O não tão longo prazo brasileiro e a reforma da Previdência

“O longo prazo no Brasil é questão de minutos”. Infelizmente não me recordo quando ouvi esta máxima pela primeira vez ou mesmo se ela pertence a alguém (certamente) muito sábio. O caso é que, desde que comecei a trabalhar com economia, não foram poucas as vezes que brincamos com essa ideia. Na verdade, ela é bem ilustrativa da montanha-russa pela qual passou o país estas últimas semanas. Na terça-feira 16/05, o jornal britânico Financial Times publicava um caderno especial sobre o Brasil[1], trazendo uma série de reportagens que destacavam os avanços do país na retomada do crescimento econômico e da estabilidade, a despeito dos escândalos de corrupção e da baixa popularidade do presidente. Em linha com o relativo otimismo da reportagem, o mercado operava em alta e o dólar caia pelo 6º dia consecutivo[2], em grande parte influenciados pela percepção de que as reformas propostas pelo governo caminhavam para uma aprovação no Congresso.

Bom, ao final do dia seguinte (17/05), o cenário já era bastante distinto. O país mergulhou novamente em uma crise política, com potenciais efeitos perversos sobre a economia. Dentre os temores que se instauraram com uma possível interrupção do mandato presidencial, está a perda de apoio parlamentar para as reformas fiscais, sobretudo no caso da Previdência. A reforma no sistema previdenciário é vista como crucial para a retomada da confiança na economia brasileira e do consequente crescimento econômico. As razões para isso passam pelo elevado déficit do governo brasileiro e pelas características de bomba-relógio do atual sistema de aposentadorias no país, dois problemas que uma reforma (idealmente mais ampla do que a em tramitação) poderia ajudar a minimizar.

Com relação ao atual funcionamento do sistema previdenciário, diversos fatores contribuem para que este se torne insustentável ao longo das próximas décadas. A Previdência Social se baseia em um sistema de repartição, em que as aposentadorias de hoje são financiadas a partir de tributos pagos pelos atuais trabalhadores. No entanto, como tem sido amplamente divulgado, a pirâmide demográfica brasileira vem se invertendo, com uma crescente participação de idosos na população.

O número de pessoas acima de 65 anos[3] já corresponde a 8,5% da população brasileira, valor que deve saltar para 26,8% em 2060 (segundo projeções do IBGE[4]). A título de comparação, estima-se que em média o brasileiro comece a receber o benefício aos 58 anos[5]. Esta parcela da população representa cerca de 15% do total, devendo alcançar mais de 36% em 2060.

Tal fenômeno impõe uma forte pressão sobre o sistema, uma vez que a base de contribuição vem se estreitando ao mesmo tempo em que o número de beneficiados cresce. O aumento da expectativa de vida da população (e, portanto, do número de anos que as pessoas irão receber o benefício), bem como a queda da arrecadação (decorrente da grave crise econômica), contribui para a inconsistência da equação. Esta vem sendo “solucionada” com o aumento dos empréstimos e, consequentemente, da dívida do governo. As aspas estão ali pois o endividamento crescente do setor público tem efeitos nocivos, e bastante documentados[6], sobre a economia e a sociedade.

Dentre os principais problemas associados ao alto e crescente endividamento do Estado (sobretudo em países em desenvolvimento), destaca-se a elevação dos juros e do nível de incertezas dos agentes (empresários e famílias). De modo simplificado, pode-se dizer que o aumento dos juros contribui para a queda dos investimentos e, consequentemente, da atividade econômica. O que, por sua vez, eleva às incertezas quanto ao cenário futuro, fazendo com que famílias tenham maior parcimônia com relação aos seus gastos, e empresários quanto à expansão de suas atividades.

Em suma, a reforma da Previdência tem duas frentes principais. Em primeiro lugar, é preciso garantir um sistema de financiamento sustentável, que assegure o benefício às gerações futuras. A proposta se faz necessária diante da possibilidade de colapso do sistema em poucos anos, a exemplo do caso das aposentadorias atrasadas no estado do Rio de Janeiro[7]. A inexorável matemática aponta para a urgência do estabelecimento legal de mecanismos contra um possível default nas próximas décadas. Por outro lado, a reforma também traria benefícios à curto prazo para a economia, possibilitando uma redução dos juros e uma diminuição das incertezas, em linha com o observado nos mercados até meados do mês.

Apesar de necessária e urgente, a aprovação da reforma não será fácil. Qualquer proposta capaz de minimizar os riscos que se impõem com a manutenção das regras atuais enfrentará grande resistência por parte da população e do Congresso, o que demanda não apenas capital político, mas também certo grau de impopularidade por parte do Executivo (uma vez que este tem pouco a perder). Tal combinação parecia ter sido alcançada no atual governo. Entretanto, e conforme discutido no início do texto, o cenário se alterou drasticamente.

O presidente dificilmente conseguirá agregar os votos necessários frente às diversas acusações que enfrenta. Mais do que isso, a agenda econômica não pode se sobrepor à esfera jurídica. Qualquer que seja a saída para esta nova crise política, ela deve ser tomada respeitando as instituições e as normas do país. Contudo, e também independente da saída adotada, não podemos nos esquecer que o médio/longo prazo (ainda que não seja em minutos) em breve estará na porta, cobrando as consequências da falta de planejamento do Estado.

Daniele Chiavenato – Editora do Terraço Econômico

Notas [1] Ver: https://www.ft.com/reports/reinventing-brazil. [2] Ver: http://www.valor.com.br/financas/4970360/dolar-cai-pelo-6-dia-com-fluxo-estrangeiro-e-vai-r-309. [3] Idade mínima para aposentadoria inicialmente proposta. O governo já recuou e hoje propõe 65 anos para homens e 62 para mulheres. [4] Ver: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default.shtm. [5] Ver: http://www.economist.com/news/americas/21717413-president-has-chance-pass-reform-will-stop-brazil-going-bust-reducing-brazils. [6] Para uma breve incursão sobre uma tema, ver: http://www.economist.com/news/finance-and-economics/21597933-new-research-suggests-debts-trajectory-affects-growth-more-its-level-breaking e https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2017/03/22/Private-and-Public-Debt-Are-Emerging-Markets-at-Risk-44754. [7] Ver: https://www.ft.com/content/babdef0c-1943-11e7-9c35-0dd2cb31823a.

Daniele Chiavenato

Formada em Economia pela FEA-USP, é mestre na mesma área pela Universidade de Leuven (Bélgica). No Brasil, trabalhou em consultorias econômicas com pesquisa macro e com microeconomia aplicada. Atualmente, na boa companhia das cervejas e chocolates belgas, trabalha na Comissão Europeia com políticas de emprego e inclusão social.
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