A situação de crise fiscal em que se encontra o país já não é mais novidade e sua existência é unanimemente observada. Calamidade fiscal é a situação de absoluta insustentabilidade das contas de um ente público – discutem-se apenas os motivos, se seria uma questão de queda de arrecadação ou de aumento sustentado de gastos, mas é notório que há um desequilíbrio imenso pela frente.
Tal situação começou com a declaração do Rio de Janeiro, a pouco menos de dois meses dos Jogos Olímpicos que lá ocorreram [1]. Por algum motivo, fez-se parecer para alguns grupos que “era tudo culpa das Olimpíadas” e que, pagas essas contas, tudo estaria resolvido. Pois bem: mesmo recebendo novos aportes após esta declaração [2] – para “pagar as contas faltantes” –, a situação continuou bastante grave e assim segue até hoje. Recentemente, medidas anunciadas pelo estado foram tidas como austeras e, mesmo com aprovação das mesmas, o cenário ainda será negativo para toda a próxima década [3]:
Nesta semana foi a vez do Rio Grande do Sul de declarar a mesma situação de incapacidade fiscal, já tendo sido apresentadas também certas medidas que aliviariam a situação das contas públicas [4].
Surpresa? Ninguém poderia prever? Não é bem assim: se a situação fiscal dos estados já vinha se encaminhando como complicada nos últimos anos – com sinais como a utilização de subterfúgios para o aumento de gastos com pessoal além do previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal e a recusa de avaliar a eficácia de programas conduzidos com dinheiro público [5] –, mais recentemente os avisos foram só aumentando de tamanho, como com a divulgação, pelo Ministério da Fazenda, de um relatório que apontava crescimento real nas despesas com pessoal entre 2009 e 2015 e no aumento do engessamento do orçamento dos estados [6].
Fonte: Ministério da Fazenda.
A má notícia é que a situação tende a piorar, uma vez que mais estados estão em dificuldade crescente – e ao menos seis deles (Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Goiás e os já citados Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) tem despesas de pessoal acima do limite da LRF [7]. Pior ainda: caso a situação não seja resolvida com ou sem ajuda do governo federal existem estados que estudam até o parcelamento de salários de seus servidores públicos – e, caso o seja, o efeito da dívida será sentido em todo o país, em um momento de já delicada situação das contas públicas.
O que podemos aprender com essa situação? Primeiramente, que viver além das possibilidades – ou, trazendo para a situação atual, contar com recursos temporários (ou ao menos dos quais não se tem certeza da continuidade em determinado montante) para expandir desembolsos permanentes (salários, aposentadorias, etc) – apresenta um risco. Este risco é a restrição do orçamento e do endividamento e, quando alcançado, faz com que medidas drásticas (como a redução em até 30% dos salários, ideia levantada no RJ) comecem a ser tratadas a toque de caixa para tentar resolver a situação. Em segundo lugar, que avaliar a eficácia de qualquer tipo de gasto público faz diferença mesmo quando as receitas estão subindo a ponto de gerar a ilusão de comportarem qualquer tipo de gasto, pois quando há uma queda da arrecadação, perdem por exemplo os institutos de pesquisa e restaurantes populares – que podem ser reduzidos ou extinguidos, independente do benefício que oferecem – em prol do pagamento de salários de servidores – que, em diversos casos, dada a típica negação de avaliação de desempenho no setor público, existem em quantidade superior às demandas que poderiam atender (no RS é essa troca que está sendo proposta para ocorrer).
O problema é cada vez maior e não parece dar sinais de arrefecimento. Mais estados devem anunciar situação análoga ao RJ e ao RS nos próximos meses – talvez os outros quatro que estão acima dos limites com as despesas de pessoal, talvez outros, mas certamente mais alguns, independente da ajuda ou não do governo federal a estes entes.
Em momentos como estes resta a reflexão: viver além das possibilidades, deixando de considerar reais demandas e focando em cenários idealizados em que “nada pode dar errado” é uma ideia que custa muito caro – e, afinal de contas, a responsabilidade fiscal não é algo a ser deixado de lado ou para o futuro, precisa ter atenção ao longo do tempo. Se John Maynard Keynes afirmava que “no longo prazo todos estaremos mortos” para justificar o aumento de gastos por parte do Estado, é bom que os estados comecem a pensar sobre os danosos efeitos deste longo prazo que chegou.
Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico
Notas [1] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36566996 [2] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/06/rj-deve-receber-cerca-de-r-3-bilhoes-apos-decretar-calamidade.html [3] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/governo-do-rj-apresenta-pacote-de-medidas-para-combater-crise.html [4] http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/11/confira-as-medidas-que-integram-o-pacote-de-sartori-8423234.html [5] https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2016/A-crise-fiscal-dos-Estados [6] http://www.fazenda.gov.br/noticias/2016/maio/200brelatorio-de-analise-dos-gastos-publicos-federais-revela-rigidez-orcamentaria-e-peso-da-previdencia [7] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-05/seis-estados-estao-acima-do-limite-de-gastos-com-pessoal