Por qual razão estudar direito e economia: uma breve introdução

As relações entre advogados e economistas sempre foram conturbadas. Um lado sempre acusava o outro da ignorância que “eles” tinham sobre o estado da arte da outra ciência. Advogados incentivam reformas que causam má alocação econômica sob a desculpa de “seguir o princípio da justiça” e economistas ignoram completamente o juridiquês e as normas legais de um país quando idealizam reformas econômicas.

De maneira geral esse atrito ainda existe entre as duas classes no Brasil, mas em um nível bem menor! Nos últimos anos, juristas e economistas brasileiros começaram a notar que suas ciências são mais próximas do que era admitido até então. O Direito lembrou que é impossível se fazer justiça de maneira consistente sem eficiência das normas e a Economia lembrou que Adam Smith também era um jurista e que as instituições importam (e muito!). Por essas razões tem se tornado cada vez mais comum no meio acadêmico (e mesmo fora dele!) o programa de pesquisa interdisciplinar conhecido como Análise Econômica do Direito.

O presente artigo objetiva responder a uma pergunta: por qual razão isso seria importante? Qual a vantagem de um economista estudar o direito e de um jurista estudar economia?

A Análise Econômica do Direito estabelece uma relação analítica mútua entre o Direito e a Economia enquanto áreas do conhecimento. A análise econômica deve considerar o ambiente normativo-institucional no qual as trocas entre agentes ocorrem e as restrições legais às escolhas impostas por este mesmo ambiente. Já a análise jurídica, ao estabelecer as normas de conduta social, deve considerar o impacto consequencial que tais normas terão na organização social.

Usualmente isso não é claro nas abordagens tradicionais tanto do Direito como da Economia.

Os juristas gostam de pensar sua ciência como um castelo racional e normativo totalmente isolado de questões que não aquelas delimitadas pela teoria pura do direito ou pelas questões de Justiça.

Por essa razão muitas vezes os juristas e teóricos da justiça, mesmo quando adotam perspectivas consequencialistas, tendem a se opor a preocupações puramente econômicas. Segundo alguns deles, em certas ocasiões, para que males piores ao bem-estar da humanidade possam ser evitados, é ético e imperativo que os direitos de propriedade sejam suprimidos [1]. Mesmo que um direito de propriedade não tenha sido adquirido por meios injustos, sua existência poderia gerar um quadro de desigualdade entre os indivíduos totalmente inaceitável em termos absolutos. Por mais que um jurista consequencialista possa aceitar um quadro abstrato entre rico e pobres, tal quadro é diferente quando as disparidades tratadas são entre um bilionário saudita, que fez sua fortuna porque suas terras estavam convenientemente sobre um campo de petróleo, e uma pessoa morrendo de fome na Nigéria.

Já a Economia Neoclássica ou Mainstream, como expressa sobretudo na forma da função Cobb-Douglas, assume um mundo onde as trocas de mercado ocorrem sob custos de transação zero ou mesmo negativos. Nesse mundo não existem assimetrias contratuais, não existem incertezas sobre a delimitação de propriedade e outros  direitos e obrigações são perfeitamente executados pelo sistema jurídico. Desta forma o problema econômico é reduzido a um problema de alocação entre meios e fins e não a um problema fundamental de investigação de uma ordem complexa.

Todavia, ambas as visões estão de alguma forma erradas. O jurista consequencialista se engana ao ignorar que sua intervenção econômica pode ter efeitos que irão alterar o resultado esperado de sua escolha. Ao suprimir direitos de propriedade ele pode afirmar um padrão de injustiça tão maligno quanto aquele que ele buscava combater inicialmente; como um aumento da pobreza generalizada em consequência de uma redução do crescimento econômico. Já o economista se engana por ignorar que as relações econômicas não são lineares como expressas nas funções de produção e bem-estar, mas sim componentes de uma ordem social evolutiva dinâmica.

A razão para esses erros é que as abordagens tradicionais de ambas as ciências ignoram o papel desempenhado pelas normas dentro de uma sociedade de mercado.

Segundo Ronald Coase, tal mundo onde não existe custos de transação e onde as normas não tem efeitos adversos não existe; as firmas e os consumidores operam em um cenário de custos de transação positivos e onde os arranjos institucionais criados para lidar com esses custos geram organizações econômicas e alocações de propriedade diferentes. Isso é particularmente verdadeiro no caso da produção. As firmas podem ser entendidas como nexos de relações contratuais, de forma que problemas de salvaguarda ou problemas nas instituições executoras (tribunais) terão impactos na forma como essas firmas se organizam e agem dentro do mercado.

Seguindo a linha de pensamento de Coase, os autores da Análise Econômica do Direito irão estudar o Direito enquanto um sistema de normas dentro de uma perspectiva funcionalista [2]. As normas atuarão sobre a atividade econômica desempenhando quatro funções: proteção dos direitos de propriedade, estabelecimento de regras para a negociação entre partes sobre seus direitos e responsabilidades, definição das regras de entrada e saída dos mercados e regulação da organização industrial dos diferentes setores da economia.

Dentre essas funções, a de proteção e delimitação dos direitos de propriedade é a mais importante e muitas vezes a mais desprezada pelas abordagens tradicionais. Por mais que os juristas possam ver os direitos de propriedade como simples restrições de liberdade negativa sobre as liberdades positivas ou potencialidades dos outros membros da sociedade para o desfruto do mesmo bem assegurado por tais direitos, eles possuem uma função social essencial para o bom funcionamento de qualquer sociedade baseada em trocas ou onde os indivíduos sejam livres para realizar escolhas.

A importância da propriedade para o bom funcionamento de nossa sociedade é devido sua função como “receptora” dos sinais de preço do mercado. A propriedade privada e o sistema de responsabilidades a ela ligado concentram lucros e perdas na figura de uma pessoa, enquanto que formas de propriedade públicas ou coletivas tendem a dispersar ou “socializar” lucros e perdas. Assim, a propriedade privada faz com que os indivíduos, ao agirem conforme seus planos de ação particulares e objetivando a maximização de seus fins, sejam guiados por incentivos de lucros e perdas resultantes de sua ação e de sua total responsabilidade.

Se determinada forma de organização da propriedade ou plano empresarial for falho e der prejuízo, o indivíduo mudará seu plano de ação realocando recursos para outros fins. Se for bem sucedido, outros irão imitá-lo e alocar seus recursos para fins mais produtivos. Em ambos os casos a existência da propriedade age como condição necessária para um movimento de tendência ao equilíbrio nos mercados. Por essa razão, ao suprimir os direitos de propriedade em nome de uma justiça abstrata, o jurista pode, sem nem mesmo perceber, reduzir a produtividade e eficiência de uma determinada economia e elevar seu nível geral de pobreza.

A forma como os direitos de propriedade são defendidos e definidos terá importantes impactos sobre a forma como determinados mercados se organizam e sobre seus respectivos desempenhos. Para nossa análise vale ressaltar a importância dos direitos de propriedade para os mercados financeiros.

O mercado financeiro pode ser visto como uma instituição cuja função social é a transmutação de direitos de propriedade ao longo do tempo [3]. Essa transmutação pode envolver três tipos de mudança: tamanho, qualidade e maturidade. A primeira refere-se a mudanças no tamanho de determinadas aplicações e no valor pecuniário de seus respectivos direitos. A segunda ocorre quando um determinado direito de propriedade decorrente de uma aplicação é melhor ou mais rentável que um empréstimo direto. Já o terceiro acontece quando as instituições financeiras permitem que os rendimentos de dada propriedade se perpetuem ao longo do tempo. Tal relação entre ativos financeiros e direitos faz com que as Finanças e a Ciência Jurídica estejam intimamente ligadas.

Logo, a complementaridade entre Direito e Economia se faz condição necessária para que ambas as ciências possam entender corretamente o ambiente social que objetivam analisar e atingir seus respectivos objetivos; seja a Eficiência ou a Justiça.

Uma objeção central que pode ser levantada contra esse programa de pesquisa é sua dependência na teoria da escolha racional e no pressuposto de que os agentes sociais são maximizadores racionais e egoístas de utilidade. A escolha racional, todavia, não implica em uma visão a priori de que os indivíduos e as organizações são egoístas éticos ou seres perfeitamente racionais que agem conforme o fim de sua própria satisfação e prazer [4], mas sim que, dado seus gostos, preferências e habilidades, eles irão adequar os meios de que dispõe de forma a atingir determinados fins, cuja importância para o indivíduo será dada subjetivamente da melhor maneira possível. Dessa forma, uma restrição puramente psicologista sobre o escopo de pesquisa da Análise Econômica do Direito não seria criticamente adequado.

NOTAS:

[1] – Ver, por exemplo, “SINGER, Peter. Ética Prática. Martins Fontes, São paulo. 1998.”;

[2] – Isso é particularmente visível nos estudos que correlacionam a presença de certas instituições políticas e o Estado de Direito com níveis de renda per capita, onde a boa execução e proteção de direitos de propriedade é tomada como determinante para a redução de incertezas e aumento de produtividade. Ver: “SCULLY, Gerald W. The Institutional Framework and Economic Development. Journal of Political Economy, v. 96, n. 3, p. 652-662, 1988.”, “NORTH, Douglass C.; WEINGAST, Barry R. Constitutions and Commitment: the evolution of institutions governing public choice in seventeenth-century England. The journal of economic history, v. 49, n. 4, p. 803-832, 1989.”,  “BARRO, Robert J. Democracy and Growth. Journal of economic growth, v. 1, n. 1, p. 1-27, 1996.”, “RODRIK, Dani; SUBRAMANIAN, Arvind; TREBBI, Francesco. Institutions Rule: the primacy of institutions over geography and integration in economic development. Journal of economic growth, v. 9, n. 2, p. 131-165, 2004.” e “ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. Institutions as a Fundamental Cause of Long-run Growth. Handbook of economic growth, v. 1, p. 385-472, 2005.”;

[3] – Ver em: ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 13 Edição, São Paulo: Atlas, 2015;

[4]- O economista americano George Stigler costumava brincar que, por mais que não se possa provar que os seres humanos vivem maximizando utilidade, existem provas bastante consistentes de que eles não a minimizam. Afinal, ninguém normal anda por aí queimando dinheiro ou bebendo fluído para motores. Ver em: “STIGLER, George J. Análise Microeconômica: Teoria dos Preços. São Paulo, Atlas, 1970.”

BIBLIOGRAFIA:

– COASE, Ronald H. The Nature of the Firm. Economica, v. 4, n. 16, p. 386-405, 1937; COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, v. 3, n. 1, p. 2, 1960;

– PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Elsevier; Campus, 2006;

–ALCHIAN, Armen A. Some Economics of Property Rights. Il politico, p. 816-829, 1965;

–FRIEDMAN, David D. Law’s Order. Princeton University Press, 2001.

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