Quando a Vale do Rio Doce foi privatizada nos anos 1990, houve muito burburinho: o governo federal teria vendido a estatal a preço de banana e teria dado a “prata da casa” de bandeja para o capital especulativo estrangeiro. O simbolismo pegou: privatização é até hoje o maior palavrão da política brasileira, e defender a venda da Petrobras ou Banco do Brasil ao capital privado é coisa de gente extremista, exagerada. Na campanha presidencial de 2006, o candidato oposicionista Geraldo Alckmin teve de se defender da acusação de que privatizaria a Petrobras, “orgulho” da nação e empresa “estratégica”. O Brasil é o país da moderação: entre algo simplesmente razoável e o inaceitável, preferimos ficar com o ruim.
Para aqueles que defendem que está entre as funções do Estado arrancar minério das profundezas, devemos nos recordar do desempenho espetacular da Vale do Rio Doce – hoje denominada “Vale” – nos anos que seguiram após sua privatização. Valeu a pena privatizar a Vale? Os economistas Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello argumentam que sim em artigo publicado em 2011 para o site Brasil, Economia e Governo[1]. Mostram que enquanto o retorno das ADRs[2] da companhia era ligeiramente inferior ao de sua concorrente Rio Tinto na década de 1990, o retorno dos ADRs da Vale passaram a superar o da gigante Rio Tinto.
E a Petrobras? Essa gigante estatal está hoje na boca do povo por conta da desastrada compra da refinaria de Pasadena no Texas. A empresa teria pagado uma quantia exorbitantemente maior do que o adequado numa operação aprovada pelo Conselho de Administração, composto por membros graduados do governo e grandes gestores do setor privado.
Mas é curioso que Pasadena tenha ganhado tanta repercussão, pois o prejuízo da Petrobras com essa refinaria faz cócegas se compararmos com a imensa queda do valor da empresa observado nos últimos anos. Desde 2010 até hoje, o valor da Petrobras caiu de R$380 bi para R$215 bi, ou seja uma queda de 43% segundo o Relatório de Administração da empresa[3]. Se você ainda é acionista da Petrobras, deve saber que os lucros líquidos atribuíveis aos acionistas tiveram queda de R$35,2 bi para R$23,6 bi no mesmo período.
[caption id="attachment_247" align="aligncenter" width="597"]Entre outros, um dos fatores de distúrbio às finanças da empresa tem sido a política de reprimir preços de gasolina praticada nos últimos anos com o intuito de conter a inflação. O gráfico a seguir mostra a evolução 12 meses do IPCA-Combustíveis frente ao IPCA, mostrando que, com exceção de alguns picos de ajuste, os preços da economia aumentaram muito mais do que os da gasolina nos últimos anos. Enquanto isso, o resultado líquido do segmento de abastecimento da Petrobras, responsável pelo refino e comercialização de petróleo e derivados, caiu de R$13,7 bi em 2009 para R$3,7 bi em 2010 e fechou com prejuízo de R$27 bi em 2013.
Provavelmente não está valendo a pena produzir petróleo no Brasil, apesar de nossa autossuficiência, pois a produção total de óleo e gás natural da Petrobras caiu de 2,6 milhões de barris/dia em 2010 para 1,9 milhão de barris/dia. Do outro lado estão as importações da gasolina, que apresentaram um crescimento espetacular de meros 149 barris equivalentes de petróleo (beps) em 2009 para 2,9 milhões de beps em 2010 e 16,3 milhões em 2013, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo[4].
Como se vê, Pasadena não é nada perto do que estrago feito na Petrobras, a maior empresa pública do Brasil. É difícil saber o que aconteceria com a Petrobrás se ela tivesse sido privatizada na onda dos anos 1990, mas temos que concordar que dificilmente estaria na situação em que a encontramos hoje. A Vale teve muito êxito, e alguns poderão argumentar que ela se beneficiou de uma valorização extraordinária dos preços de minério nas últimas duas décadas. É verdade, mas a Petrobras não poderia reclamar dos preços de petróleo, e legou aos seus acionistas, o povo brasileiro, os pífios resultados econômicos descritos acima e a maior dívida corporativa do mundo[5].
Não é impossível o Estado gerir bem empresas, mas os riscos de fracasso são enormes e nossa história está pontilhada de exemplos. “O Estado sofre de dois grandes ‘handicaps’ em seus empreendimentos. Um é o que decorre da primazia de sua função política e da contingência: (…) o Estado é dirigido pelo partido no poder e esse partido não pode dispensar o apoio de seu eleitorado nem faltar repetidamente a seus eleitores. Outro ‘handicap’ do Estado está em que ele não pode dispensar a burocracia, (…) uma máquina ronceira, cujos membros, em regra mal selecionados, confiam no amparo político e na diluição da responsabilidade, mais do que no valor da iniciativa e do esforço pessoais”. Essas linhas foram escritas em 1945 por Eugênio Gudin, grande economista brasileiro que militava por uma economia de mercado com menos privilégios, mais competição e eficiência. Não parece que suas ideias tenham preponderado em muitos governos, e a Petrobras está aí para nos apresentar a conta. Já passou da hora de sair desse negócio.
[1]http://www.brasil-economia-governo.org.br/wp-content/uploads/2011/04/valeu_privatizar_a_vale.pdf [2] American Depositary Receit, certificado negociado no exterior e lastreado em ações da empresa. [3] http://investidorpetrobras.com.br/pt/central-de-resultados/4t13.htm [4]www.anp.gov.br [5] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,petrobras-e-a-empresa-com-mais-dividas-no-mundo,1087347,0.htm