Em 2016, o eventual candidato à presidência, Ciro Gomes, visitou a Universidade Harvard. Uma pergunta feita ao político por uma jovem brasileira — que estudou astrofísica e ciências políticas na instituição — repercutiu nas redes sociais. Hoje, 2019, a mesma jovem é deputada federal pelo PDT e um dos emblemas do ativismo pela educação no Brasil. Periferia de São Paulo, Harvard, Brasília e agora neste Terraço, entrevistamos: Tabata Amaral. Terraço Econômico: A educação é a base de avanço sustentável e de longo prazo para qualquer país que queira rumar ao status de desenvolvido. Por mais complexa que seja a missão, considerando o longo prazo, que atitudes você sugeriria aos governos para que, assim como países que fizeram grandes transformações educacionais (Coreia do Sul e Singapura, por exemplo), possamos encarar uma transição séria rumo a um nível educacional mais robusto e consistente que o atual? Tabata Amaral: Hoje, o maior desafio que o Brasil enfrenta na área de educação é que não apenas temos uma agenda muito antiga, que é a da alfabetização, da formação dos professores, de um ensino médio que faça sentido para os jovens, que seja conectado com o mercado de trabalho, ensino técnico, profissional, etc. [Agenda] a qual vários países já conseguiram resolver, já enfrentaram e deram conta. Ao mesmo tempo, estamos vendo se impor uma agenda muito nova, que é uma agenda que vem com a quarta revolução tecnológica, que fala das profissões que estão mudando, das novas profissões que estão surgindo, das habilidades socioemocionais. Na minha visão, o nosso maior desafio é esse: ao mesmo tempo, como damos conta dessa agenda antiga e nos preparamos para essa agenda nova, que muitos países ainda não ofereceram uma resposta, ainda não sabem como lidar? Dito isso, qualquer solução que oferecermos vai precisar resolver esses dois problemas. Uma visão um pouco mais ampla, que fale de uma educação integral, que prepare os alunos não só para as habilidades cognitivas, mas também para as habilidades socioemocionais. Ela hoje já não é uma opção, não é luxo, é imprescindível para qualquer país que queira estar pronto, tanto para os dias de hoje quanto para o futuro. Esse investimento em uma educação básica, integral e de qualidade é essencial quando olhamos para os desafios que o Brasil vem enfrentando. Terraço Econômico: E no Brasil, a situação atual da educação é um sintoma ou a causa de nosso baixo nível de desenvolvimento econômico? Você acredita que há boas práticas na história do país que poderiam ser reutilizadas para perpetuar um projeto melhor de educação a longo prazo? Tabata Amaral: Justamente por ser um país com um nível de educação muito baixo, um estudo fala que sete a cada dez adultos no Brasil, em algum nível, são analfabetos funcionais, não tem a capacidade de compreensão da leitura. Nesse país, não temos ainda uma demanda que fala de qualidade na educação. A geração que veio antes da minha sentiu a falta que a escola fazia, porque não teve acesso sequer às escolas como estruturas físicas. Então, [essa geração] aprendeu a demandar a escola e, de certa forma, os políticos foram responsivos. Temos hoje quase todo mundo, pelo menos, no ensino fundamental I. Um problema que temos é: essa mesma população, por não ter tido acesso à educação nenhuma, não sabe o que é educação de qualidade e não conseguem fazer essa demanda por uma educação de qualidade, não apenas por escolas. É por isso que eu coloco tanta esperança na mobilização de jovens que, de certa forma, estão tendo acesso à educação pela primeira vez na sua família, nas suas comunidades e já sentem a necessidade de uma educação de qualidade, não só de termos escolas. O Brasil tem bons exemplos, com os quais podemos aprender. O que me inspira muito é Sobral, no Ceará, que fez uma decisão política pela educação e hoje tem um nível de educação superior a países desenvolvidos, da OCDE. Se conseguimos colocar todo mundo na escola, ofertar uma educação de qualidade, fazer uma formação continuada séria dos professores no interior do Ceará, com certeza damos conta de fazer isso no restante do Brasil. Foi uma opção política, priorizou-se coisas muito básicas e que tem um custo alto político, como o fim da indicação de diretores escolares, indicação política, uma formação continuada será dos professores, etc. Terraço Econômico: Vários estudos demonstram a importância da educação na primeira infância. Que ações o legislativo brasileiro pode implementar para melhorar a situação das crianças nessa faixa etária e que poderiam influenciar positivamente o futuro desses indivíduos e de todo o país? Os recursos sairiam de onde? Tabata Amaral: Uma coisa bacana que hoje ninguém questiona mais a importância da primeira infância, pelo menos não nos meios em que se fala de educação de forma séria. Temos um desafio gigantesco de implementação e, nesse caso, precisamos criar um entendimento de que as creches são mais necessárias e mais urgentes, especialmente nas periferias, nas favelas, nos interiores, porque hoje há uma concentração de creches nos centros das cidades, etc. Acho que essa coisa de “já que não damos conta de ofertar para todo o mundo, vamos ofertar primeiro onde mais se precisa” e uma visão um pouco mais integral da primeira infância. Há situações em que colocar a criança muito pequena às vezes não é a melhor solução para ela, mas, com certeza, não podemos privá-la do acesso a uma primeira infância de qualidade. Pensar numa atuação conjunta da saúde, da assistência, da educação, talvez como tivemos na saúde, que é um exemplo muito bom do Brasil, de pessoas que vão até às casas, visitam, levam informação, fazem um acompanhamento. Falta, primeiro, a focalização dessa política pública, um entendimento um pouco mais amplo do que é a primeira infância, com esses profissionais que possam auxiliar as mães. Acho que vale dar uma olhada no projeto do deputado Pedro Cunha Lima, que cria alternativas ao financiamento de primeira infância. Não é a única solução, mas é uma importante e acho que está na hora de fazermos esse debate no Brasil. Terraço Econômico: Como você analisa o atual sistema das universidades públicas “gratuitas”? Gosta da ideia da cobrança de mensalidade de acordo com a faixa de renda da família e/ou do aluno, como implementado em alguns países? (Em algumas universidades privadas na França, por exemplo, a mensalidade é cobrada de acordo com a faixa de renda da família, podendo chegar até uma quantia “simbólica”). Tabata Amaral: Eu não me oponho que as universidades cobrem daqueles alunos que podem pagar e não cobrem daqueles que não podem, mas, eu acho que o Brasil não está pronto para esse debate ainda. Temos um ambiente muito polarizado, de muitos ataques ao ensino superior. As faculdades hoje não têm liberdade, autonomia, para se financiar com doações de ex-alunos, parcerias com empresas. Temos ainda o financiamento público da pesquisa que, como ficou claro neste ano, não é uma garantia, não é entendido ainda com um projeto de Estado. Ainda que eu não me oponha a esse debate, acho que alguns debates vêm antes, como é o caso da autonomia financeira das universidades também para o seu autofinanciamento. Terraço Econômico: Como você vê o investimento privado dentro das universidades públicas? Acredita que ele pode coexistir com o investimento público? Nessa linha, quais tipos de modelos e projetos acredita que fazem sentido para o Brasil? Tabata Amaral: Me inspiro muito nas universidades americanas. Com certeza, para várias linhas de pesquisa, faz muito sentido parcerias com o setor privado. Por exemplo, parcerias com empresas específicas, parcerias com outros centros de pesquisa e a isso não me oponho. Acho que temos muito a aprender, os endowments [fundos que arrecadam doações de entidades privadas para financiar atividades universitárias], com doações de ex-alunos, etc. Mas, acho que vale fazer o ponto também de que, em todos os países desenvolvidos e que inovam, o financiamento público é muito relevante. Então, essas duas coisas caminham em conjunto, até porque não podemos depender apenas do mercado para financiar a pesquisa. Há linhas de pesquisas que têm um valor muito no longo prazo, como é o caso do Congresso americano que todos os anos financia a NASA que, com certeza, é de extrema importância para o desenvolvimento dos Estados Unidos. Terraço Econômico: Você recentemente se colocou a favor de uma reforma da Previdência, levantando pontos para adaptação da atual proposta do governo Bolsonaro. Você acredita ser importante o equilíbrio do orçamento público para um país? Tabata Amaral: Estamos chegando num momento, pelo menos eu espero, em que defender a responsabilidade fiscal não seja mais uma coisa de direita, como é o caso, ou de esquerda, mas que seja um consenso. Só vamos conseguir colocar todo mundo no mesmo ponto de partida, entregar bons serviços públicos, se tivermos as contas em dia. Nesse sentido, e também falando muito da mudança demográfica que estamos vivendo, do fato da nossa Previdência transferir muito dinheiro dos mais pobres para os mais ricos. Eu defendo sim uma reforma da Previdência, tenho divergências grandes com a proposta do governo Bolsonaro, porque foi feita do ponto de vista fiscal e não buscando uma maior igualdade, protegendo os mais vulneráveis e uma sociedade tão desigual como a nossa A melhor postura que eu posso ter, pelo menos a mais responsável, é lutar pela por uma reforma da Previdência que não só resolva o problema fiscal, mas que seja justa e que faça sentido num Brasil tão desigual como o nosso. Terraço Econômico: Nesse contexto, o Brasil já gasta uma quantia considerável em educação como porcentagem do PIB (por volta de 6% — perto ou acima da maior parte de países da OCDE); você acredita ser um problema de pouco investimento, ou de investimento mal gerenciado e com políticas públicas com focos errados — um exemplo é a priorização na educação superior em detrimento da qualidade da educação básica? Tabata Amaral: O debate sobre investimentos no Brasil é muito polarizado. É importante não cairmos para nenhum dos dois lados, que acabam sendo muito simplistas. É verdade que temos um investimento em relação ao PIB comparável aos países envolvidos, só que o Brasil tem muito mais crianças do que esses países. Quando olhamos o investimento por aluno, ele fica aproximadamente na faixa de 50% do investimento ou até menos desses países. Não é uma coisa só de “tem dinheiro demais”, quando olhamos por aluno não é tão verdade. Mas é claro que sim, há um investimento que é mal feito, há uma falta de priorização e é por isso que uma das minhas bandeiras principais para este ano é a reestruturação do Fundeb, que ele esteja na Constituição. [O Fundeb] é o fundo de financiamento da educação básica no Brasil, que ele esteja na Constituição, seja mais redistributivo, conte com uma maior complementação da União e também seja uma alavanca de qualidade, criando incentivos para aqueles municípios que mostram uma boa evolução, tanto em processos quanto em resultados. Terraço Econômico: A falta de inovação, tecnologia e a adaptação do currículo escolar, conforme a velocidade que mundo exige hoje, faz com que jovens não sejam minimamente preparados para encarar a realidade do mercado de trabalho e/ou iniciar os estudos no ensino superior. Quais seriam as principais ações para redesenhar um plano de educação que tenha aderência ao mundo atual e como poderia ser feito o controle e gestão da qualidade? Qual sua visão sobre o ensino de ferramentas como a programação de computadores? Tabata Amaral: São dois pontos principais, de novo, como ter uma visão mais integral na educação, que entenda que as habilidades socioemocionais são igualmente relevantes pro sucesso dos alunos e acabam alavancando as habilidades cognitivas; e também como pensar o novo ensino técnico e profissional no Brasil, que hoje acaba sendo um beco sem saída, é muito pouco conectado com o mercado de trabalho, faz pouco sentido para os jovens e precisa estar inserido num sistema em todo conhecimento conta. Muito inspirado num sistema inglês, como fazemos para um curso técnico ou tecnólogo conte pontos para uma futura graduação e, de fato, estar conectado com as demandas in real time, com o que está acontecendo no mercado e fazendo sentido para os jovens também. Terraço Econômico: Logo que assumiu o cargo, o ex-ministro Vélez Rodríguez causou polêmica ao afirmar que universidade “não é para todos”. Você concorda com ele ou acredita ser possível oferecer ensino universitário para todos, sendo que hoje apenas 15% dos brasileiros têm ensino superior completo? Tabata Amaral: Eu discordo da frase do ministro Vélez, até porque seria uma incongruência alguém que vem da periferia, cujos pais não terminaram a educação básica e fez ensino superior com oportunidades na educação, acreditar que só ricos podem alcançar o ensino superior. Uma sociedade não se faz apenas com pessoas que têm uma formação acadêmica de quatro, cinco anos, como é o caso do ensino superior. Precisamos ter certeza de quem está indo para o ensino superior por vocação e quem está indo para o ensino técnico ou para um outro tipo de formação é por opção, e não porque nasceu em determinado lugar, tem determinada cor, é homem ou mulher, etc. Entendo que uma sociedade se faz, de novo, com um ensino que seja ao longo da vida, que cada curso conte, que cada formação contribua para essa formação mais ampla ao longo da vida; mas, entendo que a escolha, e fazemos isso com uma educação básica de muita qualidade, não pode depender de onde você nasceu, de quem você é. Ela tem que depender da sua vocação, do que você quer fazer no futuro ou da sua profissão. Terraço Econômico: Infelizmente, o ambiente político brasileiro ainda sofre de extrema polarização. Você faz parte de uma racionalidade importante, que leva em consideração aspectos relevantes dos “dois lados”. Por exemplo, sendo favorável à reforma da Previdência, mas criticando alguns de seus pontos específicos. Após tantos anos de polarização, você acredita que, com exemplos positivos como o seu, será possível caminharmos para uma maior racionalidade do pensamento político? Tabata Amaral: Na minha visão, a polarização acontece e se justifica por uma sociedade que mostrou descontentamento, um ranço muito grande com a política como estava aposta, mas que ainda não descobriu que política ela quer colocar no lugar, e aí caminhamos para os extremos. A maior contribuição que podemos dar neste momento, antes de tudo reforçando que não existe tanto uma velha ou uma nova política, mas que sim, existe a má e a boa política. Então, fazendo uma boa política, mas, também apresentando propostas, soluções, visões de mundo, porque o Brasil está nesse caos desde 2013 e é importante que novas lideranças surjam com projetos de país. Só isso pode trazer as pessoas para o espectro democrático. Terraço Econômico: Se a Educação não fosse sua maior bandeira, qual outra iniciativa você gostaria de defender? Tabata Amaral: No mandato eu tenho quatro pilares de atuação. O primeiro é a educação, obviamente, mas também viemos atuando de maneira muito forte na área de direito das mulheres e futuro sustentável. Como nos preparamos como sociedade para esse mundo que está mudando tão rapidamente com a revolução tecnológica e com as mudanças climáticas? E também inovação política, como levamos novas práticas e ideias para a política, que possam influenciar a relação das pessoas com a democracia? Terraço Econômico: Qual é sua maior pretensão política? Entendo que queira completar seu mandato como deputada, mas pretende concorrer para algum cargo no Executivo, após o fim de seu mandato no Legislativo? Tabata Amaral: Me vejo como uma ativista pela educação. Os próximos passos serão sempre determinados de acordo com onde eu entendo que tenha mais impacto nessa área. Hoje, é muito difícil de dizer, mas, espero que daqui a quatro anos eu tenha uma resposta. Terraço Econômico: Por fim, você tem desempenhado um papel muito importante para a inclusão de mulheres e jovens na política brasileira. Qual a relevância desse pontapé quase inicial e o que diria para jovens, incluindo mulheres, que também gostariam de fazer a diferença para o país, mas não vêm de “berço político”? Tabata Amaral: Uma das minhas maiores metas é aumentar a participação de mulheres na política. Isso é uma maneira de fortalecer a democracia, fortalecer pautas econômicas, sociais e, de certa forma, fazer com que as meninas tenham sonhos mais próximos aos dos meninos. É uma coisa que vários estudos já mostraram acontecer quando temos mais mulheres na política e nas lideranças. Uma contribuição que eu posso dar, inicialmente, é no meu próprio partido. Para 2020 temos uma meta de que no PDT, aqui no município de São Paulo, metade da lista seja composta por mulheres. Será a primeira vez que isso vai acontecer no Brasil e acho que o melhor recado que eu posso dar para essas pessoas é que sim, a trajetória antes e dentro da política é muito mais longa, muito mais árdua para as mulheres; mas, se estamos comprometidas com a transformação, com um país mais inclusivo, desenvolvido, ético, esse é o melhor lugar para estarmos. Força, guerreira! Se candidatem e quem for daqui de São Paulo, pode contar com o meu apoio. Gostou? Se você acompanha o nosso podcast, Terraço em Quinze Minutos, já conferiu trechos da entrevista com a Tabata antecipadamente. Se ainda não acompanha o podcast, estamos no Spotify, Soundcloud, Deezer e Itunes! Segue lá!
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