Quatro medidas liberais para combater a desigualdade salarial contra mulheres

Fenômeno social verificado em diversas partes do globo, a diferença entre os salários de homens e mulheres (gender wage gap, em inglês) vem sendo largamente discutida pela sociedade brasileira – muitas vezes de forma demagógica ou preconceituosa. Fato é que, segundo o IBGE, apesar das mulheres serem maioria no ensino superior – sendo a formação uma das principais variáveis que explicam o salário – elas deixam de ganhar 25% da remuneração dos homens, pelo mesmo serviço.

Muito do que se justifica, demagogicamente, é que tal diferença ocorre em função de quesitos objetivos, como escolha de carreira, geografia, experiência, dentre outros. Quem dera isso fosse verdade: segundo a Fundação de Economia e Estatística do governo do Rio Grande do Sul, apenas 2/3 das diferenças salariais entre gêneros têm explicações claras. Em outras palavras: parte significativa dessa disparidade não possui justificativa racional.

Trata-se de uma questão mal abordada por ambos os lados do espectro político: muita gente mais à esquerda defende medidas pouco eficazes que causarão mais danos que benefícios – como punir empregadores que pagam salários diferenciados ou tabelar preços. No outro extremo, o da direita, há quem diga que não existe solução não-intervencionista para o problema, preferindo ignorá-lo – ou dizer que ele sequer existe -, em primeiro lugar.

Frente a esse grande problema – muitas mulheres ganhando menos do que deveriam – listaremos quatro possíveis medidas (duas governamentais e duas culturais) que poderiam reduzir ou até mesmo erradicar ao longo prazo o Gender Wage Gap, sem haver interferência na liberdade dos agentes de mercado.

I. Licença parental

Grande razão pela qual as mulheres ganham menos no Brasil é o atual desenho da licença-maternidade. Segundo a lei brasileira, o ônus da gestação, assim como da primeira infância, cai desproporcionalmente sobre a mãe em relação ao pai. 

Tal desenho oferece incentivos danosos à mão de obra feminina, já que, no Brasil, contratar uma mulher torna-se caro e arriscado. Balanceando as responsabilidades igualmente, um novo modelo de licença parental juntaria as licenças maternidade e paternidade em uma só, a ser compartilhada livremente entre os progenitores. Dessa forma, os riscos e responsabilidades ficam menos desigualmente divididos, e o custo de contratar uma mulher fica mais próximo ao de contratar um homem.

II. Creches

Após a maternidade, as mães brasileiras enfrentam mais um desafio: o deficit espantosamente grande de vagas nas creches. Obrigada a cuidar do filho e distante do serviço, torna-se mais difícil o ato de arranjar um emprego – e assim maior a possibilidade de aceitar uma remuneração menor. Em 2015, segundo o IBGE, mais de 75% das crianças com menos de quatro anos não estavam matriculadas em unidades de educação infantil. Tal ausência afeta principalmente as mulheres pobres, que não têm condições de arcar com os custos da rede privada – consequentemente, o deficit contribui para uma maior desigualdade de renda.

Para compreender essa questão, é preciso ter em mente que a maior parte dos recursos da educação são destinados ao ensino superior. Em 2017, estimava-se que 58% do orçamento tivesse este fim: de R$ 136 bilhões, R$ 79,7 bilhões iria para o custeio de universidades públicas e bolsas, enquanto R$ 56,3 bilhões iria para a educação de base.

Em um momento de deficit orçamentário, no entanto, é impossível prometer creches sem cortar gastos de outro lugar. Portanto, a política ideal seria focar o orçamento na educação básica, fortalecendo parcerias com os municípios, ao mesmo tempo cobrando mensalidade de alunos de alta renda em universidades públicas.

O Future-se, programa de financiamento privado de universidades públicas apresentado pelo ministério da educação, pode ser uma excelente saída. Além disso, uma ideia interessante seria adotar o sistema de vouchers para creches, no qual as mães têm liberdade para escolher a instituição de ensino na ausência de vagas – com o governo pagando a mensalidade.

O foco na educação básica é a saída para um reingresso mais rápido da mulher ao mercado de trabalho, reduzindo a chance de uma baixa remuneração.

III. Redução da dupla jornada

Segundo o IBGE, a desigualdade também se estende ao âmbito doméstico. Enquanto homens gastam 10,5 horas semanais com cuidados de pessoas ou da casa, mulheres gastam 14,1 horas. Ou seja: as mulheres acabam trabalhando menos horas fora de casa, reduzindo seu salário.

Tal quadro inspirou pensadoras feministas a criarem o conceito de carga mental, que seria o cansaço psicológico que as mulheres adquirem ao fazer o planejamento doméstico praticamente sozinhas, enquanto os companheiros apenas executam os afazeres apenas se a mulher pedir. Por conta disso, a preocupação, o stress e boa parte da execução não são compartilhados, o que contribui frontalmente para o fenômeno da dupla jornada.

Para resolver esta questão, é preciso que desde cedo meninos e meninas sejam educados com a ideia de divisão igualitária de funções e – claro – que companheiros se conscientizem e realizem um planejamento doméstico menos oneroso para as mulheres.

IV. Educação igualitária

É muito difundida a ideia equivocada de que homens são naturalmente mais aptos para áreas ligadas ao raciocínio matemático e que mulheres teriam mais habilidade em áreas linguísticas e sociais.

No entanto, a pedagogia moderna compreende que essas diferenças de aptidões estão muito mais ligadas à educação, do que necessariamente a uma suposta tendência biológica. Meninos normalmente são levados a brincar com objetos que estimulam o raciocínio, enquanto meninas recebem brinquedos mais estáticos que encorajam o cuidado, como bonecas e cozinhas em miniatura.

Uma pesquisa publicada pela AERA Open, revista científica da Associação Americana de Pesquisas Educacionais, analisou 5000 crianças em 1998 e mais 7500 em 2010. Conclusão, as disparidades no entendimento da matemática começam posteriormente ao ingresso no jardim de infância. No começo, o desempenho entre meninos e meninas era igual, mas após a metade do ano meninos eram maioria no grupo com melhor desempenho, e com o passar dos anos a diferença só se aprofundava.

Outra descoberta do estudo foi a responsabilidade dos docentes por esse resultado. Mesmo que alunos e alunas tivessem as mesmas notas, os professores consideravam o desempenho das meninas inferior. Como pesquisas apontam, o desempenho de um indivíduo está muito ligado ao que se espera dele; se as expectativas são altas, também tende a ser alto o seu desempenho.

Resumo da ópera 

No próprio sistema educacional há um viés negativo que afasta e desestimula as meninas a seguirem carreiras relacionadas à matemática, que normalmente têm maior remuneração.

Como um todo, a desigualdade salarial e as questões de gênero são problemáticas complexas para as quais não existem soluções simples. Se, por um lado, a esquerda apela para medidas imediatistas, pouco eficazes e interventoras (para problemas que conservadores simplesmente ignoram), os liberais não podem fechar os olhos para a questão simplesmente porque é difícil resolvê-la dentro de seus padrões morais.

Sabemos que indivíduos reagem a incentivos. O estado brasileiro é uma máquina de produção de desigualdades, criando diversos estímulos para que mulheres sejam segregadas do mercado de trabalho ou, quando não estão, que recebam menos. Além disso, a cultura sexista que permeia nossa sociedade também exerce um importante papel na manutenção desse problema social.

Para que possamos construir um futuro mais livre para as mulheres, o Brasil precisa implementar políticas não-intervencionistas e popularizar boas práticas. Tais ações devem ser prioridade para as futuras gerações.

 Cecília Lopes

Terraço Econômico

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