Em dezembro de 2020 o período Bolsonaro à frente do governo brasileiro completa 2 anos, caracterizado pelo excesso de polêmicas, relacionamento tenso com os demais poderes, troca intensiva de ministros e pela ausência incontestável de resultados. Para compreender o governo Bolsonaro é preciso retroagir um pouco no tempo e relembrar o pleito eleitoral de 2018, caracterizado pela ausência de debates, por uma facada e por promessas vazias e, por vezes, irrealistas. Bolsonaro foi eleito após o governo reconhecidamente reformista de Temer, herdou um país que embora crescesse pouco, apresentava bons desempenhos em inúmeras áreas como a política externa e política econômica.
No que se refere à diplomacia, os esforços de recuperação da imagem global do Brasil no tempo dos Ministros José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, que culminaram com a assinatura do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul já no governo Bolsonaro (assinado no governo Bolsonaro, porém costurado antes) foram desperdiçados. Aos poucos, sob alinhamento automático da diplomacia brasileira à governos estranhos como o de Donald Trump a credibilidade externa do Brasil foi se dissolvendo. Não foram poucos os episódios que representantes do Estado brasileiro hostilizaram países historicamente importantes como China, Argentina e França. O Brasil passou a mostrar uma imagem de um país que desrespeita minorias, desdenha da ciência e degrada o meio ambiente.
Na saúde, são incontáveis os retrocessos que se iniciaram ainda no começo de 2019 com o envio de médicos cubanos de volta à Cuba, sob o pretexto estapafúrdio de que estes eram emissários do governo cubano para implantar o comunismo no país. Mas foi durante a pandemia que o governo Bolsonaro acumulou seus episódios patéticos, desde o fatídico pronunciamento da “gripezinha” até as sabotagens ao isolamento social propostas pelo Presidente da República e agora a resistência em preparar um plano de vacinação quando o mundo todo já o faz.
No campo da retórica uma amálgama conceitual foi construída em torno da figura de Bolsonaro. O desrespeito ao significado real das palavras é uma das marcas do populismo chinfrim ora em curso. Dentre as confusões conceituais, atribuíram à social democracia a culpa pelo fracasso de uma gestão heterodoxa da economia. Culpam o comunismo pela tolerância a uma pauta de democratização de comportamentos que na verdade é um dos alicerces da sociedade liberal que eles dizem defender e chamam de liberal um projeto de sociedade que sequer é conservador, é apenas moralista.
Mas talvez tenha sido na economia o principal ponto de fracasso do governo Bolsonaro. Isto porque eram grandes as expectativas que se criaram em torno de um projeto “liberal” para o Brasil. Novamente confundem o liberalismo anacrônico de almanaque de Paulo Guedes com uma gestão ortodoxa moderna da economia que eles fracassaram em implantar. Não houve abertura comercial, pelo contrário, como dito o que se viu foram cotoveladas e caneladas em parceiros comerciais que garantem o nosso superávit a anos. Não houve nenhuma privatização, na prática o que se viu foi o loteamento de cargos para o centrão que eles sempre criticaram.
Também não debelaram o déficit primário em 1 ano como prometido, na prática demoraram quase um ano para se aprovar uma reforma da previdência e desde então o executivo cruzou os braços. Enquanto isto, as condições fiscais do Brasil se deterioram em uma velocidade muito maior do que nos anos finais do governo Dilma. Em 2014, o déficit primário era de R$32 bilhões, em 2021 o déficit primário previsto na LOA é de R$233 bi, um avanço de quase 1000% no resultado primário do governo em 7 anos. Nesta conta do primário de 2021 não constam ainda a prorrogação do auxílio emergencial e nem novos pacotes de socorro a Estados e municípios que se verão encrencados a partir da expiração do decreto de calamidade pública em 31 de dezembro deste ano.
No front da política monetária há igualmente retrocessos, a autonomia legal do Banco Central até hoje não foi aprovada e há um nítido descuido com a inflação que já começará 2021 encostando no teto da meta apesar da recessão histórica deste ano, da capacidade ociosa em vários setores e do desemprego de 14,6%. Tudo isto em um ambiente de venda parcial de reservas e maxidesvalorizações da taxa de câmbio.
Espera-se que o governo possa corrigir seus rumos nos 2 anos que ainda lhe restam, caso o contrário o Brasil estará entrando em uma nova década perdida em termos de economia.
Benito Salomão
Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e especialista em finanças públicas.