Terraço Econômico | por Victor Wong
No fim de março, o IBGE divulgou as contas nacionais de 2014, nas quais houve uma revisão metodológica. Dentre as diversas mudanças, a taxa de investimento dos anos anteriores foi puxada para cima: o que antes era em torno de 18% passou a ser cerca de 20%. Apesar da pequena revisão, ela ainda é baixa. Dados do FMI [1] apontam que a média do mundo está na casa dos 24%. Se pegarmos a dos emergentes, ela sobe para mais de 30%! Sendo um pouco mais justo, nossos colegas andinos Chile, Colômbia e Peru têm taxas de 22,2%, 25% e 26,8%, respectivamente. Em outras palavras, investimos muito pouco para quem quer crescer muito. Diante desse cenário surge uma pergunta: por que investimos pouco?
A contabilidade nacional nos traz conceitos fundamentais e identidades básicas da economia. Uma delas é que o total do investimento no país tem que ser igual à poupança total. No Brasil, a taxa de poupança interna beira os 16%, a taxa de investimento, 20%. A diferença é a poupança externa, também conhecida como déficit em transações correntes. Portanto, para aumentar a taxa de investimento devemos aumentar poupança interna, externa ou uma combinação das duas.
[caption id="attachment_3908" align="alignnone" width="1245"]No caso brasileiro, a baixa taxa de poupança interna está limitando o crescimento da taxa de investimento. Existem algumas hipóteses principais para explicar essa baixa taxa de poupança no Brasil:
A primeira é que o brasileiro é mais propenso a consumir. O Brasil adotou durante as últimas duas décadas um modelo de crescimento baseado no consumo. Através de distribuição de renda para as pessoas de camada mais baixa e subsídios ao consumo, o governo estimulava as pessoas a entrarem no mercado consumidor. Dessa forma, tanto a renda quanto o consumo aumentaram. Porém, como o segundo cresceu proporcionalmente mais, a taxa de poupança caiu.
A segunda é que não há incentivos a poupar no Brasil. Um estudo recente feito pelos pesquisadores Ricardo Brito e Paulo Minari [2], do Insper, mostra que no Brasil, para 91% da população, o padrão de vida é mantido na aposentadoria com apenas os programas de seguro social para o envelhecimento. Segundo as palavras dos autores, “atualmente, a maioria destes trabalhadores vislumbra benefícios de aposentadoria generosos relativamente aos salários. Ou seja, esperam se beneficiar de taxas de reposição tão elevadas que tornariam desnecessária a poupança para o futuro. Em sendo assim, domicílios que recebem até 20 salários mínimos mensais – 91,1% dos domicílios brasileiros segundo a Tabela 7.6.1 da PNAD de 2013 (IBGE, 2013) – só teriam necessidade de poupança para a aposentadoria no caso de uma redução significativa dos benefícios pagos pelo INSS. Apenas para domicílios com renda superior a 20 salários mínimos é que se constata necessidade significativa de poupança voluntária.”
Sendo assim nossa baixa taxa de poupança, pelo menos a familiar, é explicada pela elevada cobertura de nossos programas sociais. A China é o caso oposto que tem elevada taxa de poupança e baixíssima cobertura de serviços sociais básicos. A população chinesa carece de saúde, educação básica, aposentadoria, seguro-desemprego etc e, portanto, reserva uma parcela maior de sua renda para imprevistos desse tipo.
Já a terceira é a excessiva carga tributária. Como o governo gasta muito garantindo os direitos sociais da população e em parte investindo, ele tem que onerar as empresas e famílias para equilibrar seu orçamento. A carga tributária brasileira já está em torno de 36% do PIB, tamanho bem acima de seus pares. Chile, Colômbia e Peru, todos na casa dos 20% [3]. Por acabar tributando demasiadamente, o governo diminui a renda disponível do setor privado (salários das famílias e lucro das empresas), atrapalhando a poupança e assim os investimentos.
Diagnosticado o problema, podemos partir para algumas “soluções”. Sabe-se que apenas o estimulo à demanda (consumo) não basta para um crescimento sustentável. Precisamos estimular os investimentos, ou seja, poupança, para melhorar a produtividade de nossa economia. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já mencionou esse problema diversas vezes em seus discursos. Disse que o governo “dará o exemplo” para famílias e empresas ampliando a sua poupança, dando ênfase à importância do ajuste fiscal.
Algumas medidas estão sendo feitas nesse sentido como mudanças no seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte, mas que ainda têm de passar pelo crivo do Congresso Nacional. De concreto, só aumento de impostos. Subiu o IPI para automóveis e tributos sobre a gasolina, operações de crédito e cosméticos. No entanto, é difícil dizer se o aumento de impostos ajudará a subir a taxa de poupança de forma satisfatória. Isso dependerá das elasticidades de cada imposto.
O ajuste bem feito deveria vir do controle dos gastos, que já não cabem no orçamento. Isso não significa que precisamos virar uma China cujos benefícios sociais são miseravelmente precários. Muito pelo contrário, ninguém quer tirar da população os direitos a saúde, educação básica, aposentadoria etc, até porque esses benefícios devem ser garantidos por nossa Constituição. Porém, eles também não podem gerar um grande desestímulo a poupança. Precisamos rever alguns programas sociais, principalmente, gastos com a Previdência que se tornam uma bomba relógio cada vez maior a medida que a população envelhece.
Se por um lado aumentar a poupança interna é muito difícil, por outro podemos nos socorrer à poupança externa. A abertura econômica poderia proporcionar uma poupança externa maior. Dessa forma, teríamos acesso a bens de capital mais baratos que melhorariam a disponibilidade de recursos para nosso investimento.
Dentre as possibilidades de aumentar a poupança total no Brasil, a abertura econômica parece a mais simples ou menos complexa comparada ao controle dos gastos sociais. Pelo fato de sermos um dos países mais fechados do mundo e com base na vasta literatura acadêmica e empírica sobre a relação positiva entre investimento e abertura, não há grandes motivos para acreditar em outro caminho senão a abertura econômica. Ela poderia vir com a redução do tamanho do Estado, mas isso talvez seja pedir demais neste momento..