Redução da maioridade penal: questão irrelevante

Convidados Especiais | Marcos Fernandes G. da Silva

Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou recentemente que a redução da maioridade penal não deve diminuir a violência no país. “Não vamos dar uma esperança vã à sociedade, como se pudéssemos ter melhores dias alterando a responsabilidade penal, uma faixa etária para se ser responsável nesse campo. Cadeia não conserta ninguém”.

[caption id="attachment_3763" align="aligncenter" width="620"]maioridade-penal-620x345 Foto: Fatos Políticos[/caption]  

Ele está correto, mas creio que este debate deve levar em consideração algo além dos argumentos jurídicos pró e contra a redução, tais como os modelos de análise de ciências sociais “duras” e a evidência empírica. Tal questão é de tal importância que não pode ser debatida no fervor das emoções, sem racionalidade e consideração do que a ciência pode nos ensinar.

O argumento da redução da maioridade penal se sustenta em dois pilares: ela aumentaria o custo do crime juvenil, inibi-lo-ia e a sociedade tem o direito de, uma vez cometido o crime, fazer o maior de 16 anos pagar por seus atos. Vou me deter inicialmente sobre o primeiro ponto.

A teoria econômica do crime, na sua versão original, sustenta algo próximo ao bom senso: se as penas são elevadas tal fato inibiria o crime. A bem da verdade, a experiência prática mostra que este tipo de análise se aplica para quem já está definitivamente no crime, mas não explica o processo lento e gradual de entrada na criminalidade. Não obstante, a evidência empírica, inclusive para os EUA e outros países, indica que penas duras não reduzem crimes.

Recentemente os modelos de ciências sociais que se utilizam de teorias das redes, teoria dos jogos, ciências sociais computáveis e neurociências têm contribuído ao estudo da violência e do crime.

Em primeiro lugar, o comportamento criminoso em geral está associado, no caso de drogas e assaltos, à formação de gangues, cuja racionalidade vai além da econômica e gerencial, isto é, ao fato de que a ação conjunta e coletiva facilitaria a empreitada criminosa. Tal comportamento envolve também status, inclusão social, sobrevivência (pertencer a uma gangue impõe-se, não é escolha). A base analítica está num trabalho seminal de Edward L. Glaeser, Bruce Sacerdote, Jose A. Scheinkman, este último carioca e conhecedor do tema em questão Crime and Social Interactions.

Em segundo lugar, pobreza e crime juvenil aparentemente, para a evidência e para a teoria, ocorrem de forma conjunta e a simples mudança geográfica das famílias com seus menores reduz a incidência de ações criminosas. Este tipo de estudo aparece em Urban Poverty and Juvenile Crime: Evidence from a Randomized Housing-Mobility Experiment de Jens Ludwig,  Greg J. Duncan e Paul Hirschfield.

Em terceiro lugar, redes de relacionamento aparentemente têm um peso maior que o das decisões individuais sobre o crime. Esta evidência está em Social Networks and Crime Decisions: The Role of Social Structure in Facilitating Delinquent Behaviour, Antoni Calvó-Armengol, Yves Zenou.

Falando português, portanto, aumentar o suposto risco de ser pego e punido ao criminoso juvenil não teria impacto sobre a redução do crime e da violência a ele associada.

A prudência recomenda que, em termos de mudanças legais, não se deve agir no fervor dos sentimentos, sob a influência de políticos populistas que querem jogar pessoas aos leões somente para aumentar popularidade, explorando a paixão e a irracionalidade das pessoas.

Porém, alguns militantes dos direitos humanos, juristas e religiosos aparentemente acreditam na possibilidade de que não há natureza humana e subordinados a uma espécie de lamarckismo social acreditam, mais por fé do que razão, que não existem pessoas essencialmente más, independentemente da idade e do meio. Ao acharem que o meio é o único culpado pelo crime juvenil, santificam o criminoso e abrem espaço para a crítica, igualmente movida por fé cega e violenta, da direita mais extremada. Existem pessoas más. A evidência disto está em, por exemplo, The neurobiology of psychopathy: A neurodevelopmental perspective de Yu Gao1, Andrea L. Glenn, Robert A. Schug, Yaling Yang e Adrian Raine.

Há um vácuo jurídico no que se refere ao crime juvenil: os de extrema violência, como os cometidos pelo notório Champinha e outros, por psicopatas sociais que devem ser punidos pelo simples fato de que a sociedade tem o direito de fazê-los pagar por seus atos (o caso de Champinha é diferente da mera psicopatologia social, pois aparentemente ele possui problemas neurofisiológicos, logo não se imputaria culpa da mesma forma).

Mas, basta alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tratar do aludido vazio jurídico. Ainda temos pouca evidência no Brasil de estudos como estes acima, infelizmente. Mas um dos problemas de formulação de políticas públicas é que o laboratório experimental muitas vezes depende da própria mudança das leis e do ambiente institucional e dos incentivos a ele implícitos. Mas neste caso, arriscar testar uma hipótese comprometendo o futuro de jovens não é somente temerário, como imoral.

Marcos Fernandes G. da Silva

Economista, é professor adjunto doutor do curso de Administração Pública e Governo e do GVLaw da Escola de Direito de São Paulo da FGV, autor de Ética e economia e Formação econômica do Brasil, uma reinterpretação contemporânea.

As opiniões aqui omitidas são de responsabilidade do autor.

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