Seria cômico se não fosse trágico o fato de que cidadãos paulistanos que conseguem perceber amadorismo em detrimento do empreendedorismo; atrapalhadas confundidas com pioneirismo, e, principalmente, incompetência na gestão pública no lugar de inovação, sejam categorizados como chatos, do contra, pessimistas e arrogantes em suas avaliações sobre a Gestão Haddad.
Não somos. Respeitamos a liberdade de opinião de paulistanos como Marcos Fernandes Gonçalves da Silva e não os categorizamos como ignorante ou qualquer outro “ante”.
Vivemos na mesma cidade, sob a mesma administração, mas entendemos que o prefeito Haddad está longe de ser o administrador de vanguarda que a cidade precisa. E afirmamos isso com base em fatos.
Uma gestão que corta em 40% o orçamento da área de Assistência e Desenvolvimento Social; não fiscaliza prestadores de serviço de forma adequada e acaba por servir merenda estragada nas creches; põe fim à inspeção veicular[1] – medida responsável por diminuir em até 30% a poluição na cidade e, com isso, poupar 380 vidas somente em 2011; estimula as invasões de área privada como forma de obter moradia popular; letárgica até na entrega de uniformes aos alunos da rede municipal, pode ser considerada qualquer coisa, menos inovadora.
E esse modus operandi se verifica desde a época em que Haddad era Ministro da Educação. Diferente do que afirma o artigo “Por que Haddad deveria ser reeleito?”, o atual prefeito não criou o Enem – implantado na era FHC e usado como guia para a melhoria da qualidade do ensino – e muito menos o Fies. Programa criado em1998, quando o então Ministro da Educação Paulo Renato me deu a incumbência de rever todo o sistema de crédito educativo brasileiro. Saia o clientelista Creduc e entrava o Fies, impessoal e com regras claras de acesso.
O que devidamente se pode atribuir à época de Haddad como Ministro da Educação são os escândalos de vazamento das provas do Enem.
De ministro a prefeito, Haddad ganhou a eleição vendendo a imagem do novo, mas só adota velhos hábitos de gestão.
[2]Desde seu primeiro ano, esta administração municipal foi marcada pelo aumento da máquina pública e dos gastos com salários. O prefeito criou nada menos do que cinco secretarias: Promoção da Igualdade Racial, Relações Governamentais, Licenciamento, Políticas para as Mulheres, Turismo; além da Controladoria-Geral do Município, da Subprefeitura de Sapopemba e das empresas Vai-Tec e Agência São Paulo de Desenvolvimento. Para administrar tudo isso, foram criados, sem concurso, mais de 1.200 cargos, e a folha de pagamento aumentou mais R$ 180 milhões por ano.
O Orçamento da cidade para 2014, aprovado pela Câmara Municipal, é de R$ 50,6 bilhões, incluindo R$ 800 milhões que viriam do reajuste do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O valor é o maior da história e 19,6% maior que o do ano passado (R$ 42,3 bilhões).
Mesmo com esse montante de recursos, o prefeito propôs o aumento do IPTU sob a alegação de que, agora, teria caráter redistributivo. O IPTU já é redistributivo: tira dos mais ricos e isenta os mais pobres. E já faz 20 anos que os aposentados são isentos.
O prefeito repetiu não apenas a prática dos aumentos de impostos, mas também a retórica mentirosa de que o reajuste recairia apenas sobre os ricos.
A sociedade paulistana não aceitou o brutal e descabido aumento do IPTU. Foi às ruas protestar. O PSDB entrou com ação na Justiça para barrar esse absurdo. Entendemos que as pessoas não têm capacidade contributiva para arcar com aumento tão alto. E foi também o que o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, entendeu. Impedimos o reajuste do IPTU na Justiça.
O aumento abusivo foi repudiado pela maioria da população que lutou para adquirir sua casa própria ou pequeno negócio. Aliás, a antipatia gerada pelo imposto deixou claro que não foram só uns quantos privilegiados que se opuseram a esse abuso.
As peripécias da Gestão Haddad não pararam por aí. No que se refere às questões de mobilidade humana, mais uma vez estamos aquém.
Em 2013, a Frente Parlamentar da Mobilidade Humana (da qual sou proponente e Presidente) realizou na Câmara Municipal de São Paulo o Seminário “A bicicleta em São Paulo: políticas públicas para transformar a cidade”, que contou com a presença da secretária de Transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan.
Antes do festival de improvisos que marcam a implantação das ciclovias em SP, a responsável pela implementação de 587 km de ciclovias em 7 anos, na mais populosa cidade dos Estados Unidos, veio aqui nos contar como fez. A Prefeitura sequer enviou um representante ao Seminário. Com isso, quem perdeu foi São Paulo.
A secretária nos contou que em Nova York todo o processo de implementação das ciclovias foi permeado pelo diálogo e pela opção por ciclovias que interligassem modais de transporte. Por lá, houve mais de dois mil encontros por ano, para discutir com moradores as rotas das ciclovias e outros projetos. Organizavam-se reuniões nas casas das pessoas e até mesmo nas calçadas, tudo isso para esclarecer dúvidas, encontrar alternativas e ouvir as impressões da população.
Comparado ao projeto em curso nas vias paulistanas, o modelo de Nova York tem duas claras diferenças: a qualidade da infraestrutura oferecida ao ciclista e a maneira de lidar com as críticas.
Arbitrariedade, amadorismo e incompetência resumem a principal ação de mobilidade humana em uma cidade de 11 milhões de habitantes e 1.530 km2 de área abrangida. Onde estão as ciclovias integradas? O que dá o direito do prefeito e sua equipe fazerem todo tipo de alterações sem ouvir os cidadãos?
Ora, como já foi citado por aqui, Montoro dizia que “não vivemos no Estado nem na União, mas, sim, no município” – as políticas nessa instância devem ser ainda mais colaborativas, abertas e discutidas, pois impacta direta e cotidianamente a vida de TODOS.
Não sou contra as ciclovias. Apesar disso, não posso deixar de notar que não há nada de ignorante em saber que, enquanto forem praticadas políticas desconexas, não é uma lata de tinta que vai mudar a opção por modal nesta ou em qualquer outra cidade do mundo.
A medida do Governo Federal de reduzir o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros se contrapõe aos impostos altos para bicicleta, cuja alíquota média pode chegar até a 72,3% – a mesma faixa de impostos que incide sobre a bebida e o cigarro, produtos que são nocivos para a população, ao contrário da bicicleta.
Deve ficar claro que não há espaço para improvisações em São Paulo. Quando falamos de ciclovias e ciclofaixas, falamos de espaços seguros, com sinalização adequada e funcionando de forma integrada aos demais modais da cidade – ciclovias integradas às estações de metrô, por exemplo. Onde estão as políticas de incentivo às cidades compactas: reorganização da cidade; incentivo fiscal para que as empresas contratem pessoas que morem na região em que estão instaladas?
A bicicleta, por si só, não vai salvar o trânsito de São Paulo. Ela é um dos modais e seu uso deve ser estimulado e contar com infraestrutura adequada – claro! Mas não sozinha! Diga que não se deve mais investir em linhas de Metrô às 4,6 milhões de pessoas que utilizam a rede diariamente.
A ampliação do Metrô é bem-vinda sim! Principalmente para longos deslocamentos. Por isso, os investimentos nos transportes sobre trilhos chegarão a R$ 45 bilhões em quatro anos (Plano Plurianual – PPA 2012-15), São Paulo dobrará a extensão da linha de Metrô. Passaremos dos atuais 78,7 km para 148,4 km. Além disso, a Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM) – que já conta com 336,2 km, ganhará outros 23 km.
As políticas urbanas de mobilidade devem ser conexas, convergentes e pautadas no tripé: mobilidade humana, desenvolvimento local e sustentabilidade ambiental. E essa máxima parece que vem sendo sistematicamente esquecida pelo prefeito Haddad.
A despeito do que qualquer entusiasta possa dizer, o prefeito Fernando Haddad ainda não conseguiu nos mostrar a que veio e já tenta nos impingir a ideia de que o problema de São Paulo é o próprio paulistano, que não aceita mudanças. Não é! São Paulo requer uma administração criativa, competente, empreendedora e comprometida com as leis e os avanços.
Enquanto essas questões não forem contempladas, continuarei desafinando o coro dos contentes para o qual qualquer mudança é, por si só, um atributo positivo e marca a inovação.
Floriano Pesaro
é sociólogo, vereador de SP e líder da bancada do PSDB.
Foi eleito deputado federal com 113. 949 votos
Nota da Equipe Terraço Econômico: este texto faz parte da iniciativa Terraço Debate. O tema deste debate é a gestão de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo. O primeiro texto, de autoria do economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, foi publicado no dia 9 de outubro, e pode ser acessado no seguinte link: http://terracoeconomico.com/2014/10/09/terraco-debate-por-que-fernando-haddad-deveria-ser-reeleito/
[1] Segundo o Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, cerca de 10% das mortes de idosos, 7% da mortandade infantil e de 15% a 20% das internações de crianças por doenças respiratórias estão relacionadas com as variações da poluição atmosférica.
[2] Trecho reproduzido do artigo “Má administração requer mais impostos” de minha autoria, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em 12/2/2014.