Nem tudo foi ruim no governo Temer

Na última pesquisa Ibope divulgada em 15 de outubro de 2018 o governo Temer era aprovado por apenas 5% da população. Contribuíram para a baixa popularidade do governo sucessivos escândalos de corrupção, inclusive com gravações que incriminam o próprio presidente, a persistência da crise econômica e a aprovação de reformas impopulares (ainda que necessárias) como a do teto dos gastos e a trabalhista. Mas como admitiu o próprio Jair Bolsonaro, nem tudo foi ruim no governo Temer. A jóia da coroa do imperador nu é a equipe econômica, comandada inicialmente por Henrique Meirelles, agora sob a batuta do discreto Eduardo Guardia.

Além de estancar a piora da crise econômica, é mérito desta equipe uma série de medidas que costumam ficar abaixo do radar e são pouco noticiadas, mas que podem contribuir com a retomada do crescimento econômico e da melhora da produtividade das empresas brasileiras. Isso é bom para todo mundo já que mais produtividade significa mais riqueza.

Os economistas do Ministério da Fazenda partiram de um diagnóstico diferente do que acreditava-se anteriormente. Para a equipe da Fazenda, o problema da produtividade não está concentrada na diferença entre setores, mas sim, intra setores. O que isso quer dizer? Significa que não existem setores produtivos no Brasil e setores improdutivos. Se esse fosse o problema bastaria que o governo desse incentivos para os setores mais produtivos para impulsioná-los em detrimento dos demais. Foi o que fez a China com sucesso, levando gente do setor rural para as cidades e com isso aumentou muito a sua produtividade. Mas não é o caso do Brasil, aqui existem empresas produtivas e improdutivas dentro dos setores econômicos.

A partir deste diagnóstico, o papel do governo deixa de ser estimular setores específicos e passar a ser o de advogar pela concorrência entre empresas, como diz o nome da secretaria criada especificamente para esse fim, a Seprac – Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência. Isso pode ser feito melhorando o ambiente de negócios, promovendo a estabilidade econômica e a qualidade regulatória, expondo as empresas a competição e reduzindo as distorções na regulamentação que acabam gerando incentivos contra-produtivos (por exemplo, a sede de uma empresa deve estar localizada no local que faça sentido em termos de negócios e não porque em determinada localidade o imposto é menor, seria então papel do Governo eliminar essa distorção tributária que prejudica a produtividade).

Algumas medidas importantes neste sentido foram propostas pela equipe do Ministério da Fazenda, vamos a elas:

Duplicata eletrônica: A lei que regulamenta a duplicata eletrônica foi aprovada no Senado dia 17/10 e segue agora para sanção presidencial. Duplicata é um título de crédito gerado em cima de vendas comerciais, também conhecida como recebíveis. Quando você faz uma compra parcelada em uma loja, o comerciante muitas vezes não fica esperando receber de você para ter seu capital de giro. O que ele faz é vender essa carteira de recebíveis no sistema financeiro com um desconto, que é baseado na taxa de juros. Esse sistema de duplicata agora passará a ser feito por meio eletrônico diminuindo os riscos na transação bem como os seus custos. Mais segurança significa menos juros. Com isso, a duplicata eletrônica pode gerar uma queda de juros nas compras a prazo o que acaba deixando os preço final mais barato estimulando o consumo e consequentemente aquecendo a economia. É uma medida simples, mas que pode ter um impacto importante. Segundo a Central de Registro de Direitos Creditórios (CRDC) essa medida deve aumentar o mercado de duplicatas que somou R$ 850 bilhões em 2017 em adicionais R$ 280 bilhões até 2023

Cadastro Positivo: Outra medida que também pode ajudar a reduzir a taxa de juros aos consumidores é a lei do cadastro positivo. A medida teve aprovação simbólica em maio deste ano, mas acabou não avançando por falta de consenso em relação aos destaques dos parlamentares. O cadastro positivo na realidade já existe, mas a adesão da população a ele foi baixo porque muita gente nem sabe da existência e quem sabe não quer passar pelos trâmites burocráticos para pedir sua inclusão. Então o governo quer inverter a lógica, ou seja, incluir todo mundo e quem quiser sair pode pedir para que seu nome seja retirado do cadastro. Como funciona esse cadastro? Cada vez que uma pessoa paga uma conta em dia ela ganha um “ponto positivo” na sua nota de crédito, ou seja, quanto melhor pagadora ela for, maior essa nota. É importante ressaltar que o cadastro negativo já inclui todo mundo automaticamente, ou seja, quando você não honra um pagamento, seu nome pode ir para o serasa ou para o SPC. O que muda com a medida é que o “bom comportamento” seria considerado também. Assim, a empresa ou banco que está emprestando dinheiro para você saberá que você costuma pagar suas dívidas em dia, e com isso terá mais confiança para emprestar dinheiro para você. Se ela tem mais confiança, poderá cobrar menos juros. As vantagens parecem óbvias mas esbarram em uma série de questões técnicas principalmente relacionadas ao sigilo dos dados pessoais que podem estar sujeitos a vazamentos. Mas caso essa medida tenha sucesso ela pode sim ajudar a reduzir os juros e da mesma forma que a duplicata eletrônica estimular a economia.

eSocial: Essa é uma medida que visa informatizar a relação das empresas com o governo, facilitando a prestação de contas.. O eSocial é uma ferramenta que reúne os dados trabalhistas, fiscais, previdenciários das empresas em uma só plataforma. Desde 16 de julho, empresas de médio porte (com faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 78 milhões) passaram a ser obrigadas a utilizar o sistema que já era obrigatório para as empresas maiores desde o início do ano. A partir de novembro deste ano, as micro e pequenas e os MEI, (microempreendedores individuais) que por enquanto tem adesão facultativa, também terão que aderir ao sistema. Apesar das reclamações, quando totalmente implementado o eSocial deve diminuir os custos e o tempo destas atividades, com ganhos de produtividade para as empresas.

Além dessas medidas também podemos citar outros esforços como a SPED o sistema público de escrituração contábil (que começou a ser implantado em 2013), a ampliação do alcance da nota fiscal eletrônica, propostas de mudanças na lei de recuperação judicial e falências e o portal único de comércio exterior, que existe desde a década de 90, mas que foi modernizado em 2016 com a eliminação de documentos e etapas e a redução de exigências governamentais.

Esses são exemplos de medidas que foram ou iniciadas ou impulsionadas pelo governo Temer e que devem melhorar o ambiente de negócios no Brasil. Segundo o último relatório do Banco Mundial, o Doing Business, o Brasil ocupa posição de 123 entre 190 países analisados, ou seja, o nosso ambiente de negócios ainda é muito ruim.

Ao contrário da estabilidade macroeconômica que foi alcançada com o sucesso do Plano Real, não é possível criar uma única bala de prata para melhorar o ambiente microeconômico e a produtividade. Aqui trata-se mais de uma guerra de trincheiras em que cabe ao governo primeiro parar de atrapalhar e segundo, estimular a concorrência entre as empresas, essa sim, a maior impulsionadora da produtividade.

Renata Kotscho Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia

Referências:
  1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/16/governo-temer-tem-aprovacao-de-5-e-reprovacao-de-74-diz-pesquisa-ibope.ghtml
  2. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/saiba-como-a-duplicata-eletronica-pode-impactar-seu-negocio.shtml
  3. https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/12/empresas-relatam-dificuldades-e-despreparo-na-implantacao-do-esocial.ghtml
  4. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/INDUSTRIA-E-COMERCIO/558409-COMISSAO-ESPECIAL-VAI-DISCUTIR-REFORMA-DA-LEI-DE-RECUPERACAO-DE-EMPRESAS.html
  5. http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/governo-lanca-novo-processo-de-exportacoes

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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