Em um excelente (e possivelmente polêmico) artigo, Samuel Pessôa aborda as diferenças econômicas entre o ensino básico e o ensino superior [1]. Pessôa faz a distinção entre um bem público e um bem privado. O primeiro deriva de conceitos inspirados no artigo de Paul Samuelson em 1954 [2], que entendem um bem público contém duas características: é não rival e não excludente.
Por não rival entendemos que o consumo do bem por parte de uma pessoa não afeta a satisfação de outra pessoa em consumi-lo (exemplo: o fato de você ser iluminado em uma via pública não muda a minha satisfação, nem impede que eu seja iluminado também); a não exclusão diz respeito à incapacidade de excluir do consumo aqueles que não querem pagar pelo bem e/ou serviço (não dá para o exército proteger o país todo exceto a sua casa, mesmo que você conseguisse não pagar pelo serviço).
A universidade pública, nos lembra Pessôa, oferece dois tipos de serviços: pesquisa e ensino. A primeira se configura como um bem público, ao passo que a segunda possui características de bem privado. A grande diferença está na rivalidade, o que muda a característica do bem [3].
Portanto, o que poderíamos fazer com o ensino superior público? Das diversas possíveis saídas, gostaria de propor uma inspirada no chamado ‘imposto negativo’ de Milton Friedman [4]. E se a universidade pública cobrasse um preço negativo? Apenas a título de exemplo, imaginemos que o preço seja dado da seguinte fórmula: 80% da renda per capita da família, subtraída de um valor constante de R$ 1.500, com um teto máximo de R$ 3.500. Vejamos dois exemplos:
- Um aluno que venha de uma família sem renda. Na nossa fórmula teríamos: R$ 0 x 80% – R$ 1.500 = -R$ 1.500. Ou seja, o aluno receberia uma bolsa no valor de R$ 1.500 para estudar. Assim, ele poderia concentrar-se nos estudos (a bolsa seria dada com contrapartidas de desempenho) sem ter que abandoná-lo para trabalhar antes de se formar.
- Um aluno que venha de uma família cuja renda per capita é de R$ 4.000. Seguindo a mesma lógica: R$ 3.000 x 80% – R$ 1.500 = R$ 1.700. Ou seja, o valor cobrado a cada aluno seria de R$ 1.700 (podendo, inclusive, ser utilizado para ajudar a financiar a bolsa do aluno no exemplo anterior).
No desenho do preço negativo, não há desincentivo para que as famílias trabalhem e ganhem mais. Só fazer as contas e você perceberá que mesmo que uma família receba uma bolsa pelo estudo do filho, ela estará em melhor situação (financeiramente) se aumentar a renda per capita, mesmo que isso faça com que deixe de receber a bolsa, ou até que tenha que pagar a mensalidade.
Claro que aperfeiçoamentos precisam ser debatidos. Talvez possamos discutir subsídios a profissões que melhorem a dinâmica da sociedade (como aqueles que formam os professores, especialmente os da educação básica), podemos prever formas para aferir melhor a renda, além, claro, da fórmula do preço propriamente dita (acima, como já disse, foi apenas um exemplo). E poderíamos pensar em diversos outros pontos a serem debatidos.
Numa sociedade que vem recuperando a agenda da eficiência do gasto estatal [5] e a questão da desigualdade, pode ser interessante perceber o papel da universidade pública nesse caso. Como a nossa carga tributária privilegia impostos indiretos, tributa-se de maneira regressiva (o imposto pesa mais em que é mais pobre) e aloca-se o estudo de forma a privilegiar quem teve uma educação básica de qualidade (em geral privada), concentrando renda.
Será que não deveríamos cobrar de quem pode pagar e deixar o recurso dos impostos para escolas e hospitais, por exemplo?
João Ricardo Costa Filho – Professor do Mestrado Profissional em Economia da EESP/FGV e da Faculdade de Economia da FAAP Notas [1] “Universidade Paga”: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2014/06/1478158-universidade-paga.shtml [2] “The Pure Theory of Public Expenditure”, The Review of Economics and Statistics. Algumas clarificações foram feitas pelo auto em 1955, no artigo “Diagrammatic Exposition of a Theory of Public Expenditure”. and Statistics, 37 (4), pp. 350–56. [3] Veja, por exemplo, “Quando o privado afeta o público: o pedágio urbano” : http://brasil.estadao.com.br/blogs/tudo-em-debate/quando-o-privado-afeta-o-publico-o-pedagio-urbano/ [4] FRIEDMAN, Milton. Capitalism and freedom: With the assistance of Rose D. Friedman. University of Chicago Press, 1962. Veja a ideia também em FRIEDMAN, Milton, and Rose FRIEDMAN. “Livre para escolher: um depoimento pessoal.” Rio de Janeiro: Record (2015). [5] https://terracoeconomico.com.br/agenda-reencontrada-gudin-simonsen-e-os-desafios-do-crescimento-economico2