Você no Terraço | por João Lídio Bisneto
O Sol ainda brilha em um céu praticamente livre de nuvens. A sabiá ainda canta na esquina e o canteiro de obras também emite sua trilha sonora matinal. Carros ainda trafegam as ruas e avenidas. O pão ainda é feito na padaria.
Pouca coisa parece ter mudado de ontem para hoje. Talvez um semáforo quebrado, um coitado que ficou gripado, ou somente um pouco menos de água nos reservatórios de São Paulo. Afinal, o trabalhador ainda trabalha. O padeiro ainda é padeiro, o bancário ainda é bancário, o satisfeito ainda está satisfeito, e o insatisfeito ainda está insatisfeito.
Opiniões também não mudaram tão rapidamente, tampouco sentimentos. É de esperar que a sociedade não seja bipolar: que boa parte da compaixão, desgosto, amor e ódio seja mantida de ontem para hoje e de hoje para amanhã. Após um Corinthians e Palmeiras, Fla-Flu ou Gre-Nal eleitoral, é provável que aquele sentimento de perda ou vitória seja exacerbado pelos jogadores e torcedores. Depois de campanhas marcadas pelo aqui e o lá, o nós e o eles, a verdade e a mentira, o certo e o errado, todo e qualquer cidadão tem o dever de refletir se essa polarização se fixou na mente da população brasileira.
Não custa lembrarmos que democracia significa poder do povo. Porém, é difícil conceber tal ideia como realidade. Seguindo o ditado, se “nem Jesus agradou a todos”, como poderia um regime político gerido por seres não-divinos ser capaz de governar para todo o povo, para todos. É natural que o resultado da democracia prática não seja a satisfação plena. Assim, o problema maior deixa de ser escolher a política oni-benevolente e passa a ser escolher para quem se deve governar. Alguns defendem que se deve satisfazer o maior número possível de cidadãos, outros que se deve diminuir o sofrimento do mais insatisfeito. O mais importante, entretanto, é admitir que nem todos sairão ganhando.
Nada mais essencial para o Estado do que saber, então, quais e quantos são os beneficiados e prejudicados. Isso só é possível se permitirmos aos satisfeitos e insatisfeitos serem e se manifestarem como tais. Todos precisam de liberdade para exporem suas condições e opiniões e merecem respeito. Respeito ao satisfeito, por ser resultado de um projeto de nação, e respeito ao insatisfeito, por ser consequência da inexistência de um regime político perfeito.
Nesse período de guerra verbal, o respeito e a liberdade de expressão pareceram ser mutuamente excludentes, mas não o são nem de forma teórica nem de forma prática. O país precisa aprender com essa tão recente lição a exercer esse direito e dever de cidadania. Não deixemos que nossa democracia deixe de ser “a pior forma de governo, salvo todas as demais”[1]. Só nos resta pedir e clamar ao divino povo:
Que tenhamos liberdade! Que tenhamos respeito! Que sejamos éticos! Que sejamos humanos! Que exista ordem! Que exista progresso!
Seria isso utópico? Seria pedir demais? Ou seria apenas o mesmo que acreditar que nada mudou entre 19 de agosto e 27 de outubro?
[1] Winston Churchill
João Lídio Bisneto Graduando em economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV Ex-presidente da Consultoria Júnior de Economia da EESP – FGV.
As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade do autor.