Por que Fernando Haddad deve ser reeleito?

Terraço Debate | por Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, especial para o Terraço Econômico

Resolvi colaborar hoje, para o Terraço, com um “post” opinativo, normativo, provocativo e político, uma espécie de desabafo dirigido aos pessimistas, chatos de galochas, preconceituosos, ignorantes, arrogantes e vários “antes”. Mas, claro, como economista não abro mão de entender o mundo social “com base num modelo de ação estratégica guiada por incentivos” e da sobriedade intelectual que me dá a dismal science.

Desde Faria Lima São Paulo não tem um prefeito que planeja e inova. Ele foi, na sua época, criticado por gigantismo e coisas afim. Prestes Mais foi outro, considerado um megalomaníaco ao seu tempo. Hoje vemos como ele era, desde a década de 40 do século passado, um visionário. Prova disso foram obras de planejamento e de embelezamento da cidade, que foram atropeladas pelo crescimento acelerado da mesma, que ocorreu à revelia de qualquer desejo de ordem e plano.

Basta sair de meu trabalho, na sede da Fundação Getulio Vargas aqui em São Paulo e ver como, a Avenida Nove de Julho, principalmente depois das obras que a recuperaram durante a gestão de Martha Suplicy, é bela, seus viadutos, lindos, o túnel, elegante (claro que a vista de nossa sede, no Rio de Janeiro, não tem comparação!). Ainda a parte “da cidade” está um pouco deteriorada, principalmente pelo viaduto feito por Paulo Maluf, chamado de “michoquinha” que destruiu uma das mais belas pracinhas da Bela Vista e os arrabaldes da avenida inteira. Por sinal, leitoras e leitores, nome mais adequado ao ex-prefeito seria Paulo Godzilla Maluf, lembrando claro que no final das contas o bichano de Tomoyuki Tanaka era “do bem”.

O Prefeito Fernando Haddad, como já coloquei num comentário do blog do CEPESP (Centro de Estudos de Política e Políticas Públicas) da Fundação Getulio Vargas, do qual faço parte, é inovador. Seu comportamento é disruptivo, não adaptativo, schumpeteriano, não walrasiano, lembrando como Schumpeter contrapõe o agente walrasiano ao energético, empreendedor, que rompe o equilíbrio do fluxo circular da renda em Das Wesen und der Hauptinhalt der theoretischen Nationalökonomie (desculpem-me, não contive meu lado “economista metido à besta e pedante”, mas não vou tirar a citação, ficou linda).

[caption id="attachment_1825" align="aligncenter" width="347"] Haddad. Aquele olhar.[/caption]

O cidadão não mora na União, não mora no Estado, mora no Município”, dizia o republicano André Franco Montoro que, com alguns divertidíssimos lapsos de memória – certa feita chamou Pimenta da Veiga de Pimenta do Reino – nos deixa com sensação de orfandade política, por sinal. Haddad sabe disso e dirige o terceiro orçamento da Nação, tem um cargo que o habilitaria para o exercício do poder executivo em muitos países do mundo. Logo, como prefeitos que não inovam procurando melhorar a qualidade de vida do munícipe médio não entram para a história em nenhum lugar do mundo ele, no meu entender, fez a opção certa que é de risco elevado, mas de rentabilidade política elevada também.

Pesquisa divulgada no domingo, dia 21 de setembro de 2014 atesta algo que falei no início de agosto, no aludido “post” do CEPESP, e que foi alvo de certa ironia por parte de alguns. Eu apostei que Haddad teria sucesso. A pesquisa revela que 22% dos entrevistados sobre a Prefeitura de São Paulo consideram, na metade de seu mandato, bom lembrar, que seu governo é ótimo ou bom e 44%, regular. Logo, 66% consideram que o governo de Haddad não é o final dos tempos, pelo contrário.

E mais: medidas polêmicas, mas fruto de ato de coragem política e inovação, como as faixas de ônibus e bicicletas, têm aprovação maciça, não marginal, do citadino paulistano. Creio que o Senador Aloysio Nunes Ferreira, que admiro por sinal, tenha que rever seus conceitos e seus comentários sobre as faixas de bike aqui no bairro. Digo isso, pois, a polarização meramente baseada numa ideologia rasteira de direita, que contraria as origens do partido que sempre recebeu meu voto, aquele de Montoro, Covas, FHC, virar-se-á contra o Senador e candidatos como Floriano Pessaro, que já recebeu um dia meu voto, por sinal. A não ser que o cálculo político destes políticos seja ser, num eventual sistema misto, candidato distrital por Higienópolis e Santa Cecília, acho que tais ações não são sábias. Eles têm talento e formação para renovar o PSDB, não para enterrá-lo.

Haddad tem 66% de avaliação de regular a ótimo sem que ainda os corredores – que elevarem em média a velocidade dos ônibus – funcionem a pleno vapor, unindo com maior rapidez o trabalhador dos extremo sul e leste de São Paulo aos “centros” de trabalho. Mas isso vai acontecer rapidamente.

[caption id="" align="aligncenter" width="265"] Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, economista, trend-setter e ocasionalmente apresentador do CQC[/caption]

Quem é Fernando Haddad?

Fernando Haddad é inovador desde sempre. No Ministério da Educação fez “de Estado” política que já estava consolidada por Paulo Renato, no Ministério da Educação. Criou políticas públicas de inclusão (Fies, PROUNI e outras), exame nacional (que inicialmente foi sabotado e ridicularizado e hoje é referência internacional – ENEM). Bacharel em direito, estudou economia no mestrado, na USP, fazendo microeconomia 1 e 2, macroeconomia 1 e 2, econometria..e por aí vai. Bem formado e ambicioso (virtude), ainda realizou seu doutorado na filosofia, ampliando sua capacidade intelectual ainda mais.

Quem não o conhece e o subestima, mormente por preconceito contra o PT, não sabe com quem está lidando. Ele tem vontade, chama técnicos para trabalhar com ele independentemente de cor partidária, mas baseado na confiança e competência (tal qual ocorreu quando Ministro da Educação o foi).

Por exemplo, foi iniciativa dele, ainda quando Ministro, enfrentar um lobby poderoso, o do Sistema S, que realiza políticas de elevado custo, se comparado aos benefícios, regressivas do ponto de vista social e cuja alocação e uso dos recursos possuem pouca transparência no que tange à contabilidade de custos/alocação à luz da Lei 4.320 de março de 1964. Adicionalmente, é financiado o sistema aludido por contribuição sobre folha de pagamento, dinheiro público, portanto. Ajudou a elaborar um projeto de Lei – que deveria voltar à pauta do Congresso – que cria obrigações, tais quais controles de qualidade dos cursos, transparência na prestação de contas e gratuidades no Sistema S.

Por esta razão, aposto que o Prefeito que inovou fazendo uma obra de saneamento moral, a criação da Corregedoria Geral do Município (que deu retorno financeiro para os munícipes) vai ser reeleito e será um quadro emergente renovador dentro do PT. E sinceramente espero ver PSDBistas imitando-o e fazendo melhor, pois desejo estes dois partidos de volta, reconstruídos.

No entanto, há medidas que, creio, o prefeito deveria tomar:

  1. Progressividade do IPTU, não onerando a maior parte dos cidadãos, que são os mais pobres, para termais dinheiro em caixa e investir no embelezamento da cidade, roubando a rua dos carros e colocando pracinhas móveis em mais lugares, por exemplo;

  2. Introduzir mais e mais ônibus nas faixas e ampliá-las, de tal forma a aumentar a velocidade – o que não é problema trivialmente solúvel em termos de engenharia de transportes e logística. Todavia, com isso conquistará o voto da maioria dos paulistanos que não andam de SUVs pretas com vidros escuros fora da lei (nada contra, tive uma, mas sem vidros “para evitar o risco de ser assaltado nesta cidade horrorosa que não nos garante segurança”);

  3. Com recursos adicionais de arrecadação, ampliar o número de creches nos locais mais carentes. Não há como minorar este problema no curto-prazo, mas deve ser meta Federal do governo de quem quer que seja eleito. Como tal política será federalizada de facto (creio que é o correto, pois se trata de educação) os recursos ampliarão investimentos municipais em creches – mas deve-se fazer um projeto pedagógico diferenciado – chame-se o James Heckman para opinar;

  4. O planejamento urbano poderá trazer dividendos políticos de longo-prazo, mas no curto-prazo a cidade está se embelezando. Quanto mais carros tirarmos das ruas melhor. Por esta razão, pediria para o Prefeito aumentar substancialmente o preço da Zona Azul, tabelar estacionamentos e propor tributo adicional sobre o uso dos mesmos (isso dependeria de lei municipal, creio), proibir estacionamento dos dois lados das ruas em bairros centrais;

  5. Pedágio urbano já, dado que isso não vai penalizar quem trabalha com o carro, pois repassaria para seu preço o pedágio: o prestador de serviços que mora na periferia e precisa do carro para ir a um bairro central, um pintor, eletricista ou mestre de obras, imputará ao seu preço o pedágio, dado que a demanda é muito inelástica, como se percebe na prática;

  6. Esqueça o Metrô: ele não é nem deve ser prioridade – é algo do século XIX, primitivo e pouco inteligente. Edward Glaeser, economista especialista em cidades de Harvard, recomenda isso para São Paulo. Ele está certo.

O fato é que temos diante de nós uma gestão empreendedora, que assume riscos. Erros virão, mas por enquanto Haddad pode comemorar sua gestão, o retorno dela, lembrando que sua prefeitura mal começou e as ruas saíram em fúria. Aproveitou o sinal das mesmas, que perpassa várias classes sociais, é difuso. Percebeu. Empreendeu.

Marcos Fernandes Gonçalves da Silva Doutor em Economia pela USP, Professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, autor dos livros “Ética e Economia”, “Economia Política da Corrupção no Brasil”

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