Canalhice econômica: o velho truque da marreta (parte 2)

Na primeira parte do artigo, discutimos algumas propostas para arrumar a economia brasileira apresentadas pela Fundação Perseu Abramo (ligada ao Partido dos Trabalhadores) no documento “Por um Brasil justo e democrático”. O documento pode ser acessado na íntegra aqui.

Dando continuidade à nossa crítica, apresentamos mais 3 pontos abordados pelos economistas que assinaram o documento e o porquê de sua inviabilidade…ou melhor, a desvirtuação do debate para conceitos nebulosos que tentam ludibriar o leitor e afastar os economistas signatários do documento da crise econômica engendrada por políticas que encontram forte consenso dentre esses mesmos economistas.

E não é demais repetir o parágrafo da parte I do artigo: uma das características da canalhice econômica é querer mudar as métricas de avaliação quando não se atinge o resultado satisfatório numa métrica pré-estabelecida. Ou tentar desviar o debate dos resultados para discutir os conceitos após a adoção deles para balizar a política econômica. Basicamente o que você fazia quando era criança e tirava nota vermelha no boletim e dizia: mas mãe, o Joãozinho tirou menos que eu e a professora não gosta de mim!

Aqui vamos com mais propostas:

3.5. AMPLIAR O DEBATE SOBRE AS CAUSAS DA INFLAÇÃO E OS INSTRUMENTOS PARA COMBATÊ-LA

Quando em desvantagem em um debate intelectual, uma boa tática da canalhice econômica é lançar o Super Trunfo. São frases de efeito que impressionam parte da audiência, mas que não contêm substância e não propõem nenhuma solução, é o caso de chavões como: “precisamos ampliar o debate”, “precisamos repensar esse conceito”, “a quem interessa esse argumento” etc.

Primeiramente uma definição de inflação que todos os economistas (e não economistas) devem ter em mente: aumento constante de preços. Assim, se os custos de produzir bens e serviços sobem em um ano e param, isso não caracteriza inflação.

Posto isso, o diagnóstico de inflação do Brasil para a implementação do Plano Real foi certeiro. Havia basicamente impressão constante de moeda para financiar gasto público ano após ano, que tomava diversas formas, como o uso de bancos públicos para fechar as contas estaduais. Com o diagnóstico correto, o remédio também foi correto. Saneamento das contas públicas e uma âncora nominal (que de 1994 até 1999 foi a taxa de câmbio e a partir de 1999 a meta de inflação).

A ameaça de retorno de alta inflação tem também sua origem no gasto público e nas manobras para fechar as contas, como empréstimos junto a bancos públicos (sim, as pedaladas fiscais julgadas anteontem pelo TCU). Portanto, não é necessário ampliar o debate sobre a inflação, é necessário seguir a regra criada que vinha dando certo.

Porém, mais fácil que admitir erros de política econômica é apelar para o Super Trunfo da Canalhice Econômica: precisamos analisar melhor a inflação que já havíamos controlado.

3.6. ESTABELECER O DUPLO MANDATO DO BANCO CENTRAL: ESTABILIDADE DE PREÇOS E EMPREGO

Aqui a proposta é que o Banco Central tenha em seu mandato não somente a meta de inflação, mas também que leve em consideração a taxa de desemprego. O duplo mandato é praticado por alguns Bancos Centrais no mundo, como dos EUA (apesar de o Fed não ter uma meta de inflação explícita como a nossa).

A proposta carece de explicações sobre quais instrumentos utilizar para cumprir dois mandatos simultaneamente ou qual peso atribuir à inflação e ao desemprego. E ainda perde de vista o maior problema que acomete nossa autoridade monetária: a perda de credibilidade para entregar uma simples meta.

Ninguém mais acredita que o Banco Central persiga a meta de 4,5%, assim, quando os agentes ajustam seus preços, eles não esperam mais uma inflação de 4,5%, mas sim de 6,5%, 7,5%, 10%. E a perda de credibilidade nada tem a ver com o mandato ser único ou duplo. Tem a ver com as sucessivas falhas em entregar a inflação na meta.

Mas novamente, a proposta somente parece uma justificativa para a barbeiragem no controle da inflação, que tenta ser corrigida agora com uma forte alta da Selic combinada com o aumento da taxa de desemprego. E para justificar que não falhamos em 2012, apela-se para a mudança da meta sem indicar quais as consequências disso ou explicar tecnicamente como fazê-lo.

3.7. REGULAR O MERCADO DE CÂMBIO

A ideia é criar restrições para o mercado de câmbio, impedindo alguns instrumentos derivativos ou “especulativos”. Mesmo sem prover os dados necessários para justificar as propostas, o documento indica que a taxa de câmbio no Brasil é das mais voláteis do mundo e é formada por especuladores.

Os economistas se esquecem de explicar ao leitor que há benefícios nos instrumentos financeiros ligados à taxa de câmbio e que boa parte da valorização da taxa de câmbio real no Brasil advém da indisciplina financeira do governo e da baixa taxa de poupança. Com alta inflação comparada ao resto do mundo e recorrente auxílio da poupança externa para financiar nossos investimentos o câmbio real só tende a se valorizar. A solução passa por baixa inflação e maior taxa de poupança, mas nossos economistas preferem a solução mais capenga.

Assim, a proposta de controlar o mercado de câmbio traz um efeito perverso, muito conhecido para quem frequentou a primeira aula de microeconomia na graduação. A criação de um mercado paralelo de câmbio. Quando se controla quem vai pagar quanto pelos dólares no Brasil, os amigos do rei venderão seus dólares obtidos a preços vantajosos em um mercado paralelo a preços mais próximos ao que o mercado quer pagar.

Exemplo? Nossos vizinhos argentinos possuem o chamado Dólar Blue (ninguém sabe explicar o porquê do nome) que pode ter sua cotação verificada até por um aplicativo para seu smartphone: www.dolarblue.net.

Na cotação oficial do mercado cambial “controlado”, paga-se 9,42 pesos argentino por dólar. No paralelo, paga-se 15,7 pesos por dólar. Os amigos do rei conseguem lucrar 67% somente por terem acesso ao câmbio oficial.

Se a ideia do documento da Fundação Perseu Abramo era buscar auxílio na experiência internacional, alguns casos foram omitidos em nome da canalhice econômica.

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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