Benito Salomão
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A história não cansa de nos dar lições: nações que se desenvolveram aprenderam com os erros do passado e forjaram um futuro promissor a partir de grandes catástrofes. No Brasil, entretanto, a história parece zombar dos povos tupiniquins sempre voltando ao ponto de partida, de forma que as catástrofes, de forma teimosa insistem em reincidir sobre a nossa eterna e soberba condição de país do futuro.
Após 20 anos de um desastroso governo militar que, mais do que cercear liberdades, produziu no Brasil 15 anos ditos perdidos – período que compreende os anos de 1980 até 1994 – condenando nosso país a uma perversa combinação de altíssima inflação (a maior da história entre países que não participaram de guerras), baixo crescimento (com alguns anos de recessões, sobretudo no começo das décadas de 1980, e 90), expansão e propagação da miséria, da pobreza, do subemprego, da informalidade, além de retração dos investimentos, precarização do comércio exterior e incapacidade do Estado de planejar e organizar a economia e a sociedade.
O caminho de reparo não foi fácil, muito menos a estabilização se deu sobre a égide de baixos custos. Entretanto, o país sobreviveu, a despeito das 05 crises internacionais (México, Ásia, Rússia, Argentina e os ataques de 11 de setembro) que enfrentou no pós-Real e dos problemas de natureza interna, como os problemas orçamentários enfrentados por governos sub-nacionais após a estabilização, além dos problemas inerentes ao sistema financeiro que culminaram em um grande programa de salvamento de bancos privados e públicos denominado PROER. Tudo isso ainda com o racionamento de energia anunciado em 2001, que comprometera de forma decisiva a capacidade de crescimento daquele ano.
Em 2003, apesar de todas as desconfianças a respeito da eleição de Lula (uma figura absolutamente imprevisível do ponto de vista retórico, uma vez que abandonara seu discurso socialista de 30 anos), uma feliz surpresa: a presença de uma pessoa do setor privado (então filiado ao PSDB), Henrique Meirelles, e do médico Antônio Palocci manteve a economia nos trilhos com a manutenção do tripé macroeconômico e com a ajuda da elevação do preço dos nossos produtos exportáveis. Assim, entramos em uma rota de crescimento mais robusta, com elevação do nível de emprego e do bem estar da população que caracterizaram os anos 2000.
Já no final da década passada, sob o argumento das políticas anticíclicas de combate à crise que atingiu diretamente os países centrais e de forma marginal os periféricos, deu-se início a uma nova configuração de condução da economia denominada “Nova Matriz Macroeconômica” [1]. Na prática, ela previa expansão dos gastos públicos, redução da taxa básica de juros e expansão do crédito como forma de impulsionar o investimento privado e o nível de emprego, compensando os impactos fiscais com crescimento econômico.
Como era de se esperar, o crescimento, por razões óbvias, não veio. A produtividade estagnada somada a uma política salarial absolutamente inconsistente fez crescer o custo das empresas que, em um cenário de juros baixos, se materializou em inflação acima da meta. Essa inflação somada a represamentos de preços administrados elevou a expectativa de inflação futura a partir de 2011, causando uma série de distorções setoriais (vide o setor automobilístico, a construção civil, a indústria de bens de capital e o etanol) que, no lugar de promover a elevação dos investimentos, causou retração. O governo plantou déficits fiscais prometendo crescimento e colheu inflação.
O desfecho deste filme vimos nos anos 1970, quando o então presidente Ernesto Geisel lançou o II PND (o PAC da época), um plano de gabinete cujo protagonismo da empresa pública “em tese” incentivaria os investimentos privados que não ocorreram; tanto lá, como agora, a falta de produtividade somada à expansão do crédito da nossa economia canalizou preciosos recursos absorvidos na forma de poupança externa para consumo e não para investimentos, provocando déficits gigantes e crescentes nas transações correntes num primeiro momento, e na balança comercial como agora. Tanto hoje, quanto já em 2012 isso era um sinal de necessidade de ajustes na economia brasileira. Os mecanismos de expansão fiscal e do crédito público não se sustentariam, porém, como no regime militar, agora o governo precisou legitimar-se e a (i)racionalidade política sobrepôs-se à econômica e o modelo foi mantido até o final de 2014.
Eleita a presidente da república para mais 4 anos no poder, e dado o consensual fracasso da Nova Matriz Macroeconômica, chegou a hora de desmanchar o que se havia construído, como se fosse simples retomar a credibilidade perdida. Chegamos em 2015 com uma constatação a fazer: ESTAMOS DIANTE DE OUTRA DÉCADA PERDIDA.
Do ponto de vista do crescimento, no quadriênio 2011-2014 teremos crescido em média a uma taxa de 1,5%, sendo que em nenhum dos anos o crescimento ultrapassou o modesto número de 3% (antes dos números revisados). Se olharmos para o biênio 2015-16, teremos uma retração forte este ano (superior a 1%) e um crescimento modesto em 2016, fazendo a média tender a 0%. Já nos 4 anos que findam a década ainda é cedo para fazer projeções, mas é sabido que promover ganhos de produtividade e acelerar a rota de crescimento leva tempo e exige reformas que estão fora da pauta dos tomadores de decisões. Portanto, dificilmente teremos crescimento maior do que 1 ou 2% até 2020.
Do ponto de vista da inflação, ela persistiu acima da meta durante os primeiros quatro anos, com repressão de preços públicos e folga da política monetária, e se manterá acima da meta este ano (podendo passar de 2 dígitos) e o ano que vem, o que, pela regra de ajuste salarial vigente, produziria uma forte elevação salarial em 2016, carregando por inércia a inflação de 2015 para 2016 via elevação de salários. Ou seja, 30 anos depois corremos o risco de voltar a discutir inflação inercial.
Está claro portanto que a situação está longe de ter um final feliz. Junta-se a isto a crise política, como nos anos 80 e o movimento das “Diretas Já” que culminaram na democracia, e nos anos 90 os caras pintadas que resultaram no impeachment de Collor. É como se voltássemos no tempo, tanto na política como na economia. Que desta vez a crise nos sirva de lição para não mais cometermos velhos erros sobre novos pretextos.
Benito Salomão
Economista, aluno do Programa de pós graduação em economia da Universidade Federal de Uberlândia.
Empresário, diretor do Grupo Salomão, e conselheiro da CDL Uberlândia.
[1] http://www1.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?cod=863481