Tragédias naturais podem fazer bem para a economia?

Dias depois do furacão Harvey ter atingido a cidade de Houston, no Texas, já é possível termos uma ideia do tamanho da destruição. Segundo o analista Ian Bremmer, do grupo Eurasia, foram 39 mortes, mais de 100.000 casas afetadas, 1 milhão de veículos arruinados e uma perda material estimada em $190 bilhões de dólares, cerca de 1% do PIB dos Estados Unidos.

A despeito da tragédia humanitária, que obviamente é inestimável, qual será o impacto de desastres naturais na economia ao longo do tempo?

O cálculo do impacto de longo prazo causado por desastres naturais é uma ciência imprecisa. Múltiplos fatores afetam o tamanho das perdas iniciais bem como a capacidade de recuperação daquela região após a tragédia. De uma maneira geral, os locais atingidos por desastres naturais apresentam uma fase de perda aguda, seguida de uma fase de recuperação que pode ser mais ou menos rápida e mais ou menos completa, podendo, em alguns casos fazer com que a economia daquele lugar acabe ficando melhor do que era antes da tragédia.

Logo após um desastre natural, as perdas econômicas são inevitáveis. Há destruição não só de infra-estrutura (edifícios, pontes, estradas, etc) como também perdas indiretas como redução do emprego devido ao fechamento de firmas destruídas, diminuição do tempo livre das pessoas para atividades como turismo e entretenimento, entre outro fatores que acabam levando também a uma perda inicial na arrecadação de impostos naquela região. Mas passado esse período de retração, inicia-se uma fase de recuperação na qual ocorre um aumento das vendas não só de material de construção mas também de outros bens duráveis destruídos pela tragédia. Isso acaba levando a um aumento do emprego como também da arrecadação dos impostos.

A velocidade e a intensidade dessa recuperação, que como falamos, pode até superar a situação inicial pré tragédia, depende de alguns fatores:

  • Estágio do ciclo de negócios da região no momento da ocorrência do desastre: Vamos supor que um terremoto ocorra em uma região que estava começando a criar uma indústria moderna, mas ainda incipiente, enquanto um furacão atinge uma outra região, onde a maior parte das empresas tinham plantas antigas e obsoletas. É óbvio que nesses exemplos o impacto no terremoto na primeira região poderia matar essa indústria nascente enquanto no segundo cenário o furacão poderia ser uma oportunidade de se criar uma “destruição criativa”, ou seja, de modernizar a planta industrial existente. Assim, no longo prazo, o furacão poderia gerar ganho de produtividade para essas empresas.
  • Ajuda governamental: Normalmente, os governos são rápidos em liberar dinheiro para ajuda humanitária com o objetivo de levar água, alimentos e outros itens básicos de sobrevivência para as regiões atingidas pelos desastres naturais. Por outro lado, a liberação de verbas para reconstrução, bem como subsídios para recuperação econômica da região atingida costuma ser mais lento e incerto. Isso, claro, vai determinar a velocidade e a intensidade da recuperação.
  • Percentual de bens protegidos por seguro: Em locais onde é comum a ocorrência de certos tipos de desastres naturais também é comum que as empresas, bem como as famílias, protejam seus bens contra esse tipo de evento. Por isso, quando tragédias naturais ocorrem em lugares acostumados a esse tipo de evento o impacto costuma ser menos intenso, já que as pessoas e empresas estão melhor preparadas. Por outro lado, pelo mesmo motivo também é comum que as seguradoras cobrem mais caro por esse tipo de cobertura. Em São Francisco, por exemplo, o seguro de casa padrão não tem cobertura contra terremotos. Quem deseja essa cobertura paga um adicional alto, já que a incidência de terremotos na região é alta. De qualquer maneira, em regiões mais desenvolvidas o percentual segurado tende a ser maior, e isso facilita a recuperação pós tragédia.
  • Percentual do país atingido pela tragédia natural: Quando um país grande como os EUA ou o Brasil são atingidos por um desastre natural costuma ser mais fácil para o governo transferir recursos para a recuperação daquele local do que em casos como o Haiti, onde um terremoto destruiu não só a capital, como um percentual importante da área do país; quanto menor o país, maior a dificuldade nesse aspecto da transferência de recursos para recuperação econômica.
  • Grau de desenvolvimento do país: Talvez a variável mais importante para determinar a recuperação pós-desastre seja o grau de desenvolvimento econômico do país no momento da tragédia. Em primeiro lugar é claro que uma destruição de 190 bilhões de dólares (como é estimado para o furacão Harvey) tem um impacto diferente se ela ocorrer em lugares como EUA ou Japão (outro lugar farto de tragédias naturais) do que se esse mesmo montante de perdas ocorre em Bangladesh. Da mesma maneira, a capacidade de recuperação e investimento também são muito mais fáceis em países mais ricos.

Se a velocidade e o grau de recuperação são incertas, uma coisa pouca gente discorda: com os efeitos climáticos do aquecimento global, os desastres naturais tem se tornado cada vez mais comuns. Por esse motivo, é importante que as pessoas responsáveis pelas decisões econômicas das nações, das empresas e porque não, também das famílias se preparem da melhor maneira possível para esses momentos. O objetivo desse artigo foi dar alguns insights sobre o que podemos fazer para prevenir, remediar e até aproveitar as oportunidades desse tipo de tragédia.

Renata K. Velloso – Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia. Referências https://www.google.com/amp/amp.weforum.org/agenda/2015/02/how-do-natural-disasters-affect-the-economy https://www.stlouisfed.org/publications/regional-economist/april-1994/the-economics-of-natural-disasters http://voxeu.org/article/economic-consequences-natural-catastrophes

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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