efeitos da recessão entre as regiões, que é mais acentuada para as regiões com maior incidência de pobreza.

Taxa de desocupação no terceiro trimestre em 2015 (em pontos percentuais)
NordesteNorteSudesteSulCentro-Oeste
10,58,69,65,77,4
Fonte: Elaboração do autor com dados da PNAD Contínua.  
Taxa de desocupação no terceiro trimestre de 2016 (em pontos percentuais)
NordesteNorteSudesteSulCentro-Oeste
14,412,712,37,710,9
Fonte: Elaboração do autor com dados da PNAD Contínua.

De 2015 para 2016, todas as regiões apresentaram alguma elevação na taxa de desocupação. O Nordeste foi a região com o maior índice em ambos os períodos analisados, obtendo o segundo maior aumento na taxa de desocupação, que foi de 3,9 pontos percentuais. O Norte, que no terceiro trimestre de 2015 era a região com a terceira maior taxa de desocupação, acabou assumindo a segunda colocação no mesmo trimestre relativo a 2016, devido à elevação de 4,1 pontos percentuais (o maior aumento dentre todas as regiões).

Em outros indicadores relativos a emprego, as regiões Nordeste e Norte também tiveram os resultados mais insatisfatórios em comparação às outras regiões. Pelos dados da PNAD Contínua, o nível de ocupação e a taxa de participação na força de trabalho no Nordeste foram de -3,5 e -1,6 pontos percentuais, respectivamente.  Para o Norte os valores foram de -3,2 (nível de ocupação) e -0,8 (taxa de participação na força de trabalho).

A análise da pobreza vai além da renda, e a recessão vai ainda mais além naqueles lugares onde o nível de pobreza é maior.

  Lucas Adriano Silva* Graduando do 7º período de Ciências Econômicas, na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Faz iniciação científica e já foi monitor de macroeconomia. Vindo de Ponte Nova (MG), cruzeirense e fã do Spidey. Dorme menos de 4 horas por dia, desde o início da graduação.   Referências ALKIRE, S., FOSTER, J. Counting and Multidimensional Poverty Measurement. JournalofPublicEconomics. n. 95, p. 476–487, 2011.   SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Companhia das Letras, São Paulo, 409 p., 2000.

Lucas Adriano

Mestre em Economia e bacharel em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Vindo de Ponte Nova (MG), cruzeirense e fã de observar a abordagem econômica sendo utilizada nos mais diversos assuntos. Espera um dia poder dar a sua contribuição para a Ciência Econômica.
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