Política Monetária é eficaz?

Em meu primeiro texto, escrevi que havia uma obstrução para a política monetária em conter a inflação: a política fiscal. No entanto, em evento organizado pelo Itaú na semana passada, o diretor do Banco Central, Carlos Hamilton, discursou sobre esse tema e argumentou que não há evidências para dizer que a eficácia da taxa de juros tenha diminuído [1]. Segundo as palavras do diretor: “Minha percepção, minha convicção, é de que não é menos eficiente, a rigor, talvez a eficiência possa até mesmo ter aumentado”. Modéstia a parte, é como se o diretor estivesse fazendo uma réplica direta ao meu texto.

[caption id="attachment_424" align="aligncenter" width="250"] Diretor do BC Carlos Hamilton Fonte: Valor Econômico[/caption]

Apesar de acreditar no oposto, ele cita 3 possíveis argumentos para que as pessoas (eu, entre elas) acreditem que tal evento esteja acontecendo:

(1) parte mais significativa da demanda doméstica se tornou insensível às ações de política monetária;

(2) a existência de fricções faz com que as taxas de juros praticadas no mercado de crédito não respondam apropriadamente às ações de política monetária; e

(3) desalinhamento dos preços administrados.

O primeiro argumento consiste no fato de que a evolução do consumo do governo como proporção do PIB tem se expandido. Lembrando que na literatura, é largamente aceito que o consumo do governo é uma variável exógena, ou seja, insensível às ações de política monetária.

Sobre as fricções no mercado de crédito, argumento (2), a legislação brasileira determina que uma parcela dos depósitos bancários seja utilizada em financiamentos específicos, por exemplo, para a agricultura e para moradias. Em outras palavras, esse argumento consiste na expansão do crédito direcionado que é menos sensível a variações da taxa de juros. Sabe-se também que o maior provedor desse tipo de crédito é o BNDES. O crescimento dos aportes dados pelo BNDES faz parte da política parafiscal do governo.

Já sobre o desalinhamento de preços administrados, argumento (3), podemos ver que, no gráfico abaixo, esses preços estão sendo calibrados pelas políticas fiscais para variar menos que os preços dos itens livres nos últimos anos. No entanto, sabe-se que, no longo prazo, nas economias de mercado os preços tendem a apresentar taxas de crescimento similares. De fato, esse desalinhamento de preços não pode durar no longo prazo. Dessa forma, os agentes racionais naturalmente tenderiam a esperar que o mecanismo de correção de erros prevalecesse, ou seja, que os reajustes dos preços dos administrados fossem feitos em algum momento do tempo e que consequentemente a inflação subisse. Como há uma expectativa que a inflação suba devido a essa convergência de preços, há uma rigidez nas expectativas, de modo que choques de preços favoráveis tendem a ser vistos como temporários. O canal das expectativas estaria obstruído.

Esses três pontos, como eu quis resumir em meu primeiro texto, são basicamente a política fiscal (e parafiscal) em campo expansionista.  Dessa forma, o governo estaria atrapalhando o andamento da política monetária do BC em conter a inflação, obstruindo os canais de transmissão. De acordo com Carlos Hamilton, minha argumentação é falha em dizer que a eficácia da taxa de juros tenha diminuído, mas não em termos práticos, isto é, não estaria errado em dizer que essa política fiscal faria o BC aumentar mais vezes a taxa de juros. O que o diretor quis dizer é que a piora do superávit primário nos últimos anos, o rebaixamento do rating soberano do Brasil e o retrocesso do amadurecimento do regime de metas de inflação (perda da credibilidade do banco central) fizeram com que a taxa de juros de equilíbrio (aquela que teoricamente não faz a inflação desacelerar nem acelerar) se elevasse. Em outras palavras, o que pode ser discutido é se o nível atual da taxa de juros é adequado para que a inflação desacelere, mas não a eficácia da taxa de juros em si.

Para fomentar seu pensamento, o diretor segue seu discurso apresentando argumentos e evidências a favor da hipótese de eficiência da política monetária.  Não quero me estender nessa segunda parte e convido o leitor a ler o discurso do Carlos Hamilton caso tenha interesse nos detalhes. Resumidamente, o diretor comparou as trajetórias de alguns indicadores importantes ao longo dos ciclos de elevação da Selic iniciados nos trimestres: julho-setembro de 2004, abril-junho de 2008, abril-junho de 2010 e em abril-junho 2013 e observou que a resposta da economia ao atual ciclo de elevação da Selic não diverge da verificada nas outras oportunidades.

A importância desse discurso vem de seu histórico. Em abril do ano passado, o mesmo diretor participou desse mesmo evento, que é voltado para o mercado financeiro, e insinuou uma aceleração do aumento da taxa de juros de 25bps para 50 bps, com a frase “(…) gostaria de registrar que cresce em mim a convicção de que o Copom poderá ser instado a refletir sobre a possibilidade de intensificar o uso do instrumento de política monetária”. A aceleração do aumento de fato ocorreu na reunião seguinte. No evento da semana passada, Carlos Hamilton não disse com todas as palavras, mas insinuou e deu explicações de que a taxa de juros tem efeitos cumulativos e defasados, como que dizendo que a taxa de juros já chegou a um nível satisfatório para que a inflação desacelere até o fim do ano, sem se comprometer com a meta de 4,5%.

Por outro lado, fez uma ressalva para a política fiscal. Se o BC estiver olhando a política fiscal como eu olho, é possível que venha mais 25bps na próxima reunião, mas nos lembremos dos poderes obscuros em anos de eleição. O mais provável que aconteça, portanto, é que haja o fim do ciclo de aperto monetário.

[1] http://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Itau%20BBA%20Abril%202014.pdf

Victor Wong

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