Terceirização e histeria

Alípio Ferreira Cantisani | Terraço Econômico

Esse debate a respeito da lei das terceirizações está surreal. A Câmara dos Deputados aprovou uma lei que regulamenta a terceirização dos serviços numa empresa, e para muita gente parece que ela revogou a Lei Áurea. Dizem que a Dilma tem que vetar, e ela já prometeu que vai vetar, sendo que o projeto ainda nem passou pelo Senado. Para a presidenta, a situação atual é melhor que a nova lei.

Atualmente, com base numa súmula judicial (!), as empresas só podem terceirizar atividades meio. “Atividades-meio”. Segundo os jornais, o juiz que inventou isso decidiu que é basicamente segurança e limpeza: pode terceirizar, porém só segurança e limpeza! E agora as empresas também poderão terceirizar atividades fim. Ou melhor, não vai ter mais diferença entre atividade-meio e atividade-fim. Toda uma súmula jogada no lixo… É mole?

Há comoção social com a matéria: estatísticas pipocam dizendo que o salário dos terceirizados comparáveis é mais baixo do que o salário dos não-terceirizados, e que portanto a reforma piora a situação do trabalhador. Vamos dar de barato que essas estatísticas estão corretas. Elas dizem que os trabalhadores terceirizados têm salários mais baixos do que os trabalhadores que não podem ser terceirizados. Mas isso é o óbvio ululante: se o governo cria uma regra que proteger insiders contra outsiders, a situação dos insiders vai ser melhor… Eureca! O que surpreende e exige um contorcionismo mental prodigioso é chamar esse tipo de arranjo de “justiça social”!

Sigamos a lógica do argumento. Se o problema é que o trabalhador terceirizado é um trabalhador lesado em seus direitos, segue que toda terceirização deveria ser proibida, não? Se é uma regra tão cruel, por que logo o coitado do faxineiro pode ser terceirizado? “Integra tudo!” Felizmente, a essa altura do século XXI poucos têm a audácia de pensar essa abobrinha. Todos entendem que há benefícios na especialização na provisão de serviços e também na flexibilidade na contratação desses serviços. Há empresas e cooperativas especializadas em limpeza e segurança, por exemplo, provendo seus serviços com eficiência e qualidade.

Outro medo agora é que as empresas comecem a terceirizar todo o seu pessoal prestador de serviços. No limite só haveria prestadores de serviço terceirizados! Francamente, quais são as chances de que isso ocorra? Obviamente não faz o menor sentido uma empresa terceirizar toda sua atividade fim a outra empresa.

Por outro lado, pode ser que os prestadores de serviço virarão pessoas jurídicas autônomas, prestando serviços ao antigo empregador, mas sem direitos trabalhistas, contribuições patronais, etc. Observe-se que a lei aprovada tem provisões que restringem enormemente a chamada “pejotização”. Mas ainda assim é preciso estômago para entender esse argumento.

Primeiramente, essa migração para empreendedores individuais só ocorreria porque há vantagem tributária para tal. O governo criou esquemas de tributação que beneficiam enormemente microempreendedores individuais que atuam autonomamente como prestadores de serviços, beneficiando a esses empreendedores. O engraçado seria que o governo tenha criado esses arranjos, mas não queira que as pessoas migrem para eles!

[caption id="attachment_3775" align="aligncenter" width="810"] “A presidenta, por exemplo, terceirizou o Ministério da Fazenda e está muito satisfeita com meus serviços!” (Foto: Exame)[/caption]

A lei aprovada pelo Congresso pode padecer de alguns males, os quais poderão ser ajustados no Senado: questões tributárias e previdenciárias podem ser mais bem arranjadas, como tem insistido o Ministro da Fazenda, uma espécie de servidor terceirizado do governo Dilma. Mas é sandice achar que o Brasil está melhor com i) a inexistência de marco regulatório para serviços terceirizados, ii) a separação arbitrária entre atividades-meio e atividades-fim ou iii) a proibição das empresas em terceirizar serviços.

Estamos cheios dessas regrinhas que protegem insiders contra outsiders, mas tem gente que só se importa com a perda dos insiders. Não têm olhos para aqueles que, hoje, são tratados de maneira desigual e não podem competir com os “inamovíveis” prestadores de “serviços-fim”. Não têm olhos para os empresários que desejam maior flexibilidade na contratação de seus funcionários, e que prefeririam contratar prestadores de serviços via empresas especializadas, assinando contratos específicos, no lugar de contratar um funcionário. Os profetas do apocalipse, ao invés de favorecer uma reforma que porá em pé de igualdade trabalhadores que executam funções similares e dará maior flexibilidade ao empregador, preferem ficar com a confortável ilusão de que estão defendendo o direito “do trabalhador”. Mas qual trabalhador, cara pálida?