Programas educativos baseados na abstinência às drogas são ineficazes

(Inspirado no programa dos EUA, o governo brasileiro anunciou que pretende focar na abstinência e não mais na redução de danos no combate às drogas. Esse artigo traz o ponto de vista de uma estudante secundarista dos EUA a respeito da questão.)

”Apenas diga não”, foi a resposta icônica dada por Nancy Reagan a uma estudante que perguntou para então primeira dama o que ela deveria fazer caso algum amigo oferecesse droga. O movimento de educação antidrogas dos anos 80 logo transformaria a sugestão de Reagan em seu slogan. Desde então, foram instituídos programas nas escolas com o objetivo de desencorajar o uso de álcool e drogas entre os jovens, instruindo-os a “apenas dizer não”.

Esses programas giram em torno da educação baseada na abstinência e são conhecidos por usar táticas de intimidação para desencorajar o uso de drogas entre adolescentes. O mais famoso desses programas é chamado Educação para Resistência ao Abuso de Drogas, mais comumente conhecido como “DARE”. O DARE define-se como “uma série de lições em sala de aula conduzidas por policiais que ensinam crianças desde o jardim de infância até o 12º ano a resistir à pressão dos colegas e a viverem vidas produtivas e sem violência”.

Fundada em 1983, o DARE se tornou amplamente popular nos Estados Unidos e no exterior. Além disso, os políticos começaram a doar grandes somas de dinheiro para o programa, a fim de parecerem pró-policiais e antidrogas, o que permitiu ao DARE chegar a um orçamento de oito dígitos em seu auge.

Ainda assim, 30 anos e milhões de dólares depois, a educação para abstinência a álcool e drogas não tem ajudado os EUA a resolver a questão já que não houve tendência de queda consistente no uso geral de substâncias entre os jovens. Atualmente aos 18 anos de idade, 55 por cento dos alunos já experimentaram alguma substância ilícita.

Como sociedade, devemos questionar a eficácia dos programas de educação sobre drogas atualmente em vigor. Especificamente, devemos perguntar por que esses programas, que recebem milhões de dólares em financiamento governamental, não diminuem a prevalência de drogas entre os jovens americanos? As abordagens de “apenas diga não” sobre drogas não fornecem aos alunos as informações necessárias para tomar decisões bem informadas sobre a experimentação de drogas e, em última análise, acabam tornando os alunos cínicos a respeito da educação sobre drogas que recebem na escola.

Os professores não fornecem as ferramentas necessárias.

A educação sobre drogas apenas com abstinência não fornece informações sobre como fazer uso das drogas com segurança, o que força os adolescentes a aprenderem as consequências do uso irresponsável de drogas por meio da experiência. Devido a curiosidade típica da idade, a experimentação de drogas é um desejo comum para a maioria dos adolescentes.

Além disso, Joel Brown, diretor executivo do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Educacional de Berkeley, questiona a eficiência dos programas “Apenas diga não” pois “A realidade é que a maioria dos alunos experimenta drogas” … Ele não estimula a experimentação, mas acha que uma abordagem mais sábia seria dizer anos estudantes a verdade sobre as drogas “e confiar na capacidade dos jovens de tomar decisões a partir dessas informações”.

Os educadores devem perceber que o adolescente médio experimentará drogas em algum momento de suas vidas; portanto, ensinar aos alunos que a sobriedade absoluta é a única opção não irá impedir o uso de drogas entre eles. Além disso, uma abordagem muito mais eficiente seria dar aos alunos informações válidas e científicas sobre drogas, bem como fornecer conselhos realistas sobre o uso seguro de drogas, como obedecer à lei, não dirigir ou operar maquinário enquanto intoxicado e beber com responsabilidade e segurança.

Por isso, os programas de educação sobre drogas devem desencorajar o uso de drogas entre os adolescentes mas ao mesmo tempo é extremamente importante que forneçam as ferramentas necessárias para o uso seguro simplesmente porque “alguns jovens vão usar drogas”. Os educadores precisam dar aos alunos todas as informações científicas e baseadas em evidências de que precisam para tomar suas próprias decisões, em vez de forçar o estilo de vida sóbrio sobre eles. Embora a sobriedade possa ser um estilo de vida muito gratificante, é extremamente difícil de alcançar, portanto os adolescentes precisam aprender também as formas de evitar overdose e dependência caso a experimentação ocorra.

Mentir para estudantes faz com que desconsiderem informações genuínas

A atual educação sobre drogas exagera as consequências do uso de substâncias, o que acaba deixando os alunos céticos a respeito de toda a informação sobre o assunto e outros assuntos sensíveis que recebem dos adultos. Muitos dos programas de educação sobre drogas atualmente em uso utilizam táticas de intimidação na esperança de fazer com que os adolescentes tenham medo de experimentar drogas.

Apesar dessas estratégias, “os jovens sabem que fumar um baseado não arruinará suas vidas, então dizer isso a eles só irá torná-los mais cínicos do que já são”. Os educadores tipicamente dizem aos alunos que é tremendamente perigoso experimentar drogas, descrevem todas as drogas como instantaneamente viciantes e usam narrativas trágicas de viciados em drogas que experimentaram substâncias e arruinaram suas vidas.

No entanto, os estudantes sabem que a maioria das substâncias prontamente disponíveis para eles, como o álcool e a maconha, não costuma gerar tais consequências terríveis. Devido ao fato de que a maioria dos estudantes já sabe a verdade sobre os perigos das drogas, essas declarações e histórias superestimadas não só não impedem o uso de drogas como também ridicularizam toda a educação sobre drogas que os estudantes recebem, incluindo as informações precisas.

Além disso, ao mesmo tempo em que os jovens são ensinados erroneamente que todas as drogas levam ao vício imediato, eles veem amigos ou mesmo membros da família usando drogas como álcool, maconha ou tabaco sem nenhum efeito adverso imediato. Isso faz com que os jovens ignorem informações genuinamente úteis sobre os danos relativos a diferentes drogas.

A maioria dos estudantes nos EUA passou suas vidas inteiras observando seus pais bebendo um copo de vinho ou uísque no jantar ou assistiram inúmeras cenas de filmes ou séries em que os adolescentes experimentam bebidas alcoólicas ou maconha sem qualquer problema.

Somado a isso, os adolescentes de hoje sabem muito bem como acessar a tecnologia para fazer sua própria pesquisa, o que permite que eles encontrem facilmente informações médicas e científicas sobre os verdadeiros danos das drogas. Com isso, os alunos chegam a conclusão sozinhos que bebidas e maconha não são substâncias tão perigosas quanto foram ensinados.

Infelizmente, esse ceticismo tem repercussões muito mais perigosas do que uma perda de confiança nos educadores. Por exemplo, uma vez que os alunos percebem que as informações que receberam na escola sobre álcool, tabaco e maconha foram exageradas, terão sua confiança contaminada a respeito da autenticidade das informações que aprenderam sobre outras drogas, como cocaína, heroína e metanfetamina, o que pode levar a experimentação dessas substâncias muito mais perigosas.

Em suma, as informações hiperbolizadas sobre as substâncias que os estudantes recebem através dos programas “apenas diga não” podem não apenas torná-las céticas em relação à sua educação, mas também podem levá-las a descartar informações vitais sobre os perigos reais das drogas.

Dessa forma, os educadores devem começar a fornecer apenas informações precisas e científicas sobre drogas, bem como as habilidades sociais e de tomada de decisões necessárias para se manter seguro na presença de drogas, em vez de tentar forçar a abstinência sobre a mente curiosa dos jovens.

Por Julia Velloso, 15 anos, aluna do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública nos EUA. Traduzido por Renata Velloso, médica e mãe da Julia

Referências: “About D.A.R.E. America.” D.A.R.E America “Drug Education Programs Do Not Reduce Teen Drug Use.” Ingraham, Christopher. “A brief history of DARE, the anti-drug program Jeff Sessions wants to revive.” “Is Marijuana Addictive?” National Institute on Drug Abuse, June 2018. National Institute on Drug Abuse, “Is the D.A.R.E. Program Good for America’s Kids (K-12)?” Pros and Cons of Controversial Issues, 28 Mar. 2017, Lilienfeld, Scott O., and Hal Arkowitz. “Why ‘Just Say No’ Doesn’t Work.” Scientific American, 1 Jan. 2014. “Marijuana.” Gale, “Monitoring the Future Survey, Overview of Findings 2012.” National Institute on Drug Abuse, “Nationwide Trends.” National Institute on Drug Abuse, “Real Drug Education.” Drug Policy Alliance Reist, Dan. “Rethinking Drug Education.” Schools. Here to Help,

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.

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