Já faz algum tempo, a onda de bancos digitais mostrou para o mercado que nem sempre criar serviços financeiros é um mar de rosas — na realidade, está bem longe disso. Ainda que o sonho de todo empreendedor de fintech seja criar um banco, isso pode vir a ser um equívoco, trazendo mais prejuízos do que vantagens.
Primeiro, vamos analisar o caso dos Neons. Sim, existiam dois. A instituição financeira foi liquidada pelo Banco Central e imediatamente todas as suas operações acabaram, basicamente por dois motivos: 1) O banco estava usando o dinheiro dos seus clientes sem ter patrimônio líquido para cobrir. Todos as instituições fazem isso, sem exceção, mas o que acontece nos casos convencionais é que elas precisam reconhecer o uso do dinheiro no seu passivo para que, pelo menos contabilmente, o patrimônio líquido seja o suficiente para quitar todos os compromissos. 2) O Banco Central identificou uma falha grave nos processos de know your customer.
O know your customer é um processo por meio do qual bancos e empresas são obrigados a estabelecer regras para evitar que sejam usados para fins ilegais (lavagem de dinheiro, terrorismo, tráfico e outros delitos). Até 11 de setembro de 2011, essas exigências não eram tão rígidas no mercado americano, o que impactava no mundo todo. Com o USA Patriot Act de outubro de 2011, o governo americano passou a exigir que as as contas de todas as organizações fossem identificadas — pessoas físicas, todos os seus acionistas, independentemente da estrutura jurídica implementada. No Brasil, os marcos históricos para esse recrudescimento da fiscalização acontecer foram a Operação Lava Jato e o escândalo Panamá Papers.
Mas voltemos ao caso Neon: no mesmo dia do anúncio da liquidação, o Banco Inter teve seus dados invadidos depois que um hacker obteve acesso a todos os sistemas, incluindo números de cartões de crédito e documentos dos clientes. Apesar de o banco negar, é de conhecimento geral que esse é o primeiro estágio para tentar conter um problema desse tipo e que a probabilidade maior é que os dados tenham realmente sido roubados (até porque a análise foi feita por um site com muita credibilidade no ramo da tecnologia).
O ponto a ser discutido é que a regulação bancária é extremamente pesada, as autarquias têm mão de ferro em cima dessas instituições e não perdem tempo antes de fechar empresas ou puni-las. Há pouco mais de um mês o Banco Central emitiu uma circular a respeito de segurança cibernética, com o argumento de que queria evitar o que aconteceu no Inter. Coincidência? Isso é pouco provável.
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Mas por que ser um banco se com a tecnologia é possível criar a mesma experiência bancária sem ter que, de fato, se submeter às regulações bancárias? No caso das instituições de pagamento, estas podem oferecer praticamente todos os serviços tradicionais, mas com regras bem menos complexas e um modelo de negócio bem mais flexível. Além de dispensar qualquer conversa com o Banco Central antes de movimentarem grandes quantias de dinheiro, como mais de R$ 500 milhões por ano, o que lhes garante um sandbox regulatório natural semelhante ao que foi feito no México.
Dois casos práticos são a Neon Pagamentos para pessoas físicas, ou a ASAAS, para empreendedores individuais. Ambas, prestam serviços financeiros sem ter a necessidade de licenças bancárias. Estas empresas não deveriam trilhar o caminho para se tornarem bancos, uma vez que sendo uma instituição financeira (nos moldes de um banco tradicional), terão um fardo regulatório que irá atrasar, se não acabar, com a sua capacidade de inovação e adaptação ao mercado.
Instituições de pagamento como a ASAAS, são o mais puro exemplo de shadow banking. O termo criado em 2007 serve para descrever empresas financeiras não conectadas aos sistemas de liquidação dos bancos centrais, mas que desempenham um importante papel de inclusão financial.
As instituições que seguirem um caminho mais livre de regulações, terão mais chances para inovar e criar produtos financeiros mais interessantes, em um mercado altamente regulado e competitivo. Isso mostra que ser um banco pode ser uma má ideia.
Piero Contezini Empreendedor, cofundador e CEO da Asaas.