Diante de uma ciência econômica sob influência de narrativas diversas e cujos fundamentos mais elementares podem ser questionados, qual o papel do economista? John Maynard Keynes, no encerramento da obra Ensaios de Persuasão, propôs que o economista deve ser tal qual o dentista. A economia, seu objeto de estudo, não deve ser superestimada, assim como assuntos de maior importância não devem ser sacrificados em função do problema econômico.
Logo, o economista deve buscar o conserto daquilo que está quebrado, bem como trazer modestas melhorias às vidas das pessoas. Porém, o que acontece quando ele não cumpre seu papel? A economia fracassou? A culpa é dos economistas e da lamentável ciência econômica?
A recente turbulência econômica nacional, causada pela paralisação dos caminhoneiros, tangenciou os mais elementares conceitos da economia e oferece possíveis evidências para o dito fracasso da profissão. Segundo o Datafolha, 87% da população é favorável a greve, mas o mesmo percentual é contrário a cortes no orçamento público ou aumentos de impostos para que as reivindicações feitas pelos caminhoneiros sejam atendidas.
Nesse caso, o conceito econômico subjacente (e primeiro dos 10 apresentados) é a restrição orçamentária¹, representando as escolhas de bens e atividades que um consumidor pode fazer até que seu orçamento seja totalmente exaurido. Recursos finitos (dinheiro) precisam ser destinados às reivindicações. No entanto, esses recursos não devem ser provenientes de um montante de recursos maior (através do aumento de impostos) ou de um remanejamento de recursos existentes (através de cortes), conforme os resultados da pesquisa, algo logicamente impossível considerando o escopo apresentado.
A assimetria informacional entre a realidade analisada pela ciência econômica, descrita através de abstrações no manual de introdução à economia, e a realidade percebida por parte representativa da população, não é exclusividade do Brasil.
No Reino Unido, por exemplo, pesquisas realizadas pela YouGov sugerem que mais de 60% dos adultos não conseguem definir o que é PIB (valor de mercado de todos os produtos e serviços finais produzidos dentro das fronteiras de um país, dado determinado período de tempo), enquanto pesquisas realizadas pela OCDE sugerem que mais de 60% do público britânico não compreende o fenômeno da inflação.
Não obstante, o economista, especialista responsável por tratar desses temas, é apontado como um dos profissionais menos confiáveis, perdendo somente para a classe política.
A partir desse cenário, o que devemos fazer? Inúmeras respostas complexas e extensas poderiam ser apresentas. No entanto, seguindo os conselhos de Keynes, ofereço minha contribuição pessoal com uma coleção de conceitos de economia que todo brasileiro deveria saber.
Minha intenção é oferecer um primeiro tijolo, através deste Terraço, rumo a construção da ponte entre o economista desacreditado e o público pouco educado, longe da torre de marfim acadêmica e seus custos irrecuperáveis. Sugiro aos colegas, futuros economistas, economistas e interessados pela economia, caso assim estejam inclinados, que ofereçam suas próprias contribuições.
1+9 conceitos de economia que todo brasileiro deveria saber
Trade-off e custo de oportunidade²
Um trade-off surge quando um agente precisa abrir mão de algo, para que consiga outra coisa.
Esse conceito pode ser melhor compreendido através da seguinte ilustração: digamos que você tenha 5 horas totalmente livres durante o seu dia. Suponha que essas horas podem ser ocupadas com duas atividades diferentes, estudar para o vestibular e navegar no Facebook. Cada hora de estudo implica em uma hora a menos de navegação e vice-versa. Dito isso, você não estaria somente abrindo mão de uma hora de Facebook caso escolhesse estudar, inúmeras atividades poderiam ter sido desempenhadas. No entanto, o economista tende a comparar uma opção com sua melhor alternativa possível, o custo de oportunidade. Ou seja, você não só abriu mão de inúmeras alternativas, como também abriu mão da melhor alternativa possível, normalmente utilizada como parâmetro em uma situação de trade-off.
Estoque e fluxo
Estoque e fluxo são duas quantidades de algo qualquer, cuja diferença essencial é a relação de ambas com o tempo.
O estoque é uma quantidade dada em um momento específico do tempo, possivelmente oriunda de acumulação passada. O fluxo é uma quantidade em um período de tempo, normalmente representada por uma taxa.
Os conceitos de estoque e fluxo podem ser ilustrados com o exemplo: digamos que você precise pagar seu aluguel mensalmente, o valor dessa despesa é 100 reais. Esse aluguel seria o fluxo, denominado em dinheiro (100 reais) dado um período de tempo (1 mês), logo, podemos representá-lo como 100/mês. Porém, no último mês você se endividou e percebeu que só dispõe de 85 reais para pagar o aluguel.
No entanto, buscando uma solução, você vendeu sua bicicleta velha por 15 reais, o valor obtido através dessa venda seria o estoque. Somando os 15 reais da venda aos 85 já disponíveis, obtemos o valor do aluguel (100 reais). A diferença essencial (tempo) entre estoque e fluxo pode ser observada de maneira explícita através do questionamento: se no próximo mês você se encontrasse na mesma situação, poderia aplicar a mesma solução?
Não, pois, o dinheiro da venda está em um momento específico do tempo e o aluguel é periódico. Você já se desfez da bicicleta no mês anterior, alternativas possíveis seriam vender algum outro bem, p. ex.: livros usados (estoque), diminuir as despesas mensais (fluxo), ou ainda, obter uma fonte adicional de renda, p. ex.: vender trufas na faculdade (fluxo).
Impostos diretos e impostos indiretos
São duas formas de cobrança de impostos. Grosso modo, o imposto indireto é pago de forma implícita, ele faz parte do preço final de determinado produto (p. ex.: você compra uma garrafa de água por 4 reais, sendo que nesse preço, a parcela de 1,50 equivale aos impostos). O imposto direto, entretanto, é pago de forma explícita. Grosso modo, anualmente você paga um montante específico, calculado com base nos seus rendimentos do período anterior.
No Brasil, por volta da metade dos impostos recolhidos pelo governo tem sua origem no consumo, consequentemente, configura-se o que os economistas denominam tributação regressiva, conforme apresenta Arthur Solow:
“Imagine duas famílias distintas, uma mais rica (Família A — R$15.000/mensais) e outra mais humilde (Família B — R$3.000/mensais). Suponha também que os produtos sejam encontrados pelo mesmo preço e as quantidades compradas mensalmente sejam semelhantes [4]. Dessa forma, o valor nominal (R$) na compra dos produtos ou serviços listados acima será parecido, mas o percentual gasto em relação à renda será bem diferente. Então, se o gasto com essa cesta de produtos seja, digamos, o equivalente a R$ 300,00 mensais, a família A terá gasto 2% dos seus recursos com estes produtos básicos; a Família B, por sua vez, terá gasto 10%. Uma diferença de 5 vezes mais.
Esta é a injustiça distributiva: a quantia arrecadada pelo governo foi exatamente a mesma das duas famílias; contudo, o custo incorrido pela Família B é muito maior do que para a Família A, pelo menos no que diz respeito no comprometimento de parte de sua renda.”
Ilusão monetária
O conceito se refere a tendência em pensar nos valores monetários em termos nominais ao invés de reais, tomando os valores nominais como equivalentes ao poder de compra efetivo.
Considere a situação hipotética: de segunda a sexta-feira, você toma uma xícara de café na padaria antes de ir ao trabalho. O preço da xícara é 2 reais. No próximo ano você deseja parar de consumi-lo e economizar o dinheiro gasto para comprar um presente de natal para sua namorada. Dado que, aproximadamente, você toma uma xícara de café 22 vezes ao mês, totalizando 44 reais, e o ano possui 12 meses, o montante nominal economizado seria 528 reais. Digamos que esse seja o valor da cesta de chocolates que pretende adquirir.
Porém, durante esse período os preços dos bens e serviços aumentarão de forma generalizada e persistente, logo, 528 reais no natal do próximo ano não compram as mesmas coisas que comprariam hoje, ou seja, você perderia parte do seu poder de compra.
Com inflação esperada de 10% ao ano, no fim do período seus 528 reais só efetivamente comprariam o equivalente a 480 reais nos dias de hoje. Caso tenha tomado suas decisões sob os efeitos da ilusão monetária, a diferença entre o valor nominal (528) e o poder de compra efetivo desse valor no futuro (480) não seria considerada, afetando a eventual aquisição da cesta de chocolates.
Viés do raciocínio relativo
No âmbito do processo decisório de consumo, esse conceito descreve a tendência das pessoas a atribuírem maior importância a diferenças relativas de preço, mesmo que, em última instância, somente diferenças absolutas sejam de fato importantes.
Esse conceito pode ser melhor a partir do cenário: você precisa de uma calculadora nova para a prova de estatística da próxima semana. Um colega disse que a papelaria da rodoviária está oferecendo promoções, uma calculadora de 15 reais está sendo vendida por 10. Você aproveita a oportunidade e vai à rodoviária para comprá-la. A prova de química experimental também acontecerá na próxima semana e você precisa de um jaleco novo. A papelaria da rodoviária também está oferecendo o jaleco por um preço promocional, 120 reais, sendo o preço original 125.
Estudos sugerem que você estaria muito mais propenso a ir á rodoviária para se aproveitar do desconto de 33% no preço da calculadora, em relação ao desconto de 4% no preço do jaleco. Mas, o valor economizado, em ambos os casos, seria o mesmo, 5 reais. Em termos absolutos, não há diferença entre economizar 5 reais no jaleco ou na calculadora, ainda assim, essa economia acaba sendo realizada, ou não, através de decisões pautadas em termos relativos.
Desconto hiperbólico
O desconto hiperbólico descreve a tendência das pessoas a priorizarem ganhos pequenos no curto prazo em relação a ganhos maiores no longo prazo.
Esse conceito pode ser utilizado para compreender a seguinte situação: você possui uma enorme dívida porque deixou de pagar a fatura do cartão de crédito. Um dos seus sonhos de infância é fazer uma viagem para o Walt Disney World Resort, porém, sempre encontrou dificuldades para economizar dinheiro e, consequentemente, realizar esse sonho.
Isso ocorre porque a satisfação obtida, no curto prazo, pelo consumo proporcionado pelo cartão de crédito, ainda que realizado mediante a acumulação de dívidas, se sobrepõe à satisfação, no longo prazo, de realizar a viagem. Não somente isso, no exemplo apresentado a satisfação obtida no curto prazo implica em consequências adversas ao desejo de longo prazo.
¹Vide Economics, de Acemoglu, Laibson e List. 2016. Pág. 46.
²Vide Economics, de Acemoglu, Laibson e List. 2016. Pág. 46–47.