O que não se vê na pesquisa da Oxfam

Nos últimos dias recebeu bastante atenção da mídia em geral um relatório de pesquisa da ONG britânica Oxfam [1] que declarou categoricamente: as oito pessoas mais ricas do planeta têm, juntas, mais dinheiro que 3,6 bilhões de pessoas. Levantou-se novamente a importante discussão sobre a desigualdade, esta que expande um enorme leque de pontos relevantes – porém, com tudo sendo direcionado a este ponto principal de acumulação de riquezas.

O relatório é extenso e toca em diversos pontos, tais quais a remuneração crescente de quem já está nas faixas mais privilegiadas de renda (como os CEOs) ser sensivelmente maior que a do trabalhador comum, o aumento da produtividade que não é acompanhado pelo aumento dos salários – o que não é realidade em todo o mundo, por exemplo não o parece ser no Brasil, país em que a política de aumento do salário mínimo acabou beneficiando proporcionalmente muito mais os menos qualificados [2] – e a influência das elites financeiras sobre os regimes de taxação por todo o mundo. Todos aspectos de ampla discussão e difícil conclusão.

Porém, é relativo ao ponto focado em “oito pessoas serem mais ricas que 3,6 bilhões de pessoas” que fica a análise vazia. A impressão que fica é que o mundo não esteve tão ruim, com a renda tão concentrada e com condições tão terríveis para os mais necessitados. Dois dados – um teórico e o outro quantitativo – discordam dessa visão:

  1. Há uma diferença entre fluxo e estoque de renda que não é comentada. Renda em fluxo (ou fluxo nominal de renda) é aquela que está circulando pelos mercados, passando de um agente para outro; estoque de renda é a parcela que os agentes decidem não gastar e acumulam para si. Segundo a metodologia utilizada pela Oxfam – da renda líquida, que é a renda menos todas as dívidas –, importa apenas o estoque, não leva-se em consideração a melhoria na qualidade de vida advinda do fluxo circular da renda [3];
  2. Diversos índices – o de pessoas em situação de extrema pobreza, o de países sob regimes democráticos, o de acesso a educação básica e o mortalidade infantil, apenas para citar quatro – mostram que, ao contrário do que o resultado da pesquisa pretende apontar, estamos muito melhores como humanidade nos dias atuais do que fomos outrora. Confira nos gráficos abaixo e também na pesquisa que dá base a eles:

De modo direto, é possível observar que as condições da humanidade têm melhorado com o passar das gerações. É claro que ainda há muito o que se desenvolver pelo mundo a fora e também domesticamente – pense, por exemplo, que em nosso país ainda temos um longo caminho de melhorias, dentre outros aspectos, no saneamento básico (estamos entre os 100 piores países neste quesito [5] mesmo estando entre as dez maiores economias do mundo) e na educação (menos de 10% dos brasileiros têm plena condição de se compreender e se expressar [6]) –, mas utilizar como justificativa que “pessoas com conexões fazem mal ao planeta” e “a culpa é dos paraísos fiscais” (quando não agarrando-se somente ao ponto de que oito pessoas são mais ricas que a metade da população, como se distribuir igualitariamente a renda delas fosse a solução fácil e direta dos problemas) para apontar que estamos pior como humanidade nos dias atuais é, ao menos, altamente discutível.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico Notas [1] Eis o relatório, completo, em inglês: https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-en_0.pdf [2]          https://www.insper.edu.br/conhecimento/politicas-publicas/produtividade-e-salarios/ [3]          http://analiseeconomica.com.br/site/entendendo-como-as-coisas-funcionam-o-fluxo-circular-da-renda/ [4]          https://ourworldindata.org/a-history-of-global-living-conditions-in-5-charts/ [5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-03/brasil-ocupa-112a-posicao-no-ranking-internacional-de-saneamento [6]          https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/02/29/no-brasil-apenas-8-escapam-do-analfabetismo-funcional.htm O autor agradece ao professor da FEA-RP /USP, Cláudio Lucinda, pelo auxílio neste artigo.

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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