Uma trilogia do lulopetismo: a grande farsa

“A popular government without popular information or the means of acquiring it, is but a prologue to a farce, or a tragedy, or perhaps both.” James Madison

Convidados Especiais | Marcos Fernandes G. da Silva*

Advertência: calma, muita calma leitor anti-petista ferrenho: nestes três artigos não defenderei que tudo o que os governos Lula I e II e o governo Dilma I e mezzo 2 fizeram foi inútil, mentira, errado. Na verdade, quase tudo, mas não a totalidade das ações e políticas de governo.

A Grande Farsa. The Third Man é um dos filmes mais brilhantes de todos os tempos e com uma apresentação e trilha sonora comparáveis somente às de The Touch of Evil, estrelado e dirigido por Orson Wells (a atuação do elenco é matadora, Charlton Heston – excelente, por incrível que pareça – Janet Leigh, Marlene Dietrich).

Baseado no livro homônimo de Graham Greene e com um elenco de tirar o fôlego (Orson Welles, Joseph Cotten, Alida Valli, Trevor Howard) e com a direção de Carol Reed, The Third Man narra a estória de um anti-herói, um escritor medíocre, Holly Martins, que vai para a Viena destruída bem ao final da Segunda Grande Guerra encontrar um amigo e descobre que ele, Harry, morreu. Holly decide investigar o caso e começa a desconfiar das explicações dos conhecidos de Harry para sua morte. Não vou ser spoiler, mas na medida em que vai descobrindo a verdade – e se apaixonando por Ann, namorada do falecido amigo – caminha para sua própria desgraça, encarando sua profunda e inexorável mediocridade.

[caption id="attachment_6972" align="aligncenter" width="600"] THE THIRD MAN, Joseph Cotten, 1949[/caption]

A estória de Greene, como de hábito, é uma grande farsa. Voltaremos, contudo, ao outro filme aqui citado, mas no último artigo desta trilogia (A Grande Mentira). A natureza de uma farsa se baseia numa mentira que, contada ad nauseiam, transforma-se em verdade. Vejam o filme.

Mas o nosso aqui não foi belo, nem teve boa trilha sonora. O governo Lula começa com uma grande farsa e, ironicamente, parecido com The Third Man, com conteúdo de film noir, dado pelo assassinato misterioso do colega de FGV e da USP, Celso Daniel. Vendo o passado com os óculos do presente, aquilo bem que foi um aviso. Roteiro feito.

O lulopetismo baseou-se em três argumentos que ajudaram a montar a grande farsa, a grande ilusão e a grande mentira:

Vamos desmontá-los um a um, mas neste primeiro artigo ficamos apenas no primeiro. Qualquer um que lesse o programa econômico do PT sairia correndo aos berros pelas ruas da cidade. Aquela gororoba pregava tudo de errado em termos de política econômica, de calotes a controles de mercados. Naquele contexto, com Lula, antes do primeiro turno, crescendo, com ele indo ao segundo turno e diante dos sinais de que o candidato Serra não decolava, os mercados reagiram. Reagiram colocando “o dólar a 4”.

Entre o segundo turno e as eleições fica claro que Lula deve firmar um compromisso, racional, crível e razoável em termos de política econômica. Ciro Gomes não passa para o segundo turno e, em boa parte, sua agenda econômica, a chamada “agenda perdida”, cai nas mãos do PT. O realismo político de Lula levou-o, corretamente, a abraçar as propostas e fazer a Carta aos Brasileiros. Nunca confiou, com razão, em seus economistas com papo groselha, Guido e Mercadante: ambos, Mercadante com mais “profundidade argumentativa”, orientaram Lula a criticar o Plano Real e a falar na eleição que levaria FHC para seu primeiro mandato que o plano fracassaria. Lula não engoliu nem engole mais os dois. Lula é inteligente e racional.

Mas a grande farsa começa com uma estória, essa sim, digna de John Le Carré. Matias Spektor, professor e pesquisador de relações internacionais da FGV, narra, em seu brilhante e essencial livro, 18 Dias, como FHC não somente ajudou Lula – que sempre foi mal criado, ingrato, arrogante e soberbo (erro) – mas efetivamente avalizou-o e o PT diante dos mercados e dos republicanos americanos. Notem que os republicanos, naquele momento, eram linha dura, apoiaram um fracassado golpe de estado na Venezuela contra Chaves e Wall Street iria quebrar o Brasil: Soros foi explícito ao afirmar que nos detonaria, simples assim.

O título completo é 18 dias: quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de George W. Bush e nele Matias nos narra, com tons de romance de diplomacia e intrigas, como Lula e FHC uniram-se em 2002 para apagar um incêndio de enormes proporções, talvez a mais grave crise internacional e diplomática que o Brasil já enfrentou. Os republicanos, apesar do final da Guerra Fria há mais de década, temiam o populismo de esquerda na América Latina. Havia clara percepção de que Lula e o PT engendrariam um Eixo do Mal na região. Lembremos que a política internacional dos EUA sofre uma inflexão radical após o 11 de Setembro de 2001 e havia a percepção, não importa se certa ou errada, mas era a crença do governo americano, que tal eixo poderia se aliar ao outro, envolvendo Irã. Matias entrevistou Condoleeza Rice: é de arrepiar, corremos um risco enorme.

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Na eminência de uma crise diplomática, que se tornaria econômica e política, Fernando Henrique e Lula despacharam enviados para os EUA: até Dirceu foi, apesar de não saber inglês. O resultado, dada a sabedoria e pragmatismo de Lula, a articulação de FHC e um pouco de sorte, foi melhor do que o esperado. Bush teria dito a Soros e aos republicanos linha dura: “Lula é de esquerda, mas é meu amigo”.

Podemos dizer que Lula e Bush tornaram-se amigos. Bush aproximou o PT dos republicanos e dos Estados Unidos e de Wall Street. Recomendo a leitura, pois o livro ajuda a desmontar um dos argumentos da grande farsa. Spektor, que é também pesquisador do CPDOC da FGV pesquisou vários documentos secretos e entrevistou os presidentes Lula e FHC.

Logo, FHC não somente passou uma economia devidamente ajustada – com problemas ainda, fato – estabilizada, com os esqueletos na sala, mas pelo menos às vistas, com LRF e princípios fiscais que Dilma destruiria na sua Grande Mentira, mas também ajudou a pavimentar o governo do PT. Eu acreditava, àquela altura, que finalmente o PT se transformaria num partido social democrata moderno, responsável, racional e razoável em termos de política econômica e ativo, em termos de políticas sociais. Sonhei, sonhei que estavas tão linda: foi a Grande Ilusão.

*MARCOS FERNANDES G DA SILVA, pesquisado associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia, ética e governo (FGV/EAESP e Escola de Direito de São Paulo da FGV) e economista da Fundação Getulio Vargas marcos.fernandes@fgv.br

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