O mal do nacionalismo

“Salvaguarda dos interesses e exaltação dos valores nacionais”.

Essa belíssima frase define o termo nacionalismo.

Saindo da bela definição do termo, o nacionalismo tem responsabilidade direta e indireta pelas grandes barbáries dos últimos séculos. Nos mais variados países, nas mais diversas épocas, o sentimento de defesa da nação levou a uma situação de caos geral que perpetrou grandes tragédias humanas.

Até que ponto o nacionalismo pode chegar?

As duas Guerras Mundiais e a Guerra Civil Iugoslava são alguns exemplos de até que ponto o sentimento nacional pode chegar e quão danoso ele pode ser.

No início do século XX, a exacerbação dos valores ditos nacionais foram a base para justificar o revanchismo entre as principais nações europeias, o que acabou eclodindo na Primeira Guerra Mundial. Anos depois, como consequência da Primeira Guerra, a Alemanha unida em torno da necessidade de construir um grande Reich iniciou o conflito mais sangrento do século XX, que viria a ser Segunda Guerra Mundial. Já para o final do século XX, a Guerra Civil Iugoslava gerou a desfragmentação da Iugoslávia, em um conflito que matou mais de cem mil pessoas e deixou milhares de refugiados.

O nacionalismo tupiniquim

Historicamente, o Brasil nunca foi um país considerado como tradicionalmente nacionalista. Isso é decorrente da sua própria construção histórica, o tipo de colonização, de exploração, realizada por Portugal, até ao grande processo de miscigenação do qual originou o povo brasileiro.

Nacionalismo por aqui não é o forte, mas temos quem busque de apropriar de estruturas estatais, como sendo um ato para o “bem” do povo e chamar quem não apoia essa estatização de “entreguista”. Com isso, uma boa retórica política foi construída, recheada de frases como o “Petróleo é nosso” e a “A Amazônia é nossa”. Frases representativas do nacionalismo tupiniquim e que acabaram caindo no gosto popular ao longo do tempo.

Talvez o político que mais tenha se aproveitado desse tipo de retórica “antientreguista” foi Getúlio Vargas, político que pouco antes do momento de sua morte deixou registrado em carta os supostos interesses obscuros de potências estrangeiras sobre o Brasil. Em tempos mais recentes, o PT também bateu bastante nessa tecla – a de uma grande ameaça estrangeira – representada pelo imperialismo norte americano, o suposto responsável pelas desventuras do povo brasileiro.

Posicionamento parecido, mas embalado de maneira diferente, pode ser visto agora nas candidaturas de alguns presidenciáveis, tanto posicionados ao espectro da esquerda quanto da direita. A necessidade de resgate do patriotismo e do incentivo à indústria nacional por meio de instrumentos tacanhos como tarifas protecionistas de importação e forte ação sobre o câmbio, vem sendo repetida como uma espécie de jingle pelos presidenciáveis. Isso mostra que o nacionalismo à moda brasileira ainda vive.

Precisa-se de heróis

Desde o início do Brasil República, lá em 1889, o Brasil procurava por heróis. Essa falta explica Macunaíma, personagem criado por Mário de Andrade em 1928. No grupo de personagens reais, há Tiradentes, um revoltoso contra o aumento de impostos realizado por Portugal que, condenado pela Coroa portuguesa, acabou posteriormente sendo elevado como herói com o surgimento da República.

Assim, é marca presente do nacionalismo a necessidade de se ter um herói (ou grupo heroico). Algum mártir que resuma as nobres intenções que deveriam permear toda a nação. Corte de impostos, combate à corrupção, justiça e necessidade de algum tipo de “intervenção popular” resumem a luta do herói por um país melhor, melhor para a categoria na qual ele defende, mesmo que o resto do país tenha de pagar a conta.

Algumas das consequências do nacionalismo brasileiro

Apesar de não ter gerado nenhuma guerra (pelo menos não no sentido literal do termo), o nacionalismo tupiniquim já causou graves problemas. Principalmente na esfera econômica.

Os fiscais do Sarney, por exemplo, medida que visava garantir o cumprimento do congelamento de preços, só intensificou os problemas econômicos do Brasil, elevando ainda mais a inflação no início dos anos 90. Aqui deve observado, que essa solução de clamor nacional, os fiscais do Sarney tinham a obrigação de denunciar empresários “traidores da pátria” que não obedecessem ao tabelamento de preços exigido pelo governo, que foi realizada para conter o processo hiperinflacionário gerado pelo governo militar. Governo militar que até hoje é destacado pela sua áurea nacionalista.

Mais recentemente, em um projeto nacionalista de construção de um Brasil desenvolvido, discurso muito enfatizado nos treze anos de governo petista, exigiu uma maior intervenção política em estatais como Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e Petrobrás. Isso contribuiu para gerar uma  recessão histórica (a maior recessão econômica da história do Brasil), juntamente com os grandes casos de corrupção, revelados pela Operação Lava Jato e agravamento de problemas estruturais graves ainda não resolvidos, como a questão previdenciária e tributária (apenas para citar alguns).

Greve dos caminhoneiros e a conta nacional

Devido a políticas econômicas desastrosas nos últimos anos e na presença de um governo envolvido com inúmeros casos de corrupção e com pouca legitimidade, muitos viram na greve dos caminhoneiros uma oportunidade para a contestação geral contra tudo o que está aí.

O preço disso tudo se resumiria a um pequeno sacrifício da população, como ficar alguns dias sem gasolina ou, em um ponto extremo, ter só pão com ovo pra comer. Mas os efeitos desse caos gerado por uma determinada classe (e ingênua ou oportunisticamente a depender do caso, incentivada por outras pessoas) possuem consequências devastadoras e em alguns casos irreversíveis já no curto prazo.

A tentativa de conquistar a confiança dos mercados, algo tão duramente realizado nos últimos anos e que a passos lentos vinha apresentando bons resultados. A Petrobrás que de empresa quebrada, recobrava as suas forças como uma gigante petrolífera, que presidida por Pedro Parente voltava a ser vista como um símbolo vitorioso do Brasil, uma empresa bem organizada e competitiva nos mercados internacionais. Até o mercado imobiliário, tão prejudicado pela recessão, finalmente começava a dar algum sinal de vida. Tudo isso pode ter sido perdido em poucos dias, graças aos desdobramentos da greve.

Empunhando a bandeira do nacionalismo, a greve elegeu novos heróis defensores da nação, junto com patriotas preocupados com o restabelecimento moral do país. A grande conquista de todo esse movimento de restauração nacional parece ser apenas um: a conta que deverá ser paga por toda a sociedade brasileira.

O nacionalismo à brasileira respira.

Lucas Adriano

Mestre em Economia e bacharel em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Vindo de Ponte Nova (MG), cruzeirense e fã de observar a abordagem econômica sendo utilizada nos mais diversos assuntos. Espera um dia poder dar a sua contribuição para a Ciência Econômica.
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