Quando não é óbvio por quem torcer

Para muita gente, a lógica é cristalina: sou brasileiro, logo torço pela seleção. Torcer pelo Brasil no futebol é talvez o sinal mais óbvio e consensual de amor à Pátria. Outras pessoas possuem critérios futebolísticos mais técnicos: conhecem os jogadores, as confederações e os técnicos, e escolhem vibrar por aqueles que merecem!  E há um grupo minoritário que não está nem aí para futebol, para a Copa, para Neymar, mas se vê obrigado a torcer por algum país sempre que os nossos canarinhos vão ao gramado. Como decidir?

i) Torça por um país que preze a liberdade de expressão

Na Copa de 2010, a Coreia do Norte enfrentou o Brasil. Com medo da lavada que iam tomar (o Brasil ganhou vergonhosamente por 2 x 1), o país comunista determinou que a transmissão do jogo ocorreria somente 17 horas após o apito final. Segundo o ranking de liberdade de imprensa da organização “Repórteres sem Fronteiras”, a Coreia do Norte fica na 179ª posição entre 180 países. O Irã – que participou da Copa no Brasil – está um pouquinho melhor, na posição 173. Na Copa, o Irã empatou o jogo com a Nigéria (112) e perdeu da Argentina (55) e da Bósnia-Herzegovina (66), zarpando logo na primeira fase.

Se o Brasil estiver jogando, vale checar quem é opositor antes de vestir a camisa. Na 111ª posição, estamos mais bem colocados do que nossos opositores México (152), Camarões (131) e Colômbia (126), os dois últimos tendo sido merecidamente derrotados. Já a Croácia (65) o Chile (58) e a Alemanha (14) mereceriam sua torcida.

ii) Torça por um país que cultive a liberdade econômica

A Heritage Foundation publica anualmente o seu próprio ranking de liberdade econômica dos países. Segundo eles, os países da #CopadasCopas que mais merecem aplausos são a Austrália (3º lugar) e a Suíça (4º lugar), lamentavelmente eliminados na primeira fase.

O Chile desponta como o 7º país com economia mais livre do mundo, e foi eliminado nos pênaltis pela 114ª economia mais livre do mundo, o Brasil. Os brasileiros desenvolvimentistas também abateram a libérrima Colômbia, que ocupa a 34ª posição do ranking. Tardiamente a Alemanha (18) pagou o devido tributo à liberdade, eliminando o Brasil por 7 x 1.

[caption id="attachment_1118" align="aligncenter" width="628"] Angie e Dilma: qual o placar?[/caption]

iii) Torça por um país que cuide de seus cidadãos

De acordo com o ranking da qualidade da educação básica PISA, elaborado pela OCDE, o Brasil é o 58º de 65 países avaliados[1]. Abaixo de nós conseguem estar a Argentina (59), a Colômbia (62) e o Catar, que possivelmente sediará a Copa do Mundo de 2022. Dentre os competidores da Copa de 2014, os países de melhor educação são a Coreia do Sul, no honroso 5º lugar, o Japão (7), a Suíça (9), e a Holanda (10), dos quais somente o último avançou na competição, e foi eliminado pelos lanterninhas da educação ontem no Itaquerão.

Somente dez dos 32 países participantes da Copa do Mundo 2014 universalizaram o acesso à saneamento básico, entendido basicamente como a separação entre excrementos e pessoas[2].  Segundo a ONU, o Brasil tem 80% de sua população coberta por essa infraestrutura[3]. Na América do Sul, os melhores nesse quesito são o Uruguai (99,9%), Chile (98,7%) e Argentina (96,3%). Os africanos Camarões, Nigéria, Costa do Marfim e Gana são os piores da lista, com cobertura de 48%, 30%, 24% e 13% respectivamente.

Resumindo

Para quem não é acometido pelo sentimento avassalador que deixou o Brasil aos prantos na última terça-feira, fica a recomendação: não torça por regimes políticos atrasados, por países que limitam as liberdades de seus cidadãos e ainda os deixam ao-deus-dará.

Haverá quem diga que não há associação entre futebol e política, e que a vitória ou derrota dos onze homens em campo não impactarão a avaliação dos donos do poder. Pode ser que em outros países seja assim, mas não no Brasil, onde o governo ficou papagaiando por 8 anos que faria a melhor Copa da história decepaiz pra zelite nenhuma pôr defeito, e onde as pesquisas parecem ter mostrado uma melhoria da aprovação da presidente da República num período em que a única boa notícia foi o desempenho vitorioso da seleção.

Quem politizou a Copa foi o governo. Nesse caso, é sim possível torcer pelo Brasil, contra a seleção.

 Alípio Ferreira Cantisani

  [1] A rigor são 63 países, pois Xangai, Hong-Kong e Macau são avaliadas separadamente. [2] http://epi.yale.edu/our-methods/water-and-sanitation [3] http://epi.yale.edu/content/water-sanitation-raw-data-file