Rachel de Sá
O populismo econômico é caracterizado por políticas monetárias demasiado expansionistas, que conduzem a economia a altos índices inflacionários e subsequente crise de balanço de pagamentos (Sachs, 1989) [1].
Curiosamente, essa frase foi escrita em 1989. Por seu conteúdo, é fácil acreditar que poderia ter sido tirada de alguma avaliação recente sobre a situação econômica brasileira, marcada por preocupáveis recordes negativos: um déficit primário de 0,34% do PIB (ou seja, o setor público gastou mais do que arrecadou, isso sem contar despesas com juros), e um rombo de US$ 90,9 bilhões em suas transações com o restante do mundo (o dito balanço de pagamentos, citado acima), equivalente a 4,17% do PIB. Não obstante, Jeffrey Sachs escreveu esta frase há mais de 25 anos, ao definir o conceito de populismo econômico em artigo sobre conflito social e políticas populistas na América Latina, já consideradas recorrentes na região.
Passado o ápice da crise do final dos anos 1990, autores como Weyland (2003) [2] acreditavam ser o fim da era do populismo clássico – aquele caracterizado por políticas econômicas não liberais – na América Latina. Governos como o de Carlos Menem, na Argentina, Alberto Fujimori, no Peru e, futuramente Lula no Brasil, indicavam que governos populistas “haviam aprendido a lição” e agora se adaptavam às restrições de uma economia neoliberal, enquanto mantinham importantes características políticas de um líder carismático e popular. A América Latina entrava em uma fase então denominada “neopopulismo”, ou seja, um fenômeno capaz de unir políticas econômicas neoliberais a líderes políticos populistas (Ibid.). A estratégia econômica do populismo, definida por Sachs, não mais se aplicava ao contexto latino-americano.
Infelizmente (na minha opinião), Weyland precipitou-se. A tese do ciclo econômico populista de Sachs foi evidenciada primeiro com Hugo Chávez, na Venezuela, depois com Cristina Kirchner, na Argentina, e agora ganha força no Brasil de Dilma Rousseff (além de outros líderes da região). Mas enfim, o que dizia Sachs exatamente?
De acordo com o autor, a principal característica do populismo econômico é a criação de uma “hipoteca para o futuro” (mortgage on the future). Objetivando a redistribuição de renda em detrimento de crescimento e desenvolvimento econômico sustentável a longo prazo, governos populistas implementam políticas expansionistas e de juros baixos, fixando aumentos nominais no salário mínimo, e reduzindo a taxa de desemprego a partir do aumento da demanda agregada. Porém, na ausência de investimentos em produtividade devido à distorção de incentivos (como subsídios e outras formas de protecionismo), a inevitável inflação encontra-se com um crescente déficit em conta corrente (diferença entre importações e exportações) – uma vez que importados tomam o lugar de produtos nacionais, levados pela baixa produtividade e pelo câmbio real sobrevalorizado, consequência do expansionismo monetário.
Nesse contexto, o ciclo populista atinge sua inevitável crise, quando déficits (público e externo) explodem junto à inflação, levando à perda dos ganhos iniciais aos pobres – ameaçando, então, o objetivo primário da redistribuição de renda.
[caption id="attachment_2729" align="aligncenter" width="640"] Los amigos del pueblo[/caption]Qualquer semelhança com o Brasil atual NÃO é mera coincidência. O populismo, então, não deve ser entendido apenas a partir de elementos de estilo político – como a existência de um líder carismático, plebiscitário e centralizador – mas também como uma importante estratégia econômica. Mais precisamente, um conjunto de medidas macroeconômicas usadas para atingir objetivos políticos específicos (Dornbusch e Edwards, 1991) [3].
Como visto no Brasil entre 2010 e 2014, políticas expansionistas de gasto público e incentivo ao consumo privado – como aumento ao crédito direcionado via bancos públicos, cuja participação cresceu de 13,2% do PIB em 2008 para 26,4% em agosto de 2014 – não foram acompanhadas por investimentos em produtividade. Como alertado por Alexandre Schwartsman na Folha de São Paulo em 28 de Janeiro deste ano “[p]elo contrário, o investimento até setembro do ano passado havia caído nada menos que 7,5% na comparação com 2013, recuando para 17,3% do PIB, nível mais baixo desde 2007. Já o consumo, seja das famílias, seja do governo, cresceu 1,4%, reduzindo a poupança bruta para o menor nível dos últimos anos” [4].
O resultado? Inflação acima do teto da meta, contas no vermelho e PIB no zero a zero. Como previa Sachs, o governo Dilma I de fato produziu uma “hipoteca para o futuro”, mas felizmente (para nós, não muito para o governo) o custo político de tal hipoteca caiu no colo de quem o produziu – ainda que o financeiro recaia, em grande parte, sobre a população. Entretanto, nem tudo está perdido. Pode-se dizer que a eclosão de nosso ciclo de populismo econômico não foi antecedida de maneira tão aguda por tentativas de evitar a o colapso, como é claramente visível em nossos vizinhos argentinos e venezuelanos.
Como minimamente detalhado por Sachs, ao tentar evitar a perda de ganhos iniciais da redistribuição e expansão monetária, governos populistas recorrem ao controle de preços e de câmbio, o que frequentemente leva a criação de mercados paralelos de divisa estrangeira e bens importados, somente contribuindo para a deterioração do cenário econômico.
No caso brasileiro, apesar de em seu primeiro mandato, o governo Dilma ter implantado controle de preços – de combustíveis, de energia e de transporte público – e incentivado a política de intervenção cambiária do BC (a partir de suas reservas em moeda estrangeira e operações de swap cambial), convenhamos que “podia ser pior”. A indicação de Joaquim Levy e de sua nova equipe econômica aponta que, dificilmente, chegaremos à situação Venezuelana de um sistema com dupla taxa de câmbio (com maior taxa para competidores de produtos nacionais), ou Argentina, onde a taxa de inflação não se é sabida ao certo, e o mercado paralelo de dólar só aumenta.
É claro que “podia ser pior” não deve ser usado como argumento. Mas, brincadeiras à parte, o ciclo de populismo econômico versão década de 2010 parece chegar ao fim no Brasil. Espero que as aparências não enganem.
Rachel de Sá formada em relações internacionais pela PUC-SP com mestrado em Economia Política pela London School of Economics (LSE)
Referências [1] Sachs, J. (1989) ‘Social Conflict and Populist Policies in Latin America’ (Cambridge, Mass.: 1989) NBER Working Paper 2897 [2] Weyland, D. (2003) ‘Neo-populism and Neo-liberalism in Latin America: How much affinity?’ Third World Quarterly vol. 24 pp. 1095-1115 [3] Dornbusch, R. e Edwards, S. (1991) The Macroeconomics of Populism is Latin America [4] Schwarstaman, A. Folha de São Paulo, 28 Janeiro 2014
Muito bom, o passo seguinte é o tabelamento, seguido do racionamento e no final o colapso.