Por uma desindustrialização madura

Convidados Especiais | Thobias Silva 

Posso afirmar, com toda a certeza que o caminho que conduziu você até a leitura deste artigo tem a participação em maior ou menor grau da indústria de transformação. Diante da tela de algum aparelho eletroeletrônico ou simplesmente pelo bom e velho impresso de papel em alguma máquina copiadora da Xerox. A indústria se tornou protagonista no processo econômico na primeira grande revolução industrial inglesa no final do século XVIII.

No Brasil, alguns séculos depois, no final do ciclo do café, período da República Velha, o processo de industrialização ganhou status. Na década de 1920 e nos anos seguintes, até especificamente meados de 1970, a indústria nacional foi tratada como a “menina dos olhos dos governos”. Podemos metaforizar a indústria nacional como um filho que nasceu com todos os mimos e cuidados de um recém-nascido prematuro.

Durante os primeiros 50 anos de idade a indústria brasileira ganhou relevância na participação da economia, mas aparentando jeito e ações de um adolescente do que uma adulta indústria de meia idade. Os infinitos pedidos de ajuda ao governo, estimulados pelo processo paternal de substituição de importações (PSI) forjaram o caráter da nossa atividade industrial pelas próximas décadas até o final dos anos 70.

Assim, nos anos 80 o valor adicionado da indústria de transformação no PIB atinge o seu máximo, com mais de 27% de participação entre os anos de 1985-87. Desde então, o processo é de queda vertiginosa. O que não é ruim pela queda em si, o problema não é de direção, mas de velocidade.

A indústria Brasileira chega aos anos 90 e aos anos 2000 velha em idade, mas imatura em conteúdo. Quedas acentuadas da participação da indústria de transformação no PIB com vales de 15,7% em 1999 e 13,2% em 2012 trazem a palavra de controvérsia para os economistas estudiosos do tema: Desindustrialização. Existe ou não, é boa ou ruim?

A Desindustrialização no Brasil pelo critério de participação do VA/PIB existe sim e é ruim, mas poderia ser boa e deveria ou deverá acontecer independente da vontade dos governos. Em um conceito mais abrangente, a desindustrialização seria caracterizada como uma situação na qual tanto o emprego industrial como o valor adicionado da indústria se reduzem como proporção do emprego total e do PIB, respectivamente.

Evolução do Valor Adicionado da Indústria de Transformação sobre o PIB (%)

Entretanto, a desindustrialização, não necessariamente, significa algo ruim e que irá promover o empobrecimento de uma sociedade. Mas temos que entender as circunstancias de cada situação. Os países mais industrializados viram, nas três últimas décadas, uma forte expansão do setor de serviços, que demandou intensivo uso de mão de obra mais especialização que produzem empregos de melhor qualidade em remuneração e produtividade.

Assim o caminho para desindustrialização não é tão doloroso quanto pensamos. Os países que possuem renda per capita acima de US$ 30 mil, ou seja, países ricos, passaram por um processo de desindustrialização próprio da maturidade de suas economias, algo no momento ainda distante da realidade brasileira. O que ocorreu nos países desenvolvidos foi um processo de crescimento do setor de serviços e uma redução relativa da participação da indústria com modificações profundas em seu padrão produtivo, onde tecnologia e ganhos de produtividade proporcionaram criação de riqueza.

 A riqueza gerada conduz a sociedade à elevação do padrão de consumo. Logo o novo modelo de consumo de uma sociedade desenvolvida e urbana é o maior consumo industrial. Mas, um país, que sem completar seu ciclo industrial, vê a indústria de transformação perder espaço para outros setores, principalmente serviços, pode, no médio prazo, enfrentar graves problemas no setor externo, com crescentes déficits em conta corrente e ainda conviver com reduções na geração e na qualidade dos seus empregos.

Por outro lado, a grande capacidade e eficiência para produzir (e exportar) commodities minerais, agrícolas e pecuárias provocam entrada de moedas conversíveis no país (principalmente dólar norte-americano), gerando excesso de oferta no mercado de câmbio, fazendo com que o real se valorize em relação à outras moedas.

Juros e commodities seriam, então, os primeiros responsáveis pela perda de competitividade da indústria de transformação? Acredito que não, mas não ajudam. A indústria precisa fazer a sua parte. Um caminho provável para superar este problema seria por meio de ganhos de produtividade, em outras palavras, o que se perde no câmbio deve ser compensado pelo aumento da eficiência, a partir da redução dos custos da produção e melhoria da qualidade dos produtos fabricados. Para ambos são necessários investimentos, capacidade empresarial, crédito e inovação.

Na disputa pela reduzida oferta de recursos, o governo acaba levando vantagem, pois os bancos comerciais preferem emprestar recursos ao setor público (comprar títulos do governo), com risco praticamente nulo, que fazê-lo para a iniciativa privada e, quando o fazem, cobram elevados spreads. Resta, então, ao BNDES, como banco estatal de fomento, fornecer a maioria dos fundos para investimento, montante insuficiente para atender às necessidades do mercado, sobretudo às das pequenas e micro empresas.

Fonte: BNDES

Esse cenário gera ineficiência na alocação de recursos e, evidentemente, custos para toda a economia, retirando dela parte da competitividade. Agregue-se a essas dificuldades a carência de infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações, que prejudicam a circulação de bens dentro das fronteiras do país e nas operações de exportação e importação, com os portos e aeroportos operando no limite de suas capacidades físicas e técnicas.

Produção Industrial Mensal e Índice de Confiança do Empresário Industrial

Os sinais de retração da atividade industrial e na expectativa dos empresários podem ser identificados nas recentes pesquisas do IBGE e da CNI. A indústria vem apresentando sinais claros de letargia, a previsão para esse ano segundo último relatório focus do Bacen é uma retração na atividade industrial da ordem de -2,21% em 2014.

Assim as combinações de uma conjuntura econômica complexa, com dificuldades estruturais antigas e persistentes forjam a caracterizar a nossa indústria com um diagnóstico, emprestado da psicologia, como: “Puer Aeternus”, ou seja, pessoas adultas que não desenvolvem a maturidade e não possuem a habilidade para encarar a vida adulta.

Thobias Silva Economista Chefe da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE)

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