Prezado presidente, fico no aguardo!

Após parecer favorável do relator Bonifácio de Andrada no dia 10 de outubro, é esperada para amanhã (19) a votação da segunda denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República  contra o Presidente Michel Temer, acusado de organização criminosa e obstrução à justiça.

É claro que todos ainda lembramos da primeira denúncia, aquela da qual Temer saiu vitorioso no Congresso no dia 2 de agosto, por 263 votos a favor do arquivamento da denúncia encaminhada pelo ex procurador-geral da República Rodrigo Janot, contra 227 contra o arquivamento. Porém, de lá para cá, o que aconteceu?

No campo político, tivemos outras tantas reviravoltas da operação Lava-Jato, incluindo a suspensão de Aécio Neves de sua posição de Senador (além de seu recolhimento noturno), a decisão do STF a favor da necessidade do Congresso de retificar tal suspensão, e finalmente a decisão do Senado de mantê-lo entre os seus. Focando no Planalto, tivemos uma segunda denúncia contra o Presidente – já esperada, mas nem por isso bem vinda. Tivemos, então, a autorização de um total de R$ 272,7 milhões em emendas parlamentares impositivas – apenas no mês de setembro [1]. Sinal de um Presidente um tanto quanto preocupado com seu mandato? Prefiro seguir meus 21 colegas do Congresso na votação do dia 2 de agosto, e me abster.

Já no campo econômico, tivemos boas notícias e outras nem tão boas assim. Comecemos pelas boas. O resultado das contas do governo surpreendeu para cima no mês de agosto; indicadores antecedentes como confiança do consumidor e do empresário mantiveram-se em ritmo contínuo de crescimento; postos de trabalho foram criados; a massa salarial cresceu; as projeções do PIB para este ano e o próximo melhoraram. Finalmente, engordando o caixa e servindo de afago internacional, o governo arrecadou quase R$ 16 bilhões com o leilão das usinas e os blocos de petróleo no início de outubro.

Agora, às notícias não tão boas assim. Mesmo após a revisão da meta de resultado primário incluída na proposta de orçamento para 2018 (déficit de R$139bi para R$159bi), a equipe econômica chefiada por Henrique Meirelles continuou a destacar a dificuldade para fechar as contas. Entre as medidas de aumento de receitas e corte de gastos anunciadas para atingir o já alto déficit estavam o aumento do imposto incidente sobre fundos exclusivos de investimento, o aumento da alíquota de contribuição previdenciária para servidores públicos (de 11% para 14%), além do adiamento dos reajustes previstos  também para funcionários públicos de 2018 para 2019. Sem contar, claro, com a reforma da previdência – esta, a mais importante de todas, a menos do ponto de vista fiscal.

Acontece que, com políticos ocupados e entrelaçados até o pescoço com preocupações “menos republicanas” no campo jurídico-investigativo (a exemplo de, e primordialmente, o próprio presidente) o resultado é que nenhuma dessas medidas anunciadas saiu do “gogó” e foi  para o Congresso. Tampouco foram incluídas na pauta de votação medidas menos “famosas”, mas de importância similar. Estas incluem uma reforma da legislação bancária permitindo acordos de leniência entre o banco central e bancos privados, uma possível revisão da lei de falências, e a às vezes esquecida reforma tributária.  

Em recente carta enviada a deputados e senadores para se defender do que chamou de “conspiração para derrubá-lo”, Temer elencou em uma longa tabela os (por vezes incríveis) feitos de seu governo no campo econômico [2].  A inflação reduzida de 9,38% em abril de 2016 para 2,54% no acumulado até setembro deste ano; a taxa básica de juros de estapafúrdios 14,25% à 8,25% no mesmo período; o salto da produção de veículos de retração de 24,3% de janeiro a maio de 2016 para crescimento de 27% de janeiro a setembro de 2017; o saldo positivo de postos de trabalho, a variação positiva do PIB, a Bolsa de Valores subindo e o risco país caindo. Todas verdades indiscutíveis, fatos de difícil contradição.

Entretanto, como destacado por um dos integrantes do verdadeiro “dream team” do atual governo no campo econômico, o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn [3], sem a continuidade de reformas no campo fiscal e estrutural, a janela de oportunidade trazida pela confluência de um cenário internacional favorável e da recuperação de credibilidade da política econômica brasileira – esta, ancorada em um Banco Central crível e medidas bem elaboradas e até então bem sucedidas, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e tantas outras no campo microeconômico – corre o risco de se ver fechada antes que tenhamos completado o dever de casa. A moral da história daquele que não aproveita as boas oportunidades para construir bases sólidas já conhecemos bem: mais uma vez, nos tornaremos a cigarra que não escuta sua amiga formiga para construir sua casa para o inverno, mas desta vez cantarolando as cifras do jogo político brasileiro até que o próximo inverno pegue-lhes com as calças curtas, e os bolsos cheios.

Devo admitir que até eu já estou cansada de mencionar essa parábola. Se tivesse a oportunidade, portanto, faria como Temer e lhe escreveria uma carta. Em minha carta ao Presidente exaltaria os feitos de sua excelente equipe econômica e a visível retomada do crescimento do país, criticaria tristes retrocessos em áreas como a social, meio ambiente e cultura (a exemplo da recente e polêmica portaria alterando conceitos básicos de trabalho escravo), além de suas constantes gafes sexistas. Mas, mais importante, terminaria da seguinte maneira: Presidente, um cordial abraço, e fico no aguardo.

 

Referências

[1]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/10/03/apos-2-denuncia-planalto-liberou-80-das-emendas-parlamentares-de-setembro.htm

[2]https://oglobo.globo.com/brasil/leia-integra-da-carta-de-michel-temer-aos-parlamentares-21951778

[3] https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN1C21IR-OBRBS

 
Sair da versão mobile