Regulação de criptomoedas deveria gerar preocupação?

Seria o ambiente de liberdade trazido pelas criptomoedas compatível com regulações estatais de qualquer natureza? Não seria isso um problema que acabaria, no fim das contas, reduzindo as possibilidades de atuação dos projetos e “estragando tudo” o que foi pensado lá atrás?

Se você tem dúvidas como essas, veio ao lugar certo: neste artigo trataremos sobre regulação de criptomoedas – e como isso é bem menos problemático do que parece à primeira vista.

Regular é estabelecer as regras do jogo, apresentar o que pode e o que não pode de maneira geral e buscar alinhar a atuação livre de diversas pessoas ou empresas com o conjunto de direitos e obrigações existentes em um determinado local. Sim, um projeto cripto pode funcionar globalmente, mas em cada país que estiver terá de obedecer normas específicas para aquele local.

E a boa notícia é que isso mais ajuda do que prejudica a continuação dessa revolução que estamos vivenciado.

Regular ajuda? Como assim?

Quando alguma coisa muito nova e diferente de tudo que já aconteceu até então surge, o primeiro estágio é o de contemplação pelas pessoas que observam e potencialmente irão utilizar aquele produto ou serviço inovador. Como funciona essa tecnologia? O que ela traz de novo? Que problemas consegue ou pelo menos tem a intenção de resolver? No começo de todo projeto cripto existem pontos que chamam a atenção de quem usa, mas ainda não geram qualquer fiscalização.

Agora vamos supor que aquele projeto avance tanto que as pessoas não só estejam falando como também utilizando aquela ideia cada vez mais justamente na função para a qual ela foi inicialmente pensada, substituindo meios tradicionais como o dinheiro e até o cartão de débito. É de se esperar que tanta atenção não fique só entre quem a utilize e também chegue aos ouvidos de quem cuida das regulações, certo?

É justamente nesse ponto que algumas pessoas costumam se assustar. “O governo decidir regular não pode significar o fim daquele uso?” é o tipo de pergunta que pode aparecer nessa hora. Porém, se engana quem pensa dessa maneira: tal qual não se pode “desligar a internet”, nenhum governo consegue impedir o avanço de um projeto cripto, mas pode alinhar a visão com seus desenvolvedores e quaisquer outras pessoas que estejam envolvidas com seu uso.

Em bom português, todas as vezes que alguma autoridade governamental reconhece a existência de um projeto para querer definir algumas regras do jogo, isso significa que aquele projeto ganhou maturidade o suficiente para ser encarado como algo que as pessoas realmente utilizam e querem saber mais sobre.

O que é bem diferente de quando a única visão existente é a de que “isso simplesmente não deveria existir”.

Quem fiscaliza as criptomoedas?

Essa pergunta é um pouco ampla e vale a pena olharmos para casos específicos em locais diferentes. Mas, em termos gerais, quando essa fiscalização/regulação acontece, ela está mais relacionada à identificação de quem utiliza as criptomoedas e sobre a atuação das empresas que tenham qualquer envolvimento com elas do que necessariamente em relação a como os projetos funcionam.

Isso é importante porque uma função secundária desse tipo de atuação por meio dos governos é justamente criar estruturas de incentivo a esses projetos, não desincentivo. Ou, mais diretamente: quem fiscaliza criptomoedas tem mais interesse em impulsionar iniciativas diversas do universo cripto (já que se quer regular é porque reconhece sua seriedade) do que querer opinar sobre projetos específicos.

Então, mais “correto” do que perguntar sobre quem fiscaliza as criptomoedas é colocar em questão como isso é feito em diferentes partes do planeta. É justamente por esse caminho que iremos a partir de agora!

China: de paraíso da mineração a zona proibida

Quando falamos de mineração de criptomoedas, a China passou de importante player global para um dos locais que mais busca combater fortemente esse tipo de atuação. Até o final de 2020, mais da metade do esforço de mineração vinha justamente da potência asiática, mas em 2021 uma batalha forte do governo começou a ser travada, com a justificativa de supostamente reduzir efeitos ambientais da mineração e também de proibir as transações, que segundo o governo, tinham foco muito especulativo.

O que pudemos observar foi a seguinte mudança: de principal presença de mineração de criptomoedas do planeta, a China passou a não contar mais com essa atividade no curso de 2021.

Existem especulações de que, tal qual em diversas outras áreas da economia chinesa, a intenção do governo seria na verdade de deixar de lado a presença das criptomoedas por meio de projetos mais conhecidos (como Bitcoin e Ethereum) para que pudesse posicionar alguma tecnologia proprietária – que pudesse inclusive ser totalmente controlada pelo governo.

Levando em consideração o enorme mercado de pagamentos digitais existente na China e sua aceitação e utilização pela população, não seria de se estranhar que a intenção de criar uma moeda digital própria e controlá-la totalmente seja de fato plausível. O problema seria imaginar uma restrição de uso fechada à China, como acontece em tantas empresas de produtos e serviços que acabam tendo espaço apenas por lá.

Temos então que a regulação na China, definida em 2021, foi na direção de proibir o uso e a mineração de criptomoedas, situação esta que segue mantida no primeiro semestre de 2022.

Estados Unidos: de olho, mas ainda com atuação tímida

O ano de 2021 foi cheio de mudanças importantes quando o assunto foi a regulação das criptomoedas e a maior economia do mundo naturalmente não ficaria de fora disso. Uma característica específica dos EUA é que existe certa autonomia de decisão de cada um de seus 50 estados quando o assunto é regular o que quer que seja, sendo que atuações com foco mais amplo (nacional) tem uma dificuldade maior de virarem realidade.

Levando tudo isso em conta, nos últimos anos,  estados como o Texas e o Wyoming aprovaram regulações que buscam colocar as regras do jogo para as empresas que atuam com criptomoedas reconhecendo esses projetos como sendo meios de troca e reserva de valor (como acontece justamente nas moedas fiduciárias).

Em nível federal, o uso do Bitcoin por exemplo não é proibido, mas está sujeito a regulações de cada estado em que você estiver utilizando os serviços.

Em todo caso, o governo federal por lá não está deixando ignorando a existência desse universo.  Na verdade tem conferido bastante atenção a ele: agências reguladoras de valores mobiliários (como ações), a Receita Federal, a agência que regula o trade de futuros e commodities e até mesmo a agência responsável pelo acompanhamento de crimes financeiros estão todas analisando meios de realizar um acompanhamento mais eficiente sobre todo o universo cripto.

Apesar de toda essa intenção, até o primeiro semestre de 2022 o que acontece é que projetos legislativos estão em discussão, mas ainda sem definições maiores.

Europa: projetos avançando em alguns países

No ano de 2021 também tivemos avanços em alguns países da Europa. Assim como no caso de cada unidade federativa nos EUA, cada país traz suas peculiaridades; então vale ficar de olho em casos pontuais antes de ter o entendimento de que todo o velho continente passou a ter a mesma aceitação – porque isso seria um engano.

Em Portugal, a situação funciona da seguinte maneira: ninguém está proibido de fazer negociações utilizando criptomoedas, mas não existe nenhuma agência que seja capaz ou responsável por resolver problemas como “reembolso” e eventual fraude. Apesar disso, os incentivos não diminuem, porque no país não são cobrados impostos sobre essas transações e discute-se até a possibilidade de comprar e vender imóveis utilizando criptomoedas por lá.

Quando falamos do Reino Unido, o que verificamos é que desde 2020 algumas transações com derivativos de criptomoedas foram proibidas, mas mais recentemente tivemos o Ministro das Finanças, Rishi Sunak, afirmando que deseja transformar a Terra da Rainha em polo de desenvolvimento de tecnologias do universo cripto – e, portanto, é de se esperar que o caminho das regulamentações por lá seja justamente o de atrair mais empresas e profissionais que tenham interesse nessa área.

A Alemanha é conhecida por puxar a frente em assuntos que envolvam a União Europeia, e não é diferente nesse caso: recentemente a autoridade federal responsável pela supervisão financeira naquele país fez um alerta: seria importante que as políticas de regulação sobre tudo que envolvem DeFi fossem compartilhadas por toda a Europa, não ficando restritas a cada país, porque quanto mais tempo se perder entre discussões nacionais, mais incentivo para que esses projetos migrem para outras regiões serão colocados.

Não seria surpresa que, no futuro próximo, tenhamos um movimento de maior incentivo à regulação do mercado de criptomoedas envolvendo a União Europa. A ideia é que o bloco se torne um dos pólos de atração e desenvolvimento de projetos cripto.

Brasil, avanços e com um longo caminho a trilhar

O marco mais importante e recente que temos a respeito da regulação de criptomoedas no Brasil foi aprovado pelo Senado Federal na segunda quinzena de abril de 2022 e está indo rumo à Câmara dos Deputados. Trata-se do Projeto de Lei 4401/2021.

Neste projeto ainda em discussão, a ideia é a de fornecer regulação sobre ativos virtuais (que envolve todos os ativos de natureza digital, cripto inclusive). Ainda não há uma definição sobre qual agência seria responsável pelo acompanhamento e monitoramento de crimes nessa área. É improvável que essa atribuição recaia sobre a CVM, uma vez que no Brasil os criptoativos não são, pelo menos por enquanto, considerados valores mobiliários (como ações por exemplo).

Em todo caso, o que já temos muito bem encaminhado até então são os seguintes aspectos:

  • A regulamentação de que fraudes envolvendo ativos digitais sejam passíveis de prisão entre quatro a oito anos além de multa;
  • A isenção de tributação sobre equipamentos envolvidos em processos como mineração de criptomoedas até 2029, com a condição de que usem energia limpa e neutralizem 100% dos gases de efeito estufa gerados nessa atividade;
  • E a obrigatoriedade por parte das exchanges de identificar os ativos por cliente – algo que já acontece de maneira análoga para os bancos, por exemplo.

Como podemos ver, o ano de 2021 foi importante no avanço da regulamentação das criptomoedas ao redor do mundo. É possível dizer que o ano de 2022 também é promissor nesse sentido, sobretudo no Brasil e nos Estados Unidos.

Qual a importância da regulação de criptomoedas, afinal?

Apresentamos neste artigo o que a regulamentação para o universo das criptomoedas significa e como ela tem se desenvolvido em algumas regiões do mundo. Agora, faremos uma reflexão importante sobre a necessidade desse tipo de regulação.

Pense na criptomoeda que você mais conhece, utiliza ou minimamente ouve falar. Pesquise rapidamente sobre o tamanho do mercado que ela tem, o quanto é movimentado ao longo do tempo, quantas pessoas utilizam e assim por diante. Agora pense na possibilidade de um grande acordo entre os países do mundo para que tudo aquilo, da noite para o dia, deixe de existir.

Em primeiro lugar, isso parece realmente possível para você? Bem, como já apontamos, isso seria tão complexo como imaginar que em algum lugar do mundo existe uma “tomada” que possa ser puxada que desligue a internet no mundo inteiro. Isso realmente não é possível de ser feito.

Como segundo ponto, tal qual aquela frase atribuída a Einstein – uma vez que algo existe e expande as possibilidades, é impossível imaginar que as pessoas simplesmente desconsiderem algo que deixe de existir de uma hora para a outra. Ou, se isso te pareceu muito aleatório, não pense numa criptomoeda, mas no PIX: algo tão utilizado por todos nós, todos os dias, seria algo que “não faria falta” se sumisse da noite para o dia?

Regular parece algo que envolve proibições ou restrições que acabam reduzindo a pó diversos avanços que poderiam ocorrer. De fato, em países com tendências mais centralizadoras e autoritárias isso de fato pode acontecer, como vimos no caso recente da China. De qualquer forma, é preciso lembrar que nada realmente relevante, ainda mais quando falamos de aspectos financeiros, fica de fora dos olhares das regras do jogo.

Diferentemente do que pode parecer em um primeiro momento, essa atenção de autoridades reguladoras dá maior status de maturidade a esse tipo de processo, mais ou menos como acontece quando alguma grande gestora de recursos globais passa a considerar um ativo dentro das demais classes de ativos que gere. Isso aconteceu com o Bitcoin, por exemplo, no caso do maior interesse da BlackRock, que faz a gestão de mais de US$10 trilhões.

Quando ouvir falar em regulamentação, antes de pensar “ih, vou ter de parar de usar essa criptomoeda”, lembre-se de que se aquilo não fosse relevante não despertaria tanta atenção das entidades reguladoras. E, claro, não deixe de olhar as novas regras quando forem divulgadas, porque ali estarão as respostas sobre quais autoridades estão de olho nesse campo e como farão isso no dia a dia.

Ah, outras duas coisas que você não deveria deixar de olhar: os outros artigos dessa coluna aqui no Terraço e o Blog da Bitso, combinado?

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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