Política e investimentos: a tragédia dos fundos de pensão

 Gerson Caner

Os fundos de pensão públicos são instituições criadas para cuidar da aposentadoria de servidores de estatais. Os maiores deles são o Petros, da Petrobrás, o Postalis, dos Correios, o Funcef , da Caixa Econômica Federal e o Previ, do Banco do Brasil. Para se ter uma ideia da importância dessas instituições, elas reúnem mais de 2,5 milhões de servidores na ativa e cerca de 550 mil aposentados. São mais de 3 milhões de trabalhadores, gente que reservou parte dos salários ao longo de décadas para garantir um futuro tranquilo e que agora sofre as consequências de decisões equivocadas e estranhas em negócios pra lá de heterodoxos.

Um estudo feito pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) [1], com base nos balanços de 2014, mostra que os 86 fundos com patrocínio de empresas estatais tiveram no cômputo geral o maior déficit de sua história, um rombo de 9 bilhões de reais. Os resultados recentes foram mais que desastrosos em vários casos. Na Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, de um ano para outro o déficit passou de 3,1 para 5,5 bilhões de reais.  Na Petros, dos empregados da Petrobrás, o déficit foi de 2,3 bilhões para 6,2 bilhões de reais.

Pesa no resultado a coleção de péssimos investimentos dessas instituições em negócios como a Sete Brasil, locadora de navios e plataformas de petróleo, de futuro mais do que incerto depois de se complicar nas investigações da Operação Lava-Jato.  Previ, Petros e Funcef detêm juntas, 37,5% da empresa.  Já o Postalis acumulou rombo de R$ 5,6 bilhões. Em abril, os poupadores foram avisados de que teriam que pagar uma contribuição extra superior a 25% do salário para tapar o buraco.

O que torna casos como o do Postalis mais difícil de resolver é que, a exemplo dos demais fundos citados, ele reúne o que de pior há na administração pública do Brasil: a indicação política aliada a interesses que não necessariamente são os mesmos dos incautos poupadores. O Postalis é controlado por dirigentes indicados por políticos do PT e do PMDB.

O Petros, que tem (ainda) mais de R$ 66 bilhões de patrimônio, teve seus e-mails interceptados pela Policia Federal na Operação Lava-Jato [2]. Eles indicam que o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, influía diretamente na administração do gigantesco volume de recursos. Vaccari intermediou uma reunião entre a Petros e representantes de um fundo de investimentos comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Os principais cargos do fundo são historicamente divididos entre petistas da Federação Única dos Petroleiros e do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

Uma análise um pouco mais rigorosa dos investimentos feitos pelos fundos de pensão das estatais ajuda rapidamente a compreender o tamanho dos prejuízos.  O grupo Galileo estava praticamente falido quando o Postalis comprou 75 milhões de reais em debêntures. A Petros “investiu” nos mesmos ativos 25 milhões de reais, além de ter aplicado 300 milhões de reais na Lupatech, fornecedora de equipamentos para a exploração de petróleo, e que – mero detalhe – se encontra em recuperação judicial [3].  Petros e Postalis também perderam dinheiro com a quebra do banco BVA. Uma auditoria do Banco Central apontou indícios de conluio entre dirigentes do banco e dos fundos de pensão [4]. Como se não bastasse, o Postalis comprou 130 milhões de reais em ações do Grupo EBX, do empresário Eike Batista. Desnecessário mencionar o resultado desse “investimento”.

O loteamento político de vários órgãos públicos é algo que tem chamado a atenção, em especial nos últimos 15 anos. Mas o que se faz com a poupança de milhões de trabalhadores em nome de conveniências políticas é algo que merece atrair muita mais atenção dos órgãos de controle e do país como um todo.

Gerson Caner Economista pela FEA/USP, MBA em Finanças, 20 anos de experiência no mercado financeiro, atuou como diretor de empresas de consultoria (Ernst Young) e é palestrante de Educação Financeira e Finanças Pessoais, além de Gestor de Investimentos

Notas:

[1] http://www.abrapp.org.br/home.aspx

[2] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/pf-fecha-elo-de-propina-em-fundo-da-petrobras/

[3] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bndes-e-petros-socorrem-lupatech-e-gp-investimentos-entra-na-sociedade-imp-,816646

[4] http://oglobo.globo.com/brasil/lava-jato-policia-federal-investiga-acao-politica-em-fundos-de-pensao-14100361

A assessoria de imprensa do fundo PETROS, enviou a seguinte resposta ao artigo acima. Posicionamento: Sobre a coluna “Política e Investimentos: A Tragédia dos Fundos de Pensão”, publicada nesta quarta-feira (20/05), no blog Terraço Econômico, do InfoMoney, a Petros informa que: 1. A ocorrência de déficit conjuntural é uma situação temporária e reversível, impactada principalmente pelo cenário econômico mundial e pela volatilidade do mercado, que afetam os investimentos em renda fixa e renda variável, segmentos em que a Fundação concentra mais de 80% da sua carteira de investimentos. 2. Em relação à Sete Brasil, a Petros acredita no projeto como um investimento de longo prazo – horizonte com o qual trabalha para pagar benefícios a seus participantes. Assim como a Petros, outros grandes investidores também aportaram recursos na empresa, por entenderem tratar-se de um projeto com boas perspectivas no futuro. Recentemente, em função de dificuldades para obtenção de financiamento para início da operação da Sete Brasil, houve impacto no valor do investimento, mas não houve efetivamente prejuízo para a Petros, pois a Fundação não se desfez do investimento. No momento, a Sete Brasil está em fase de maturação e de recebimento de aportes, mas tão logo entre em operação e comece a produzir, certamente o investimento vai gerar retorno para a Petros e, consequentemente, para seus participantes. 3. Especificamente no caso dos títulos de crédito, como Galileo e BVA, todos contam com rating externo e garantias. E, mesmo considerando o provisionamento para perda dos títulos de créditos inadimplentes, os valores recebidos pela Fundação dos títulos de crédito investidos desde 2007, somados aos valores dos créditos adimplentes a receber, superam a meta atuarial. 4. Não houve qualquer irregularidade no investimento da Lupatech, apenas uma mudança de estratégia da Petrobras, que reduziu as encomendas de produtos da empresa, levando-a a enfrentar dificuldades, o que resultou em dois movimentos de reestruturação financeira (2012 e 2014). Mudanças de estratégia e impactos nas finanças das empresas são riscos inerentes aos investimentos. A Lupatech não está, nemBnunca esteve,  em recuperação judicial.  5. Os investimentos da Petros passam por análises técnicas internas e todos, cada um à sua época, mostraram-se boas oportunidades sob a ótica de resultado a médio e longo prazo, que é o que a Fundação persegue para garantir a sustentabilidade do negócio. Prova disso são os resultados registrados nos últimos dez anos: nesse período a rentabilidade acumulada da Fundação foi de 307,78%, bastante superior à meta atuarial de 241,26%. 6. Por fim, é importante ressaltar a solidez da Petros: trata-se do segundo maior fundo de pensão do país, com patrimônio de mais de R$ 68 bilhões. É um fundo multipatrocinado, que administra planos de previdência para 143 empresas e instituições. Desde que foi fundada, há mais de 44 anos, a Petros sempre cumpriu – e continua cumprindo – com o dever de pagar pontualmente os benefícios de seus participantes.

 

Gerson Caner

Mestre em Administração com ênfase em Finanças Comportamentais e graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (FEA-USP, 1992). Possui MBA em Finanças (USP) e diversos cursos de especialização realizados no Brasil e Exterior (FGV, Insper, Universidade Nova de Lisboa, London School of Economics). Atuou como economista do Grupo Votorantim e como diretor de Fusões e Aquisições e Mercados Emergentes na consultoria Ernst & Young, onde foi responsável pelo programa Empreendedor do Ano. Atualmente é professor de Finanças Corporativas, palestrante de Educação Financeira e Finanças Pessoais e consultor de Investimentos (possui certificação ANCORD). Também é pai do pequeno Theo, o que só aumentou seu interesse por Educação Financeira e Finanças Pessoais.

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