R$ 32,1 bilhões é realmente o custo da pizza do Temer?

Por 251 votos (79 a mais do que o necessário) a Câmara dos deputados rejeitou, pela segunda vez, a denúncia da PGR contra o presidente Michel Temer. Dessa vez, Temer era acusado de obstrução de justiça e organização criminosa. Nessa segunda votação, apesar da margem ainda folgada, Temer teve 12 votos a menos do que na primeira denúncia, votada no início de agosto.

Alguns veículos como Estado de São Paulo e o Globo divulgaram que o custo do arquivamento desta denúncia contra Temer teria chegado a R$ 32.1 bilhões, ou aproximadamente 0.6% do PIB. O valor teria ultrapassado o montante gastos com programas importantes como com o Bolsa Família, orçado em R$ 26 bilhões. Mas será que não há sensacionalismo, ou pelo menos a chamada “contabilidade criativa” na divulgação deste número? Vamos a história completa:

Funrural: Cerca de metade do valor estimado do “custo da denúncia”, ou seja, R$ 17 bilhões viriam do Funrural. O Funrural é uma contribuição previdenciária que incide sobre o produtor rural. Como é complicado fazer essa cobrança em cima da folha de pagamento, o governo optou, em 1992, por fazer a cobrança previdenciária em cima do faturamento e há uma discussão jurídica sobre a constitucionalidade dessa medida, uma vez que ela poderia gerar bitributação. Essa é uma novela antiga e complicada que está em debate pelo menos desde 2010. A decisão final a respeito do perdão ou não dessas dívidas não está nas mãos do executivo. O Senado Federal, em projeto comandado pela Senadora Katia Abreu (que apesar de ser do PMDB tem votado com a oposição) pedia a anistia das dívidas dos produtores rurais junto ao Funrural. O papel do executivo nesta questão foi apenas o de não recorrer aos embargos e deixar a decisão a respeito da questão nas mãos do STF.

Refis: Cerca de R$ 6.4 bilhões teriam vindo do refis. A mudança do refis, que é o programa de parcelamento das dívidas de pessoas físicas e jurídicas junto ao governo federal, foi aprovada por medida provisória pelo Senado Federal. A pressão dos parlamentares junto ao governo foi para que Temer agilizasse a sanção dessa medida, o que o presidente acabou fazendo com 4 vetos. Os vetos de Temer tiveram como objetivo reduzir a perda de arrecadação que a medida provisória previa na sua íntegra. Pela forma como funciona o governo, mesmo que o executivo tivesse vetado a MP na íntegra, esse veto ainda poderia ser derrubado pelo legislativo. Essa é uma medida muito ruim para os cofres públicos, o Ministério da Fazenda era contra e propôs mais vetos, mas a parcela de culpa do executivo nesta questão é limitada.

Privatização do aeroporto de Congonhas: R$ 6 bilhões é o valor estimado que o governo federal poderia obter com a privatização do Aeroporto de Congonhas. Congonhas é o aeroporto mais rentável da Infraero e a sua privatização deixaria essa agência governamental sem sustentabilidade financeira. Ainda que seja possível argumentar a importância das privatizações, especialmente em momentos de crise fiscal, deixar vender ativos rentáveis não significa exatamente “dar dinheiro a deputados em troca de apoio político”.

Multas do Ibama: A menor parcela, cerca de R$ 2.7 bilhões do “custo da denúncia” viria do perdão de dívidas de crimes ambientais junto ao Ibama. O governo alega que apenas 5% desses valores acabavam sendo arrecadados, em geral de pequenos agricultores. Os grandes infratores acabavam recorrendo e tendo a multa perdoada. Ainda segundo o governo, a ideia dessa multa era a de dissuadir o crime ambiental e não arrecadar recursos e que a medida tem como objetivo trocar a multa por serviços ambientais de reflorestamento e preservação o que seria mais efetivo para o meio ambiente.

Na ocasião da primeira denúncia contra Temer, muito foi falado também sobre a liberação de emendas parlamentares. O papel do executivo nesse caso é apenas o de agilizar ou não a liberação desses recursos, que são de execução obrigatória e destinadas majoritariamente para a saúde. Por esses motivos o poder de barganha do Executivo em relação a essas emendas é bastante reduzido.

Uma questão pouco comentada, mas talvez mais importante na negociação do presidente Temer junto aos parlamentares são os cargos de confiança. Segundo levantamento do cientista político Sérgio Praça para a Veja a vitória do presidente Temer na CCJ teria custado pelo menos 63 cargos de confiança no alto escalão do governo federal. Ainda segundo ele, os cargos de confiança seriam hoje a forma mais eficiente de barganha entre o executivo e o legislativo. Os cargos de confiança influenciam as políticas públicas, atuam sobre a concessão de serviços, podem influir em aspectos regulatórios além de autorizar o uso de recursos públicos, e, claro quanto mais altos, mais poder e mais interesse dos partidos políticos.

Dessa maneira, o senso comum da crítica ao governo não só seria sensacionalista como também estaria deixando passar um problema sério. Além disso, ao colocar uma série de medidas bem diferentes dentro do mesmo saco de negociação política para livrar o presidente das denúncias acaba tendo o efeito de imunizar ainda mais a população que está cada vez mais apática a qualquer barbaridade que o governo possa fazer de fato.

Renata K. Velloso – Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.
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