Separe sempre o desejo da realidade

A eleição de Bolsonaro abriu nas mentes das (algumas) pessoas uma questão interessante. Como tentar entender melhor, dentro do campo de previsões de todo tipo, o que realmente é encaminhamento de algo real ou mero ruído? Apresento aqui como ruído aquela informação que não muda nenhuma tomada de decisão prática.

Política a parte, cito que a as eleições de 2018 foram um marco porque, pela primeira vez em um considerável período de tempo, a dicotomia entre o que se espera e o que de fato acontece foi escancarada. Mesmo com a “máquina de moer do stablishment” ligada a todo vapor ainda assim tivemos a eleição de um dito azarão. Talvez porque não tenhamos olhado o que acontece pois ficamos agarrados às nossas próprias expectativas.

Esse tipo de reflexão serve para quase tudo que envolva previsão. Pra onde vai o dólar? E a Selic? O preço da energia elétrica? E da carne? Tendemos naturalmente a colocar como expectativas futuras aquilo que gostaríamos que ocorresse mais do que aquilo que a realidade nos indica que ocorrerá.

Uma grande questão dos tempos recentes, por exemplo, é o do caminho que os juros brasileiros têm seguido. Nesta última quarta-feira, 05/02/2020, o COPOM decidiu reduzir a Selic de 4,5% para 4,25%, o que é a menor taxa nominal de juros da história do país. Na prática, isso sinaliza que todos os nossos problemas estão acabados? Seria o ideal pensar assim, mas não se pode esquecer que esse nível de juros ocorre enquanto caminhamos para o sétimo ano seguido em déficit primário, o que demonstra como nosso lado fiscal, apesar da reforma da previdência aprovada, ainda segue bastante prejudicado.

No fim das contas, um dos aspectos que mais deve ser observado acerca de qualquer tipo de informação ou dado apresentado é o impacto que ele tem em seu contexto local e em um contexto mais amplo. Praticamente nada no mundo é “totalmente positivo” ou “totalmente negativo”, pode ser mais positivo/negativo para um determinado grupo e ter sinal inverso para os demais. Três exemplos que se seguem explicam melhor o que quero dizer.

O mercado de energia elétrica utiliza como medida de precificação de curto prazo o chamado Preço de Liquidação das Diferenças, que é divulgado semanalmente no site da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. De acordo com reportagem recente do Valor Econômico, o nível elevado e chuvas recentes e uma mudança que permite escoamento de energia de Belo Monte para o Sudeste permitirá que o preço do MW/h, que já vem caindo recentemente (da faixa de R$300 para R$200), possa cair ainda mais nos próximos meses (para a faixa de R$100).

Nesse momento, uma pergunta: notícia positiva ou negativa? Depende do contexto em que se está observando. Para a população como um todo e para a indústria que se utiliza de energia elétrica, boa notícia porque indica que esse custo poderá diminuir. Mas, observando a parte da indústria que produz energia em suas diferentes maneiras, trata-se de uma desincentivo essa redução esperada de preços.

O mercado da carne se aqueceu após alguns encontros do governo brasileiro com a China. Por aqui, isso fez com que o alimento tivesse uma alta que inclusive ajudou a deixar o IPCA em patamares acima do que se esperava (ainda que pontualmente). Péssima notícia para o brasileiro, que consome carne, mas grande notícia para quem é do setor.

Imagine alguma entidade que defenda algum setor específico – no Brasil é fácil pensar nisso, são tantas! – que recebe algum dado de abertura comercial ou alguma permissão análoga a entrada de produtos estrangeiros que possam concorrer com aquele que o setor produz. Para o setor, isso quer dizer que o país todo vai sair prejudicado. Ao consumidor, ter mais opções (possivelmente melhores) será benéfico.

Percebe como é possível ter uma mesma notícia com impactos diferentes quando se observam contextos diferentes?

É claro que não dá pra ser altruísta o tempo todo (“ah, é bom para o Brasil, então tudo bem eu quebrar”), mas é importante ter cuidado com fontes setoriais que falam de seus impactos locais como se fossem globais – e analisar qual o “saldo” entre as benesses e perdas que qualquer previsão ou dado apontam. Ou então você acabará se influenciando por algum ruído e tomando decisões equivocadas.

Muito válido reforçar que, sim, a verdade está nos dados. Verifique sempre como são obtidos, como são formados e o que querem dizer em contextos mais próximos e mais distantes a você. Não é porque algo te prejudica que está prejudicando o todo, nem porque algo te beneficia que estaria beneficiando ao todo. É o saldo que faz a diferença.

Dessa forma, deixo aqui duas dicas que julgo como interessantes: o livro Como mentir com estatística, que é um clássico que mostra como os dados (com a informação verdadeira) podem ser apresentados a você de modo que te enganem meramente pelo jeito que são apresentados; e o pensamento para reflitir sempre sobre como sua visão pode estar sendo alterada pela bolha em que você está inserido.

Em uma era de especialistas de tudo e descrença em pesquisas de previsão de basicamente qualquer coisa, procure os dados e saiba como são formados antes de qualquer coisa. Vale mais saber usar uma informação que tenha impacto do que simplesmente bradar ao mundo uma opinião que não leva a nada.

Refletir sobre isso bate no nosso próprio ego e dói um bocado. Mas é necessário para não ser enganado por suas próprias percepções.

Caio Augusto, editor do Terraço Econômico, assina este artigo.




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