Psicologia econômica do racismo

A investigação de temas raciais é, de certa forma, comum nas ciências sociais. Contudo, trabalhos sobre esse assunto e que fazem uso da teoria econômica (mainstream, principalmente) ainda são pouco populares. Isso é apenas outra falha do nosso sistema educacional que não estimula ou forma os estudantes para assimilar, compartilhar e expandir o que há de melhor na ciência. Pensando nisso, faço aqui uma síntese de uma parte da palestra ministrada por John A. Powell, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley: Why Economic Analysis Can’t Ignore Racial Categories.

Rápido e devagar

O cérebro humano funciona, conforme nos ensinou Daniel Kahneman, através de dois sistemas. O sistema 1 é rápido, instintivo, emocional, estereotípico e inconsciente. Já o sistema 2 é lento, esforçado, infrequente, lógico, calculista e consciente. Rápido e devagar, lembra? Há uma considerável discrepância entre o aspecto consciente e inconsciente da nossa cognição: em tese, podemos processar cerca de 40 bits de informação por segundo de maneira consciente e aproximadamente 11 milhões de bits de maneira inconsciente. É possível, inclusive, apresentar julgamentos opostos em cada um dos dois níveis.

Quando precisamos resolver uma incongruência cognitiva, via de regra, o sistema 1 atua para organizar, categorizar, desenvolver associações e preencher lacunas, assim ele se sobrepõe ao sistema 2. Isso explica porque “olhar para pessoas e não para a raça delas” é uma tese falha. Ainda que num nível consciente você diga “não vou olhar para a raça das pessoas porque isso é coisa de quem votou no Bolsonaro”, o seu inconsciente não simplesmente não se importa, pois buscará evitar atividades taxativas ao cérebro.

Um experimento conduzido por uma professora de Stanford observou a relação entre vieses cognitivos e julgamentos de cunho racial. Os participantes do experimento eram expostos, por pouquíssimo tempo, às imagens de, aparentemente, silhuetas distorcidas. Após isso, os mesmos precisavam identificar qual era a silhueta observada. Dado o pouquíssimo tempo para visualizar cada imagem, a conclusão de cada participante ficaria, grosso modo, sob responsabilidade do sistema 1. O que se observou foi, quando uma pessoa negra era identificada na imagem era mais fácil identificar, também, uma arma de fogo.

Condicionamento social

Por que isso ocorre? As pessoas são socialmente condicionadas a associar “negros e violência” ou “negros e armas de fogo”. Ainda que, estatisticamente, você possa rejeitar a conclusão dos participantes do experimento, o sistema 1 exerce julgamento com base naquilo que vê na TV ou na Internet e não com base no livro do Morettin e Bussab.

Dado que as pessoas sejam condicionadas dessa forma, um policial não é, necessariamente, racista ao ver um homem negro e suspeitar que o mesmo carrega uma arma ou é um criminoso. Na verdade, ela pode estar sob efeito do mesmo condicionamento que afeta todo resto da sociedade e, inclusive, policiais negros.

Ainda assim, a formação de vieses e estereótipos se diferencia de pessoa para pessoa, dentre outras coisas, porque experiências pessoais os contradizem. Consequentemente, se pessoas negras não fazem parte da sua experiência cotidiana, a tendência é que os vieses e estereótipos oriundos do condicionamento social sejam acentuados. Antes de continuar a leitura, por favor, assista o vídeo abaixo. A sequência do artigo não será a mesma sem isso.

TENTE CONTAR QUANTOS PASSES O TIME DE BRANCO CONSEGUE TROCAR!

A maioria das pessoas não enxerga o urso porque foram condicionadas. Sendo assim, o sistema 2 estava atuando para acompanhar os integrantes do time branco e contar os passes. Pois é, digamos que os recursos cognitivos também são escassos. Vieses cognitivos e estereótipos importam! Além disso, superá-los não é mera questão de partidarismo, ideologia política, “esforço” ou “vontade”. Fica a reflexão…

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