A recente discussão sobre a mudança da taxa de juros que é aplicada sobre os empréstimos do BNDES – da TJLP para a TLP – traz à mesa uma questão ainda mais ampla: para que existem os subsídios?
A ideia de subsidiar algum setor advém do fato de que, em teoria, o desenvolvimento daquele setor só poderia ocorrer caso este seja objeto de condições diferenciadas em algum período de tempo, pois, após receber tais incentivos, conseguirá tornar-se competitivo dentro de seu mercado de atuação. Outro caso aqui considerado é quando esse subsídio se dá de maneira social (quando a sociedade arca com o custo de melhoria de algum grupo não necessariamente em termos produtivos). Todo subsídio é de custo difuso em termos sociais, ou seja, a sociedade acaba arcando com seus custos – a diferenciação aqui feita é apenas entre os que estão diretamente associados a produção e outros que estão relacionados a aspectos sociais mais amplos (como se verá adiante, a diferença por exemplo entre o Plano Safra e o Bolsa Família).
No fim das contas, subsídios podem ser explicados diretamente como a concessão de um benefício – um recurso a mais ou a suspensão de um pagamento obrigatório – mediante um conjunto de condições que devem ser obedecidas por este que recebe, com objetivo de melhorar a situação atual deste recebedor da benesse.
Em nosso país, temos tanto exemplos positivos como negativos quando o assunto são os subsídios – apesar de muitas vezes o senso comum sinalizar que qualquer tipo de subsídio seja ruim.
No lado positivo, temos o subsídio agrícola, que no Brasil é surpreendentemente um dos menores do mundo [1]. Encara-se este subsídio como importante, porque apoia um setor bastante produtivo do país – produtividade esta que coloca o Brasil entre os países de maior produtividade agrícola do mundo [2]. Este subsídio ocorre de diversas maneiras, desde a destinação de recursos para grandes centros de pesquisa como a EMBRAPA e a Esalq/USP até a concessão de empréstimos a juros subsidiados, a partir do chamado Plano Safra. Diferentemente do caso internacional, políticas de preço mínimo diretamente não costumam ser aplicadas no Brasil, apesar da existência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que busca controlar a oferta de alguns produtos agrícolas.
Ainda no lado positivo, focando mais em uma política social, temos o Bolsa Família. O programa pode ser encarado como um “imposto de renda negativo”, em que as famílias mais pobres do país recebem recursos condicionando a um conjunto de práticas que envolvem melhor cuidado em educação e saúde. Este programa é internacionalmente elogiado em seu ponto de erradicação de pobreza [3] – portanto, é, em termos sociais e econômicos, produtivo.
Já do lado negativo, temos no Brasil diversos exemplos de políticas que buscaram proteger setores específicos, como automotivo e naval, a partir de medidas como a desoneração de folhas salariais e, não podemos nos esquecer, de linhas de crédito barato (ou seja, subsidiado) via BNDES – que totalizaram quase R$900 bilhões apenas nesta década que estamos [4]. O jargão de “Campeãs Nacionais” sumariza bastante do ocorrido: empresas de grande porte (que, portanto, poderiam captar recursos no mercado privado) recebendo recursos subsidiados ou, na prática, uma transferência de renda de toda a sociedade para as maiores empresas brasileiras. Isso porque não foram observados ganhos de produtividade e nem geração de novos empregos nestes que receberam as benesses: houve, em média, apenas um aumento das margens de resultados financeiros, o que comprova a tese da transferência pura e simples.
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração por Victor Candido.No gráfico acima temos uma ilustração direta do efeito dos empréstimos do BNDES ao setor industrial: o contínuo aumento dos desembolsos significou uma elevação na produção industrial, o que poderia significar que estes empréstimos foram indispensáveis, se não fosse o caso de, como pode ser observado a partir de 2014, as reduções nestes valores impactassem igualmente na redução de atividade do setor. Em outras palavras: o efeito consistente em produção inexiste, só apareceu enquanto o dinheiro subsidiado estava presente, não mostrando-se sustentável após a concessão do subsídio – este que, como já apresentado, não é (ou ao menos não deve ser) permanente, mas sim transitório.
Os subsídios têm sua importância, mas podem ser mal aplicados. O que tornaria uma política de subsídios boa? E o que faz com que outra possa ser danosa? A diferença entre uma política de subsídios eficaz e outra que apenas representa um custo para a sociedade está em como ela é executada e como pode ser verificada.
Marcos Lisboa apresenta uma visão interessante sobre este assunto: uma política de subsídios é positiva para a sociedade quando há a apresentação dos custos incorridos – o que ela vai perder com isso, qual a troca que está sendo feita entre um aumento de preços hoje e um benefício futuro – e, durante sua execução, tem-se uma avaliação de efetividade [5]. Outro ponto importante levantado: não é possível que se protejam todos os setores ao mesmo tempo, pois, ao fazer isso, temos no fundo que nenhum setor está realmente protegido.
A importância de se verificarem e acompanharem os efeitos de políticas de subsídio é também primordial para que se possa responder ao questionamento básico: “valeu a pena ter arcado com esses custos? Tivemos os avanços esperados?”.
Nos casos positivos aqui levantados temos elogios diversos e, mesmo assim, não é prudente que se descuide de acompanhar seu andamento. Ricardo Paes de Barros, um dos idealizadores do Bolsa Família, levanta interessante analogia: “os programas sociais precisam de relojoeiros” [6], uma vez que sua criação pode ser acertada ou não, mas só se descobre isso avaliando seu desempenho. Já quando tratamos dos casos negativos, temos além de um efeito fiscal negativo considerável, contas que deverão ser pagas pelas próximas gerações – e, nota-se, sem que haja expectativa de retorno em produtividade advindo dessas políticas, o que faz com que elas sejam social e economicamente improdutivas.
Voltando agora à proposta de mudança na taxa de juros utilizada pelo BNDES. Ela não zerará os subsídios existentes, apenas os diminuirá, e os tornará mais transparentes ao passo que estes deverão ser devidamente incluídos e aprovados no orçamento do Congresso para que sejam concretizados. Isso ocorre porque o governo é o agente com menor risco de calote na economia e, portanto, não é possível que, enquanto ele realize empréstimos, tenhamos outros emprestadores com sua mesma taxa de juros. A ideia desta mudança é de reduzir exageros existentes na atualidade cujos custos sejam menos justificáveis [7].
Quaisquer tipos de subsídios têm um custo social advindo da alteração mercadológica que realizam. O problema não está puramente em “tê-los ou não”, mas sim sobre o que fazemos com eles. Sem avaliação, não se sabe se eles estão indo bem ou não – e, no fim das contas, isso acaba significando que eles vão se acumulando em um custo imenso, e que a sociedade desconheça os reais efeitos mesmo arcando com seus custos.
É sempre importante ter em mente os caminhos que levam a uma utilização adequada de subsídios. Deste modo, programas pouco justificáveis como o desenvolvido pelo BNDES nos últimos anos (que deixou empresas grandes maiores e mais concentradas o que contradiz o sentido do próprio nome do Banco) e outros conjuntos de ideias que protegem tanto os consumidores quanto uma peneira faz sombra sob o sol deixem de estar nos planos dos governos que virão, deixando espaço apenas para os que, apesar de seu custo, mostrem avanços que justifiquem sua existência.
Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico Notas:[1] http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2599:catid=28&Itemid=23
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